Você Come Carne?
Por Marco Aurélio Leite da Silva | 09/08/2008 | ReligiãoVocê come carne? Muitos, na verdade a grande maioria, responderá “sim”
com a mesma simplicidade com que aponta seus gostos pessoais acerca de
uma cor ou de uma música. “Comer carne” é, por si só, uma expressão
feia, daquelas que sequer soam bem. Até mesmo a fonética parece indicar
termos aí algo ilícito, ou, ao menos, pouco recomendável. Com o
português, que é o único idioma que eu domino, fica-me essa impressão.
No inglês, “comer carne” soa-me como algo imoral, francamente
pervertido. Enfim, comemos carne, a maioria de nós.
Creio que
comemos carne porque não realizamos todos os atos terríveis que
antecedem o repasto servido em nossos pratos. Já fez um churrasco? Já
“limpou uma picanha”? Cortar fora a gordura ou os nervos indesejados
não é exatamente algo edificante de se fazer. De qualquer forma, não é
a esse ritual pré-culinário a que me refiro como os antecedentes
terríveis da sanha com que devoramos as vísceras de outro ser.
Não.
Refiro-me à conduta covarde de manter criadouros de seres para
destiná-los ao abate, via de regra sob requintes como muito sangue
jorrando pelo chão, restos de carcaças acolá, ossos por ali, tendo ao
fundo vários homens com suas roupas horrivelmente sujas envergando
lâminas enormes à destra. Nossa! Que pueril, dirão muitos. Claro que há
os matadouros menos chocantes. Ambientes revestidos, homens
uniformizados, tudo muito limpo sob água jorrando – não mais sangue –
para rapidamente ocultar a vida se esvaindo pelo ralo, literalmente.
Não
importa. O que assusta é pensar que, nessa ordem, criamos, matamos e
devoramos outros animais. O prazer sentido com um churrasco bem
preparado, como se diz, “ao ponto”, com um pouquinho ainda de sangue na
carne, é a certeza de que chegamos ao ponto de tão-somente sofisticar o
prazer pela carne que devoramos. Sofisticar? Enfim.
A nossa sorte é
a de que podemos pagar para que outros façam esse trabalho canalha para
nós. É muito bom podermos dormir sem pensar na dor e sofrimento que
infligimos em seres com capacidade de chorar. É isso mesmo. Duvida?
Ora, passe uns tempos no meio rural, junto de bois e vacas. Garanto que
é um ótimo aprendizado. Eu mesmo vi vacas acarinhando seus criadores,
roçando levemente suas enormes cabeças entre pequenos roncos de puro
carinho. Vi mais. Vi as vacas atenderem ao chamado, pelo nome, certinho
como se fossem crianças respondendo à chamada na escola. Vi os enormes
olhos, escuros, romperem em lágrimas depois de divisarem uma pessoa
querida que estivera ausente por algum tempo. Aquela pobre vaca teve ao
menos a sorte de ser morta já depois de velha, já que era uma vaca
leiteira. Só foi assassinada depois que já não mais servia à rapina de
sua capacidade de alimentar.
Vacas choram. Têm um choro sentido,
silencioso, digno. Diferente dos porcos que gritam alucinadamente
quando o “criador” lhe insere uma faca no músculo cardíaco com a
habilidade de um espadachim. Claro que o porco apenas atende a um
instinto... Claro... O seu grito não é de dor nem sofrimento, não é
verdade? Afinal, é apenas um porco. A vaca, afinal de contas, nem mesmo
chora. Eu é que estou apenas inventando coisas chatas para tentar
estragar o próximo churrasquinho de fim de semana. Justo agora que você
estava pensando em juntar à picanha um lombinho, não é mesmo?
Muitos
bradam com a Bíblia à mão que Deus criou os animais para que nós,
dentre outras coisas, pudéssemos comê-los. Respeito a religião de
todos. Por isso mesmo prefiro continuar sem nenhuma.
Não pense que eu estou sugerindo que todos nós nos tornemos vegetarianos. Apenas aqueles de nós que conseguirem.
Os demais, bem, continuemos devorando nossos irmãos menores...