When we stop caring
Por Avelino José Pereira Neto | 04/09/2016 | PolíticaDe um dos assentos, num voo de Londres a Toronto, não pude deixar de observar que um dos meus colegas de voo trazia um livro no qual havia uma frase, escrita a mão, quase ilegível, com os seguintes dizeres: “When we stop caring!”. Esta frase pode ser grosseiramente traduzida assim: __Quando paramos de ligar para algo, ou, quando paramos de nos importar com algo.
Não me recordo do que se tratava o livro, mas aquelas palavras ficaram gravadas em minha mente para o resto da viagem. Eu havia deixado a Europa em meio a explosões terroristas em Paris. Intuitivamente associei a anotação do livro às explosões e ao descaso pela vida humana dos terroristas. O tempo passou, e hoje aqui no Brasil, aquela anotação volta a rondar minha mente. Desta vez, o ato terrorista é mais dissimulado. Não há bombas nem explosões de metrô ou em casas de espetáculos. O ato terrorista é exercitado todos os dias, mas ninguém se importa ou enxerga a cara do crime. Então, eu me pergunto: quando foi que deixamos de nos importar com as coisas importantes? Quando foi que optamos por ignorar o que não pode ser ignorado? Quando foi que paramos de ligar para os valores que são fundamentais para a sobrevivência e continuidade de nós como sociedade? Quando estou em lugares públicos é que essa sensação de terror se aguça. A intolerância, a falta da mais básica educação social, a impaciência das pessoas, a violência no trânsito, assaltos acontecendo por todos os lados e a ineficiência das instituições públicas me dão sinais de que esse ato terrorista é bem mais profundo do que podemos imaginar.
Numa reunião de amigos, há alguns meses, conversávamos sobre a situação atual do Brasil. A discussão obviamente girava em torno do marasmo econômico e cultural do país. As pessoas em volta da mesa confabulavam sobre uma possível reviravolta. Alguns arriscavam a dizer que o próximo ano seria de mudanças e melhoria para o país. De repente, de uma ponta da mesa, surgiu uma voz grave e firme afirmando:
__“Não haverá melhorias, não haverá mudanças. A esperança é um produto de marketing forjado pelo poder e por quem controla os meios de comunicação e produção! ”
Todos os olhares convergiram para o dono da voz sólida. Com uma serenidade de um monge, o meu amigo Jorge delicadamente acenava com a cabeça convicto. Suas palavras soaram como um trovão na conversa animada. Todos nós voltamos nossos olhares para o jovem doutor em filosofia. “Observem a história” __ o jovem filósofo continuou__ “Ela demonstra, sem sombras de dúvidas, que não há melhorias. As condições de vida de quem vive do trabalho serão as mesmas. [O povo] Sempre viverá do trabalho árduo e conviverá com a constante escassez de dinheiro. A população sempre será controlada pelo mercado capitalista que determina como vivemos e como iremos viver. A possibilidade de melhoria só é advinda da vontade de mudança da sociedade como um todo. A qual não possuímos! ”
“Então você está dizendo que não há esperança, que não devemos acreditar? ” __Uma das mulheres presentes questionou. Placidamente o jovem responde. “Isso é uma opção da qual não utilizo! ”
A verdade é que as pessoas confundem progresso com melhorias. Não é porque temos acesso mais fácil aos bens de consumo que a realidade da vida social está melhor. Não é porque um cidadão comum pode comprar um veículo ou viajar de avião que a realidade de fato melhorou em seu cerne. Isso é um engodo! É bem verdade de que temos mais carros nas ruas, mais universidades, mais pessoas viajam atualmente. Porém, isso não imprime de fato um avanço social do ponto de vista de mudança. Se olharmos os gráficos e estatísticas veremos que a criminalidade aumentou, que a instabilidade social aumenta a cada crise e que a classe que detém de fato o poder está cada vez mais rica. Não é só no Brasil, mas no mundo em geral. A exemplo disto podemos citar a realidade americana. A sociedade Yank que apesar de todo avanço tecnológico, de todo poder de sua economia e de sua indústria, não é uma sociedade feliz. Basta observarmos as tragédias sociais que ocorrem cotidianamente naquela sociedade.
Eu concordo com o meu amigo Jorge. É bastante difícil de vislumbrar mudanças de fato diante do cenário que se apresenta. Não há nenhuma força ou movimento empurrando a nossa sociedade a tomar novos caminhos. Não existe por parte do governo ou das instituições públicas algo que comove e convença a sociedade brasileira a pensar diferentemente. Pelo contrário, a violência cotidiana, a inadimplência da população, a inércia do governo em promover reais mudanças na sociedade e a falência das nossas instituições nos leva indubitavelmente ao caos.
No dia 24 de agosto ouvi indignado a seguinte manchete do comentaria Arnaldo Jabor da CBN: “Quem combate o crime de forma eficaz é o Comando Vermelho e o PCC. ” A que ponto chegamos, pensei comigo. Porém, depois de alguns minutos concluí que isso fazia todo sentido do mundo. É muito mais tranquilo e rendoso vender droga em Beverly Hills do que nas violentas áreas do Brooklyn. Apesar da lógica, não deixa de ser uma vergonha e um ataque aos cidadãos dignos desse país. Permitir que organizações criminosas sejam responsáveis pelo controle dos crimes em nossas cidades é realmente chegar ao fundo do poço. Cinco dias depois, os principais jornais do pais estampavam em suas manchetes de que um pai endividado havia se atirado abraçado com o filho do 17º andar num prédio em São Paulo. Outro chefe de família mata a esposa, atira seus filhos pela janela e logo em seguida se joga pela janela do apartamento no 18º andar num condomínio na Barra da Tijuca, no Rio. Em países evoluídos haveria pelo menos um pronunciamento de dor e condolência do presidente ou primeiro ministro sobre essas tragédias sociais. Comissões seriam formadas para ajudar as famílias e a impressa cobraria soluções do Estado para que as pessoas se sentissem menos desesperadas diante de uma crise econômica tão brutal. Aqui, porém, pouco depois da tragédia, a imprensa só falava sobre o jogo do Brasil nas eliminatórias da copa do mundo! O presidente do país queria a conclusão do impeachment para que ele pudesse viajar para a China. Nada se ouviu do presidente do Brasil. Nenhuma assessoria do governo se pronunciou sobre o fato. Não houve qualquer palavra de conforto por parte de quem dirige o país sobre esses fatos tão dramáticos que balançam as bases da sociedade brasileira. Absolutamente nada!
Aquela frase do voo de Londres a Toronto aparece de novo em minha mente: quando nós paramos de nos importar com as coisas importantes? When we stop caring? Quando a nossa sociedade parou de se importar com seus cidadãos? Quando paramos de nos importar com a vida humana? Concordo com meu jovem amigo filósofo. Não haverá mudanças. Não há como vislumbrar melhorias numa sociedade que ignora a si mesma. Numa sociedade que perdeu, ou nunca teve uma consciência social. Numa sociedade aonde é muito mais importante o som de gol do que o som do bem-estar social!