VISITAÇÃO AVOENGA: OS PARÂMETROS JURÍDICOS NA CONVIVÊNCIA ENTRE AVÓS E NETOS

Por ANA MARINA SOEIRO PEREIRA - FRANCYANE SOUZA FERNANDES DOS SANTOS | 27/07/2015 | Direito

AUTORAS:

ANA MARINA SOEIRO PEREIRA

FRANCYANE SOUZA FERNANDES DOS SANTOS

  

VISITAÇÃO AVOENGA: OS PARÂMETROS JURÍDICOS NA CONVIVÊNCIA ENTRE AVÓS E NETOS

                                                                  

INTRODUÇÃO

As questões envolvendo os direitos e obrigações avoengas são sempre provocadoras e complexas. A convivência entre avós e netos vem sendo sedimentada ao longo da história da humanidade e, em tempos primórdios, já era possível observar a participação avoenga no cuidado dos netos. Na atualidade, percebe-se que a vida moderna tem contribuído para que essa relação de cuidado perdure, sendo os avós mais uma vez peças fundamentais e necessárias na vida das crianças (DIAS; PEREIRA, 2002).

A afetividade e o suporte dos laços familiares são primordiais no desenvolvimento psíquico do infante. Sendo assim, a visitação avoenga benéfica e saudável é um ato de extrema relevância para a formação dos indivíduos. Proporcionar esta convivência é corroborar com o princípio da solidariedade, que surge como um ‘poder-dever’ entre ascendentes e descendentes familiares (SANTOS, 2013).

Porém, assim como a maioria das relações de parentesco, a participação dos avós na criação e vida dos netos nem sempre é respeitada.  No Brasil, não são raros os casos em que avós e netos sofrem segregação, sendo impedidos de manterem a convivência familiar que antes detinham pelos mais variados motivos. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente já tutelavam a garantia da visita dos netos aos avós, mas, ainda assim, a Lei 12.398/11 veio reiterar tal tutela, regulamentando e pacificando o entendimento de que o direito de visita não é somente dos pais, mas também dos avós (VERAS, 2012).

Os direitos avoengos constituem um tema muito presente no dia a dia dos juristas, que se veem convidados a observar cada caso individualmente e fazer uso de todo aparato legislativo que detém para concedê-los a avós e netos. Observando a importância não só jurídica como também social deste assunto, vê-se a necessidade de um estudo adequado que relacione tais especificações, no sentido de se analisar as características do direito à visita avoenga e os aspectos jurídicos que englobam tal garantia.

1 GENERALIDADES SOBRE OS DIREITOS E DEVERES AVOENGOS – O DIREITO DE VISITA

As famílias brasileiras vêm sofrendo fortes transformações desde a primeira metade do século XX. O tratamento igualitário dado à mulher e sua expansão no mercado de trabalho, o êxodo de famílias em busca de melhores condições de vida e a atuação avoenga na assistência social e econômica são exemplos de mudanças na organização social. Neste sentido, os idosos têm pa­pel central e periférico e, mesmo tendo conseguido mais autonomia e independência, são indispensáveis na estrutura do seio familiar (DE PAULA et al., 2011).

No Código de 1916, o instituto do ‘pátrio poder’ representava o máximo do patriarcalismo. Com os avanços da sociedade e as disposições legais advindas com o tempo, o pátrio poder transformou-se em ‘poder familiar’, dando mais ênfase aos deveres que permeiam as relações familiares. Assim, o poder familiar, não é apenas um poder dos pais sobre os filhos, mas um poder-dever, onde os pais têm direito a exercer determinada autoridade em favor dos filhos (PORTA, 2011).

Dentre os instrumentos jurídicos decorrentes do poder familiar cujo objetivo é a proteção da criança, o direito de visitas é fundamental, pois por ele é possível a regularização das relações familiares entre a criança, os que não possuem sua guarda e outros parentes (SANTOS, 2013). Para Porta (2011), a possibilidade da ruptura da relação conjugal é o precursor do direito de visitas. Segundo a autora, trata-se de um instituto que objetiva manter o vínculo entre filhos, pais e parentes após a ruptura da sociedade conjugal, valorizando o afeto nas relações familiares e a proteção do direito à convivência familiar.

Neste âmbito tem-se que a relação avoenga se constitui no convívio entre avós e netos, que deve ser preservado por ser uma relação que também faz parte e contribui para o equilíbrio familiar. Seria esta uma relação que implica não só obrigações, como no caso da responsabilidade alimentar avoenga, como também direitos, como no caso da garantia à visitação avoenga (GONÇALVES, 2013).

Antes, a legislação brasileira concedia o direito de visita somente para os pais. Porém, essa realidade se transformou, sendo possível hoje a concessão deste direito a outros parentes, como os avós, e a pessoas estranhas ao parentesco, desde que presentes determinados requisitos (convivência por longo período de tempo, a existência de laços afetivos fortes e interesse em preservar os vínculos emotivos). Ora, se o objetivo da visita é manter a convivência entre aquelas pessoas, é ideal que exista afeto recíproco entre visitante e visitado (LOCH, 2009).

Sobre o tema, Santos (2013, p. 03) complementa que

O direito de visita diz respeito ao fato de que, na cessação de um convívio entre pessoas que mantenham vínculos afetivos, há um direito-dever de se conservar o relacionamento entre essas pessoas. Portanto, o direito de visitas deve preservar as ligações de fraternidade, afeto e respeito que possam existir entre familiares. O direito de visita não diz respeito, apenas, a aquele familiar que deseja realizar visitas à criança ou adolescente, é uma via de mão dupla sendo direto de ambas as pessoas que possuem o interesse de preservarem sua convivência. A assistência da família na infância e juventude do menor influi diretamente no avanço de sua personalidade, sendode substancial importância o trato entre criança e sua família.

A questão dos direitos avoengos, especialmente no tocante ao direito de visitas, ainda é estranha para a maioria das pessoas, em especial para muitos avôs e avós. São os avôs e avós que, em vários casos, cuidam, educam, participam do desenvolvimento físico, psicológico e pedagógico dos netos, e que ainda possuem obrigações legais, como a complementação alimentar. Entretanto, é realidade de muitas famílias a privação da convivência de netos e avós, de maneira desumana, por conta de uma relação desfeita, sendo estes obrigados a reprimir sentimentos, na esperança de que algum dia os netos venham visitá-los trazidos pelos pais (MARQUES, 2012).

Para Santos (2013), o direito de visitas entre avós e netos respalda-se no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio fundamental da criança, sendo o convívio entre estes indispensável na constituição do caráter da criança ou adolescente e no desenvolvimento saudável para o menor. Portanto, sendo dever da família assegurar direitos fundamentais aos infantes, é inadmissível que os pais coíbam o relacionamento entre avós e netos, devendo ser mantida a prerrogativa do neto de ser visitado por seus ascendentes ou por outros parentes com quem possua laços de afeto de solidariedade, de respeito e de amor.

Assim, a doutrina tem sido uníssona no sentido de permitir as visitas avoengas. O direito de visita poderá ser extensivo para os avôs e avós ou outros parentes próximos dos menores, como os irmãos. O reconhecimento deste direito é recomendado especialmente por conta dos princípios que garantem os interesses da criança e do adolescente, afim de que seja preservada a integração no núcleo familiar e na própria sociedade, além dos laços de afeição que os unem netos e avós (MORAIS, 2009).

2 IMPORTÂNCIA DO RELACIONAMENTO SOCIOAFETIVO ENTRE AVÓS E NETOS

O término de um relacionamento afetivo causa grandes mudanças na vida dos filhos. Porém, tais rompimentos não podem extinguir o vínculo de convivência e afeto da criança com os seus familiares (SANTOS, 2013). Neste contexto, o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, dispõe taxativamente sobre o direito das crianças e adolescentes à convivência comunitária e familiar, sendo esta um dever que deve ser assegurado por todos (família, Estado e sociedade) (PORTA, 2011).

O direito de convivência familiar é garantido constitucionalmente e pautado no melhor desenvolvimento da criança e do adolescente. Está estritamente relacionado ao direito a vida, à saúde da criança e também ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Assim sendo, a vontade dos pais deve ser relativizada em razão das melhores condições para a criança, especialmente no que diz respeito à convivência familiar e à garantia de uma vida digna e amparada por familiares (SANTOS, 2013).

No tocante aos processos de conflitos familiares, a continuidade da convivência entre avós e netos é de extrema importância na formação da personalidade dos pequenos. A concepção tradicional da família contemporânea tem se modificado, e hoje este instituto é um espaço de convivência entre pais, filhos, padrastos, irmãos, meio-irmãos e avós. São as chamadas ‘famílias ampliadas’, onde em muitos casos os avós têm o papel de segundos pais. Portanto, nada mais coerente e prudente que, com a separação dos genitores, os avós maternos ou paternos continuem a conviver normalmente com os netos (IBIAS, 2011).

Desta forma, é fundamental salientar que a presença dos avós na criação dos filhos é de fato indispensável, pois o instituto familiar, do qual os avós participam com forte veemência hoje em dia, é o maior responsável por inserir a criança na sociedade, ensinando os princípios e diretrizes para o menor e estimulando a formação de um convívio social pleno, para que possa crescer dignamente, tendo os seus direito a educação, saúde, esporte e lazer garantidos (SANTOS, 2013).

Segundo Andrade et al. (2008), a relação socioafetiva entre avós e netos é peça indispensável para a formação integral da criança ou adolescente, especialmente nos aspectos cultural, psico-evolutivo e formativo. Pelo aspecto cultural, os avós constituem o passado que o neto não viveu e que lhe é importante para enfrentar seu próprio futuro. No aspecto psico-evolutivo, os avós auxiliam a estruturar o ‘eu’ da criança, ajudando-lhes a passar por processos de autonomia, projetivos, de perdas ou separações. Já no aspecto formativo, os avós são capazes de auxiliar os netos na compreensão sobre o que é a própria vida.

Tratando da importância do relacionamento socioafetivo entre avós e netos, Shimidt e Doll (2010, p. 10 e 11) afirmam que

Os laços familiares são mediados pelo afeto e esse elo desenrola atitudes de cooperação e cuidado por parte de avó e neto, evidenciando uma reciprocidade entre as gerações. Essa convivência entre grupos etários diferentes oportuniza a inversão de papéis sociais. Trata-se das duas forças que regem a lei da vida: o dar e o receber. Pois que, os avós já cumpriram seu papel de provedor, de cuidador, e, nesse momento de suas vidas, carecem de retribuição de carinho, cuidado e atenção. O respeito, o afeto e a demonstração de carinho estão presentes na relação intergeracional, conforme o discurso dos netos e avós. A afetividade é o sustentáculo da relação e da troca entre a geração mais velha e a geração nova, facilitando o estabelecimento de interações profundas e verdadeiras.

Garantir a estrutura familiar à criança e ao adolescente é fundamental para o seu bom desenvolvimento. A ausência da figura materna ou paterna ou de outros parentes que com ele mantenham uma forte relação pode gerar traumas e desencadear transtornos na personalidade desse menor. A criança só deverá ser privada da convivência familiar quando esse convívio lhe for prejudicial, como nos casos em que ela sofrer maus tratos dos genitores. Nessas hipóteses, o afastamento do núcleo familiar é medida que se impõe (PORTA, 2011).

Da mesma maneira, dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar entre avós e netos, como apresentando falsa denúncia contra os avós ou mudando o domicílio para local distante, dificultando ou impedindo a existência de uma convivência plena e saudável, são condutas alienadoras que devem ser banidas. Portanto, estando diante de condutas dos genitores que visem dificultar a convivência da criança ou adolescente com os avós, deve o magistrado também adotar medidas para garantir este direito de convivência, imprescindível para o desenvolvimento dos infantes (PADILHA, 2013).

As consequências maléficas da mitigação deste direito à convivência atingem não apenas os netos, mas também os avós, que normalmente tendem a mergulhar em um sentimento de profunda tristeza e depressão por conta do afastamento dos netos. As crianças e adolescentes, por estarem em processo de desenvolvimento físico e psicológico, são as maiores vítimas, pois ainda não têm discernimento para entender e neutralizar as experiências pelas quais estão passando. Ademais, o afastamento entre netos e avós interfere diretamente na formação da personalidade dos menores, podendo causar desvios, transtornos, interrupções e até mesmo danos irreversíveis (PADILHA, 2013).

3 ASPECTOS JURÍDICOS: O CÓDIGO CIVIL E A LEI 12.398/11

A garantia de visitação dos avós a seus netos é tema que há muito vem sendo enfrentado nos tribunais, e que já vinha sendo admitido pela jurisprudência e doutrina sob a argumentação conforme Lobo (2011, p. 75) de que seria importante garantir ao menor a convivência familiar que é constituída através dos laços afetivos entre as pessoas que compõe. Alertando que apesar das mudanças existentes na sociedade que tornaram rotineira a separação quanto a vivencia no mesmo espaço físico, este fato não implica na perda do sentido de pertencer a uma entidade familiar, pois este é o ninho no qual a pessoa, especialmente a criança se sente recíproca e solidariamente acolhida e protegida” (LOBO, 2011).

Nesse sentido, os tribunais e doutrinadores passaram a defender a busca pela garantia do princípio do melhor interesse do menor passando a encarar o menor como sujeito de direito e não apenas objeto, como pessoa em desenvolvimento e que deve ser preservada, devendo tal princípio ser encarado como uma diretriz. Nessa linha, Lobo (2011, p. 76) afirma que:

O direito à convivência familiar não se esgota na chamada família nuclear, composta apenas pelos pais e filhos. O Poder Judiciário, em caso de conflito, deve levar em contra a abrangência da família considerada em cada comunidade, de acordo com seus valores e costumes. Na maioria das comunidades brasileiras, entende-se como natural a convivência com os avós e em muitos locais, com os tios, todos integrando um grande ambiente familiar solidário. Consequentemente têm igualmente fundamento no princípio da convivência familiar as decisões judiciais que asseguram aos avós o direito de visita a seus netos.

Para Loch (2009) e doutrinadores diversos, esta visita é um direito inerente ao vínculo de parentesco e que tem como ponto fundamental a relação de afetividade que existe entre o visitado e estes parentes, e que deve ser priorizado na melhor medida possível para que atenda aos interesses da criança e do adolescente, buscando-se a manutenção das relações que foram rompidas e o desenvolvimento emocional e social do menor (LOCH, 2009)

Diniz (2007) diz que este é um direito-dever que o pai e a mãe têm de encontrar-se com seus filhos menores conforme estabelecido em processo judicial, mas que também é uma garantia aos avós, irmãos, padrastos e outros parentes que tenham um sentimento de afeição com o menor. Percebendo-se que a garantia desse direito na realidade traz benefícios maiores ao menor do que aos próprios avós, pois é de grande importância para a formação da personalidade do menor ter esse contato.

Nesse contexto, o direito a convivência familiar veio previsto no texto Constitucional em seu artigo 227, o qual estabelece que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso)

O legislador originário entendeu ser este um direito fundamental e inerente a toda criança e adolescente, e que tanto o Estado, como a família e a sociedade devem ser garantidoras de sua efetividade. Ressalta-se ainda que o art. 226, § 4º também da Carta Magna amplia o entendimento de família como não sendo simplesmente o advindo do casamento, mas considerando também os avós como parte dessa entidade e assim prescreve que “se entende, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Portanto, passa o direito a visita a funcionar como um “mecanismo normativo responsável pela manutenção das relações afetivas entre pessoas ligadas por um vínculo de parentesco” (SANTOS, 2013).

Mesmo tendo sido abordado pela Constituição Federal o direito a convivência familiar, demorou o legislador a voltar seu olhar para tal assunto. Contudo diante da realidade vivida e percebendo a necessidade de se normatizar o direito de visitação dos avós, a IV Jornada de Direito Civil trouxe o Enunciado 333 o qual afirmou que “o direito de visita pode ser estendido aos avós e pessoas com as quais a criança ou o adolescente mantenha vínculo afetivo, atendendo ao seu melhor interesse”. Porém, diante do aumento na procura pela tutela jurisdicional a fim de ser garantido aos avós esse direito é que veio a Lei 12.398/2011 a acrescer o parágrafo único ao artigo 1589 do CC dispondo que:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Parágrafo único.  O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente. (grifo nosso)

Teve-se ainda a modificação do artigo 888, inciso VII, do Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973), que passou a dispor da seguinte maneira: "a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós".

Desta forma, passou-se a regular normativamente o convívio familiar avoengo, estendendo o direito de visita aos avós, que antes desta alteração era garantido somente aos pais sem mencionar outros familiares, e ainda buscou-se coibir a tentativa dos pais de impedir que esse direito-dever fosse exercido pelos avós. Sendo compreendido que esse direito a visita objetiva “preservar as ligações de fraternidade, afeto e respeito que possam existir entre familiares”, tutelando-se além do princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio do melhor interesse do menor e adolescente e ainda a sua proteção integral para crescimento saudável, visando proporcionar ao menor melhor desenvolvimento afetivo, emocional em razão de sê-los tidos como vulneráveis (SANTOS, 2013).

4 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS NO BRASIL SOBRE O TEMA 

Muitas eram as barreiras enfrentadas pelos avós na tentativa de visitar seus netos, em razão de até 2011 não existir regulamentação quanto a este direito, pois os pais que dispunham da guarda da criança vinham negando essa visita, gerando abusos psicológicos nos avós e principalmente nos netos, pois entende-se que a visita consiste no direito de ser visitado e não no ato de visitar, sendo um direito do neto que deve ser assegurado no intuito de preservar seu interesse. Assim, diante da inércia legislativa era flagrável que se buscava apenas impor deveres e não garantir direito aos avós, ressaltando que sempre foi se suma importância a preservação desse convívio, ainda mais quando ocorre a separação dos pais, pois neste momento a criança fica mais frágil, e esse convívio garante que a situação seja superada com maior segurança e estabilidade (MALLMANN, 2012).

Contudo, já eram diversos os julgados que demonstravam que a jurisprudência e a doutrina tinham o olhar voltado para essa concessão, considerando como um direito e que seria inadmissível que os pais o proibissem. Nesse contexto, observa-se que em diversas situações foram sendo concedida essa garantia, porém em virtude da omissão normativa era feito sob argumentações diferentes, assim o juiz analisava o caso concreto e concedia ou não esse direito, ora sob o fundamento de que deveria ser concedido nos casos em que os avós mantivessem boa relação com os pais do menor, ora na busca por garantir o melhor interesse do menor e por vezes sendo defendido que só poderia ser concedido em casos especiais (MORAIS, 2009).

 Nesse cenário, observa-se dentre as várias decisões firmadas, o voto do Relator Moacyr de Moraes Lima Filho em 2008, dispondo que:

Muito embora inexista regulamentação legal expressa, mas considerando a incidência do art. 227 da Constituição Federal de 1988, que estatui o dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar, é certo que aos avós é garantido o direito de visita... O direito de visitação recíproco entre avós e netos decorre do natural relacionamento afetivo e jurídico existente, fundando-se na solidariedade e no direito de ambos de gozarem amplamente da convivência familiar... Destaca-se que se não restar comprovado que a convivência com o não-guardião ocasiona prejuízos à criança, constituindo, ao revés, substrato para a sua formação saudável e afetuosa, a imposição de obstáculos pelo detentor do direto de guarda transfigura-se em abuso no exercício do poder familiar, que deve ser rechaçado... Dessa forma, tem-se que o direito de visita, se comprovadamente benéfico à criança, não constitui tão-somente direito dos avós ao convívio com os netos, mas sim, a priori, direito destes à manutenção dos laços de afeto e carinho despendidos por aqueles. No caso dos autos, vê-se que a privação do convívio com os avós maternos não se justifica, sendo prejudicial para as crianças, que não poderão desfrutar de afeto e da ampla convivência familiar, e impingindo grande sofrimento àqueles (Apelação Cível 217201 SC).

Neste viés, a jurisprudência vinha se firmando em observância a situações de fato, conforme também se observa no Agravo de Instrumento nº 35989001405 ES:

A Lei de Organização Judiciária deste Estado é omissa quanto a competência, entre litigantes unidos por afinidade ou como no presente caso entre ex-sogros e ex-genro, porém, os laços sangüíneos entre os requerentes e as netas nos faz obedecer o art. 68 da mesma lei, vez que tudo se passa no âmbito familiar.

3.- Sendo farta a doutrina e a jurisprudência, deve ser concedido o direito de visita dos avós aos seus netos.

4.- Diante dos princípios que norteiam o direito do menor e tendo a decisão que regulamentou as visitas se apresentado como a melhor solução, devem ser introduzidas as modificações que melhor atendem aos interesses dos menores.

Porém, há de se notar que os tribunais seguiam na busca por garantir o melhor interesse do menor e preservar seu crescimento saudável, tal entendimento se firma ainda no voto da Apelação Cível nº 424386SC conforme abaixo:

Na situação em estudo, tenho que as partes se digladiam pela" posse "da criança, não assim pela convivência sadia na família, garantindo, assim, o seu pleno desenvolvimento. É lamentável as atitudes das duas partes, pois que em maior ou menor grau, todos os envolvidos negligenciaram os seus deveres para com a criança, ou por ação, ou por omissão. Digo isto porque na condução de todo este processo, deveriam ter tentado desfazer o impasse e resolvido tudo sem trazer prejuízos à criança, acertando suas diferenças pessoais...Malgrado isto, verifico que os avós são os que mais pecam, pois que se conduzem de maneira desastrosa no relacionamento com sua filha e, de reflexo, com sua neta... Este clima de animosidade entre a mãe e os avós, bem de ver, só tem criado prejuízos para a criança, que deveria ser cuidada e respeitada por todos os que fazem parte do núcleo familiar, cada um respeitando o papel do outro, tudo de molde a dar primazia à pessoa que realmente está desamparada, assustada, insegura, quem seja, a infante... Diante de tudo isto, melhor que ora se restrinja o contato entre avós e a criança, na forma da sentença, até que se estabeleça uma nova realidade familiar...

Com a vinda em 2011 da regulamentação normativa, a situação passa a ser de direito e não mais de fato, tendo-se maior harmonia nas decisões processuais, e ainda tornando os processos mais céleres e menos dolorosos, pois conforme DelmaIbias muitos juízes de primeiro grau não concediam tal direito em razão da omissão normativa. Porém, ressalta que muitos compreendiam que apesar de não existência da regulamentação era imperioso a observância à constituição familiar, pois esta no decorrer da evolução social tinha se ampliado, passando os avós a exercerem o papel de segundo pais, e, portanto nada mais “coerente e prudente que diante da separação dos genitores, os avós, tanto maternos, quanto paternos, continuem a conviver normalmente com os netos” (IBIAS, 2011).

Desta forma, as decisões seguiram na busca por garantir o direito de visitação dos avós aos seus netos, como no caso do Agravo de Instrumento nº 70055320931, 04/07/2013, TJ/RS no qual afirma que “O direito de visita dos avós está positivado no parágrafo único do art. 1.598, do Código Civil. No entanto, impõe-se preservar os interesses da criança... não encontrando elementos capazes de indicar eventual perigo à criança, que deve ver preservado seus laços com a família paterna, tendo em mira seu melhor interesse”.

Destaca-se ainda o Agravo de Instrumento nº 10459120005010001/MG, que traz a disposição:

Por ser indispensável a presença avoenga na vida da criança, com evidente contribuição para sua formação e desenvolvimento, deve ser reservado aos avós o direito de visitá-la de forma a infundir no neto o conceito de tutela e convívio familiar. - A regulamentação do direito de visita deve propiciar ao neto a proximidade com os avós, mas deve preservar em primeiro lugar o interesse da criança, de modo que as visitas estabelecidas devem ocorrer em finais de semana alternados. - "Quod plerunquefit" o direito de visita que se garante ao ascendente tocante a seu descendente não está sujeito a regras pré-fixadas, devendo aquele direito obediência ao prudente arbítrio judicial, prestigiando sempre o interesse do menor e a coesão do núcleo familiar.  

Diante do entendimento jurisprudencial que se firmou ao longo do tempo, é notório que a relação existente entre avós e netos só traz benefícios a todos, haja vista ser regada a afeição e carinho. Sendo imprescindível que se busque a sua garantia a fim de preservar a comunidade familiar, principalmente diante dos tempos vividos nos quais o homem tem se tornado cada dia mais individualista, não encontrando em outros convívios os sentimentos de ternura, cumplicidade, amizade e carinho que só os avós sabem proporcionar, pois nada mais gostoso do que carinho dos avós, assim já afirma o dito popular que “ser avô é ser pai com açúcar” ou ainda “ser avô é ser pai duas vezes”.

CONCLUSÃO

Um dos temas relevantes no que concerne ao estudo do direito de família é a relação avoenga. Dentro do quadro de obrigações e direitos que permeiam o convívio entre avós e netos, o direito de visitas constitui um dos institutos mais debatidos atualmente, principalmente por interferir diretamente na dignidade humana dos envolvidos. Até pouco tempo, a lei não contemplava expressamente sobre visitação avoenga, que constitui base para se manter um relacionamento afetivo entre os familiares, neste caso entre avós e netos.

As modificações da estrutura familiar, especialmente no que diz respeito à dissolução da sociedade conjugal, nem sempre contribuem para a preservação da dignidade do menor envolvido, que em muitos casos, vê-se privado da convivência harmoniosa não só com genitores, mas com avós, irmãos, tios e primos. A restrição do convívio entre avós e netos pode desencadear sérios transtornos para a vida de ambos, assim como, ao contrário, a proteção desta relação socioafetiva com a garantia do direito à visita traz benefícios essenciais para o desenvolvimento da criança ou adolescente em todas as esferas.

Com o advento da Lei 12.398/11, o que se busca é exatamente mediar tais conflitos (pela atuação do Judiciário, promotores, defensores públicos, advogados e também assistentes sociais e psicólogos), garantindo aos avós o direito de manterem a convivência e a relação socioafetiva com seus netos. Enfatiza-se ainda, na aplicação desta lei, o respeito ao melhor interesse do menor envolvido, que não pode ser proibido, ou restrito, do convívio com os avós sem que exista um motivo comprovadamente relevante para isso.

Sendo assim, percebe-se que o vínculo familiar é estritamente importante na formação dos seres humanos, principalmente no que tange à relação entre avós e netos, devendo a justiça sempre acompanhar a evolução, os avanços e os anseios sociais a fim de que esta garantia seja amplamente concedida a todos que dela precisarem para manter o convívio familiar saudável e afetuoso.

REFERÊNCIAS

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