Windtown
Por Mateus Cacheta | 20/02/2017 | Contos- Vamos, Brian, temos que pegar a estrada para irmos ao funeral de sua mãe, não queremos demorar mais, pois já e de madrugada. Disse ela.
- Já estou indo, querida.
Então ele desceu as escadas, pegou o seu casaco, os dois entraram no carro, rumo a Vineforth, que ficava a mais de 3 horas de distância, mas não tinham outra escolha, tinham que ir a esse funeral, pois, apesar da distância, Brian e Annie (sua mãe) eram muito próximos, e sempre que podia, ela ia passar férias em Limmel, que era onde eles moravam.
- Querido, acho melhor ligarmos o aquecedor, está muito frio hoje.
Nenhum dos dois era experiente quando se tratava de morte e de como consolar as pessoas, Clarisse continuava a ter a sensação de que deveria dizer alguma coisa, pois era a mãe dele que havia falecido, mas realmente não sabia o que dizer, então optou pelo silêncio, pensou em colocar alguma música, mas chegou à conclusão de que talvez não seria uma boa ideia.
- Ei, você não precisa dizer nada, eu estou bem, todos já esperavam que isso ia acontecer depois de passar 3 semanas no hospital, agora só foi a confirmação final. Disse ele adivinhando os pensamentos dela.
- Obrigado, Brian, você sabe que essas situações me deixam realmente desconfortável.
E então continuaram dirigindo pela estrada, sem trocar uma palavra, notando o silêncio entre eles, mas sem nada em mente para falar. Estavam quase na metade do caminho, quando de repente, ouviram um barulho estridente vindo da traseira do veículo, Brian perdeu estabilidade e deslizou na pista, e conseguiu seguir para o acostamento e parar lá.
Desceu do carro para ver o que havia acontecido, e suas suspeitas estavam certas, tinham um pneu furado.
- Clarisse, temos problemas!
Ela suspirou e não disse uma palavra.
- Vai demorar um pouco até poder consertar tudo isso. Bufou ele.
Foi até o porta malas, para pegar o estepe, até que teve uma surpresa desagradável. Não havia estepe.
- Clarrise, não temos um estepe?
- Ah! Brian! Não se lembra? Há uma semana também furei o pneu do carro, liguei para o mecânico ir trocar, e ele levou o antigo para oficina para trocá-lo, e ficamos sem desde então.
Ambos suspiraram. Ele recordou do ocorrido.
- Vamos ligar para algum conhecido, estamos próximos do município de Windhtown, vamos usar isso como uma referência.
Ambos pegaram seus celulares, mas nenhum tinha área, teriam que andar ainda mais para ligar para alguém.
- Brian! Vamos chamar a polícia!
- Não, Clarisse, podemos resolver isso muito bem sozinhos, sem incomodar ninguém.
Ela percebeu mais uma vez a teimosia de Brian, era um de seus piores defeitos, e um dos que mais a irritava. Mas, decidiu não entrar em discussão, pois já estava estressada demais com toda a situação.
- Não estamos tão longe de Windtown, podemos andar até lá, e então ligamos para alguém.
Clarisse apenas assentiu, mas não concordava com o que estava fazendo, mas deixou-o tomar as rédeas da situação, não queria contestá-lo no momento que tinha acabado de perder sua mãe Annie.
Trancaram o o carro, fecharam e apertaram seus casacos o máximo que conseguiram e começaram a andar, observaram que o céu estava totalmente escuro, não havia nenhuma estrela, pois havia chovido nos dias anteriores, tendo dias e noites nublados ainda. Brian mirava sua lanterna que tinha achado no porta malas para frente, como um farol de um carro, enquanto Clarisse andava com os braços cruzados, encolhida, lutando contra o frio que parecia aumentar cada vez mais.
Andaram por mais de meia hora, quando avistaram uma placa dizendo que Windtown estava a menos de 500 metros dali, ambos sentiram um alívio quando leram aquilo, Clarisse sentiu um arrepio perpassar pela sua espinha, era uma sensação contraditória, pois ao mesmo tempo que estava aliviada de ter chegado lá, sentia um certo receio.
Windtown era uma cidadezinha muito pequena, com menos de 2 mil habitantes, extremamente pacata, e é claro que às 3 da manhã não se acha ninguém andando pelas ruas, Brian conhecia apenas a rua principal, que passava sempre que ia a sua mãe. Nunca tinha parado lá realmente, sempre apenas passaram. E é esse tipo de lugar a que se parece, que as pessoas sempre passam e nunca permanecem, que nunca querem ficar ali realmente.
Há uma certa nostalgia naquele lugar, como se há muito tempo já tivesse sido habitável, e talvez agradável, mas agora não é essa sensação que o ambiente transmite, havendo apenas o vento frio contra seus rostos. Chegando à rua principal, Brian e Clarisse viram com mais clareza o que sempre viam quando passavam de carro, e que era apenas um borrão na janela.
A rua principal não era lá muito extensa, além de ter poucas adjacências, e podiam ver no final, o recomeço da rodovia que as pessoas percorrem. Começaram a reparar mais do que nunca dos detalhes, as casas, em suma, eram bem semelhantes, todas tinham uma varanda na frente, feitas de madeira, a maioria continha cadeiras e balanços, e uma pintura fosca e envelhecida, com vidros embaçados pelo frio que fazia.
Havia um mercadinho à esquerda, na esquina, que dava uma impressão de abandono, não ser mais utilizado, com um poste bem a sua frente, emitindo uma luz amarela e fraca, assim como os outros dois postes que havia na rua, em frente a lojas, que pareciam também inutilizadas. Ambos concluíram que iluminação não era o ponto forte da cidade. Clarisse, após sair de seu estado de contemplação, pegou seu celular para tentar fazer uma ligação, enquanto Brian ainda estava absorto na paisagem. Ela não acreditou quando viu que mesmo naquela cidade não tinha nenhum sinal de celular, suspirou mais uma vez.
Com isso, Brian voltou a si, e lembrou o porque de estarem lá em primeiro lugar. Pegou seu celular, e não conseguiu encontrar nenhum sinal para se comunicar. Eles se olharam, sem saber o que fazer.
- Brian! E agora? O que vamos fazer? Disse ela com a voz trêmula.
- Já que estamos aqui, poderíamos pedir ajudar a algum morador, apesar de parecer inconveniente bater à porta de alguém a essa hora, acho que é a solução mais prática.
- Clarisse assentiu mais uma vez, porém dessa vez, concordando realmente.
Dirigiram-se até a casa mais próxima, e bateram na porta. Aquele simples barulho percorreu todo o ambiente, se propagando sem fim, quebrando aquele silêncio sepulcral, ambos tiveram a sensação de estar cometendo algum crime.
Decidiram esperar, não queriam bater mais uma vez, mas a espera estava consumindo-os, e então, sem escolha, bateram mais algumas vezes. E esperaram.
Após aguardar, o que para eles pareceu uma eternidade, alguém abriu a porta da casa, parecendo extremamente surpresa. Era uma senhora, que parecia ter por volta de seus setenta anos, estava vestindo um robe preto, em contraste com sua pele extremamente branca e flácida, e seus cabelos brancos embaraçados caiam sobre seus ombros. Após fita-la por um instante, o casal perguntou se não havia rede de telefone, internet ou algum meio de comunicação disponível que eles poderiam usar para pedir ajuda, e explicaram toda sua situação, enquanto a velha ouvia atentamente.
Então, terminaram de contar a história, ficaram esperando sua resposta, porém, a senhora continuava com um olhar vago, muito pensativa. Os dois a olharam com uma cara interrogativa, e então ela voltou a si e disse:
- Bem, os meios de comunicação por aqui são bem precários, realmente, não temos telefone, ou seja lá o que mais vocês me perguntaram.
Brian e Clarisse ficaram sem saber o que dizer, e pelo que perceberam, poderiam ficar ali por muito tempo, e ela não completaria mais nada em sua frase. Então, Clarisse perguntou:
- Minha senhora, qual o seu nome?
- Annabeth, disse ela.
- Annabeth, não há nenhuma maneira de nos ajudar? Precisamos chegar a um funeral em Vineforth, o sepultamento vai ser amanhã e não podemos nos atrasar.
Ela mais uma vez lançou o seu olhar ao nada, pensativa, seus olhos pretos, com a pele alva, mais uma vez contrastante.
-Hmm...
- Se quiserem, podem passar a noite aqui em minha casa.
Brian e Clarisse se entreolharam. Ela dizia com o seu olhar que "sem chance" de isso acontecer, e ele entendia perfeitamente, mas não tinha pensado em nada melhor até o momento.
- Nós adoraríamos, se não for muito incômodo, disse Brian.
Clarisse ficou atônita, sem palavras e sem ação, ficou apenas parada lá, odiando cada vez mais a situação. Queria falar, gritar, discordar, mas sempre fora do tipo resguardada, e além disso, não podia fazer nada disso naquela cidade, na frente de Annabeth.
Entraram na casa, havia uma sala de estar, sem nenhum aparelho eletrônico, os móveis empoeirados, como se ninguém habitasse aquela casa, retratos antigos nas paredes, e a madeira envelhecida no assoalho. Ela subiu a escada, e eles a seguiram, a cada degrau, a madeira antiga rangia, quebrando mais uma vez, aquele silêncio, que incomodava cada vez mais Clarisse.
Observaram Ananabeth subir o último degrau, com suas costas curvadas, e apontou para o fim do corredor.
- Por aqui, meus jovens.
A cada passo que dava a madeira rangia. Até que chegaram à porta ao final do corredor. Conforme andava, Clarisse se perguntava cada vez mais como deixou a situação chegar a esse ponto.
Os dois entraram no quarto, como todo o resto da casa, havia móveis empoeirados, como se ninguém vivesse lá há muito tempo, e provavelmente aquele quarto realmente não sentia presença humana há vários anos. A velha deixou-os sozinhos e voltou para seu quarto silenciosamente, com sua coluna envergada. Eles ficaram sem saber o que fazer, e agora que não havia mais ninguém, Clarisse disse:
- Não acredito que você nos colocou nessa situação, Brian!
- Que escolha eu tinha? Não tínhamos nada a ver a não ser aceitar a proposta. Vamos tentar dormir um pouco e amanhã partimos bem cedo.
Clarisse queria que a noite passasse rapidamente, mas tinha certeza de que isso não iria acontecer, e que o amanhecer era incerto e parecia extremamente distante. Ambos deitaram na cama, muito desconfortável, e ficaram lá, nenhum dos dois dormindo, e sem proferir palavra alguma.
Depois de algum tempo, Clarisse notou que Brian tinha pegado no sono, e nunca sentiu tanta inveja dele quanto naquele momento, tudo que queria era estar sonolenta naquela momento, mas estava mais desperta do que nunca, seus sentidos estavam aguçados, e estava pressentindo um mau agouro. E para completar a situação, estava extremamente sedenta, ir à cozinha daquela casa parecia um desafio, pois além de não saber exatamente onde era, não queria sair andando sozinha, mas a sede falou mais alto, levantou e foi.
Saiu no corredor, agora a casa parecia ainda mais escura, quando passou pelo quarto de Annabeth, viu a porta de seu quarto entreaberta, e olhou, ela repousava em sua cama, suas pernas juntas, suas mãos encaixadas, além de a cama estar incrivelmente arrumada para uma pessoa que estava dormindo, sentiu um arrepio na sua espinha e continuou andando.
Foi até a sala de estar, e não pode deixar de olhar os retratos nas paredes, chegou à cozinha, e quando abriu a geladeira, quase gritou de susto, pois tudo que havia lá era carne apodrecida, o cheiro infestou o cômodo, e Clarisse teve que sair por um momento. Voltou até lá, e quis abri-la de novo para observar mais atentamente. Tapou o nariz e puxou a porta, acendendo a fraca luz da geladeira, também coberta de poeira. As carnes lá não eram do tipo que estava acostumada, tinha uma aparência diferente, não parecia se frango, de porco ou de vaca, fito-a por mais um segundo, se não era de animais, só poderia ser carne humana.
Nesse momento, sem se conter, Clarisse deu o grito mais alto em toda sua vida, quebrando aquele silêncio mais uma vez, pensou que acordaria toda a vizinhança, Annabeth, Brian, alguém, mas, quando parou de gritar, era como se nada tivesse acontecido. Clarisse gritou e gritou e gritou, e nada, tudo continuava exatamente como antes, como se não estivesse fazendo nada. Nesse momento, sentiu o pânico tomar conta.
Subiu as escadas correndo, fazendo mais barulho com as madeiras, passou pelo quarto de Annabeth, que estava com a porta fechada, e dirigiu-se ao quarto no final do corredor. A porta estava trancada. Ela tinha certeza de que não trancara a porta do quarto quando saiu, ela nem tinha a chave. Tentou entrar no quarto de Annabeth, a porta se abriu.
Abriu a porta lentamente, causando mais barulho, e quanto finalmente abriu totalmente, olhou a cama, e estava vazia.
Olhou no banheiro, closet, andou pela casa inteira, entrou em todos os cômodos, e todos vazios. Agora só havia um cômodo em que não entrara, no final do corredor. Bateu na porta.
- Brian! Brian! Brian! Abra a porta! Brian, você está ai? Abra isso pelo amor de Deus! Brian!
Chamou inúmeras vezes, gritou, e não obteve nenhuma resposta. Inclinou-se contra a porta e caiu em prantos. Era o único ruído que se ouvia, e nada mais. Começou a pensar em todas as possibilidades, tudo que poderia ter acontecido, e cada vez mais sentia arrepios percorrer seu corpo.
A única fraca luz que havia no corredor apagou-se. Ficou completamente no breu. Começou a gritar, chorar, puxar seus cabelos, não sabia que o fazia, não conseguia ver absolutamente nada, não havia qualquer resquício de luz presente. Ela escuta as madeiras da escada rangerem, degrau por degrau, o som, que era distante, fica cada vez mais próximo, pela primeira vez, ela não era a única que estava emitindo algum som no ambiente. Começou a transpirar, sentia a adrenalina correndo em suas veias, não sabia para onde ir, com o barulho das madeiras aumentando a cada segundo, até que subitamente, sessa.
Ela sente um calor, apesar de não saber de onde vem, tem medo de esticar seus braços para tatear algo. Decide permanecer imóvel, como se não existisse, ela sente uma respiração profunda, extremamente próxima, cada vez mais intensa, e a dela, acelerada cada vez mais, suando frio. Continua a ficar sem mexer um músculo, tentando segurar a respiração o máximo que consegue, até que falha.
Não se contendo mais, solta sua respiração, ofegando. Segundos depois, percebeu que esse foi seu maior equívoco, e sem pensar, fica inconsciente, mas não temporariamente. Sem perceber, já está nas profundezas do sono permanente.