Viver, simplesmente viver

Viver não parece algo tão complicado. Penso em todos os seres viventes e em suas relações com a vida. Parece tão normal e natural. Imagino mendigos tomando chuva, rindo a toa, sujos, maltrapilhos, celebrando o milagre natural da existência. O desabrochar das flores, os sons magníficos que brotam do sopro do próprio vento contra as arvores, as cachoeiras, a praia, o mar batendo nas pedras, a fina areia, os sorrisos das crianças, as histórias dos idosos. Simplesmente viver. Sem medidas, sem limites, sem razões, sem certo ou errado, somente viver. Mesmo com perturbações, problemas, provações, irritações, malcriações, xingamentos e nervos a flor da pele; mesmo assim se está vivendo. As tempestades arrasadoras, a fúria das feras, os espinhos das flores, os deslizamentos das montanhas, enfim, tudo tão natural; tão natureza.

Mas, o que torna a vida difícil? O que é difícil? Qual a dificuldade? Ora, parece que todos os pontos negativos da existência somam-se aos positivos formando dois lados da moeda, da mesma moeda. Parece-me que a dificuldade está em encontrar a harmonia perfeita do fantástico movimento do existir naturalmente. Ser natureza é saber queimar-se no fogo, tornar-se pó e cinza; e com a mesma gana ressurgir, recriar-se, renovar-se, nascer novamente impulsionado por um único desejo: viver. É difícil deixar-se moldar por esse processo cruel, que te pisa e amassa, mas justo, que te fermenta e torna vinho bom.

A apologia que faço a vida é porque vivo. Mesmo sem saber o porquê, sem saber pra quê, simplesmente viver. Enfrento a grande dificuldade da existência, deparo-me com a enormidade da vida e penso: “nada sou!”. Encanto-me por tudo o que há na face desse belo mundo, espanto-me também. Não queria pensar assim: “é muito difícil viver!”; tem horas que vou mais longe, não queria pensar. Já dizia Fernando Pessoa, pensar é estar doente dos olhos, a vida foi feita para se viver. Discordo: pensar é viver, penso, logo existo, disse Descartes. O pensamento é um impulso para descortinar os mistérios da vida. É uma forma de aperceber-se nesse movimento complexo, dinâmico e envolvente. É dar-se conta da dificuldade de enfrentar o rugir das feras e do gozo de sentir o veludo macio das flores. Pensar torna possível, acima de tudo eternizar-se no mundo.

Estou decidido, quero pensar e viver. Viver maravilhosamente, as dores e alegrias, chorar e sorrir, gritar e cantar, calar e pensar. Assim sigo os tortuosos caminhos da existência humana, os quais já foram trilhados por tantos e tantas que se admiraram com o esplendor de gaia a mãe terra. Que viveram maravilhas e desgraças; se depararam com a dificuldade de viver. Muitos deles viveram e pensaram, suas vidas passaram, seus pensamentos eternizaram-se entre nós e nos guiam nesse chão.

João Henrique Bento