Viridiana, filme de Buñuel - 1961.

Por Lara (Cinéfilara) Rodrigues Pereira | 18/04/2010 | Arte

VIRIDIANA, FILME DE LUÍS BUÑEL ? 1961. Em Viridiana, Buñuel encontrou mais uma vez uma forma original de exercer sua constante crítica aos costumes de uma sociedade baseada em dogmas católicos. A protagonista, que dá nome à trama, exercita sua fé reclusa em um convento e é persuadida pela diretora da instituição a encontrar seu tio, Dom Jaime, dias antes de fazer seus votos e entregar-se a Deus definitivamente. A madre superiora convence a noviça a encontrar seu bem feitor ressaltando que foi através dele que sua estadia no convento pôde ser paga e que seria uma imensa ingratidão se ela não fosse vê-lo. Buñuel deixa transparecer que a madre antes de ser serva de Deus serve a quem patrocina a possibilidade de existir um Deus, ou seja, submete-se e aos demais sob seu jugo aos desígnios do capital que financia sua caridade e benevolência. Assim, Viridiana parte, mesmo a contragosto, para a visita que transformaria sua vida carregando seus crucifixos, coroa de espinhos, frascos com água benta, enfim, todo um aparato de instrumentos purificadores que se encontraria facilmente na valise de um exorcista. A chegada de Viridiana é festejada por todos os servos de seu tio e principalmente por ele que vê nela não a sobrinha quase freira que ajudou a "santificar", mas sim uma mulher incrivelmente bela que o faz lembrar sua esposa morta tragicamente na noite de núpcias. De todas as maneiras possíveis ele tenta fazer com que ela fique mais um dia ou dois na esperança de que fique para sempre e para isso tenta sensibilizá-la usando sua solidão como desculpa. A moça vai sendo enredada em armações propostas pelo seu "bem feitor" e executadas por seus criados e assim, sem nem perceber, fica a cada dia mais distante de suas pretensões de se tornar freira. Um dos ápices do filme é quando Viridiana, já com viagem marcada para voltar, recebe um pedido um tanto bizarro de seu cicerone que consiste em vestir-se de noiva com o vestido usado por sua tia na fatídica noite de núpcias. Apesar de hesitar muito ela aceita e ele deleita-se com a figura alva de seu objeto de desejo. Buñuel propõe aqui uma espécie de fetichismo mórbido, quase rodrigueano , quando destaca o plano ardiloso do tio de drogar Viridiana e fazê-la acreditar que fora deflorada por ele, tornando-se assim "imprópria" para a vida religiosa. A moça acorda no dia seguinte totalmente horrorizada com o que achou que tinha acontecido e parte para o convento jurando nunca mais encontrar aquele que deixara de ser seu protetor para tornar-se seu algós. No desespero de tentar fazê-la ficar Dom Jaime diz que nada aconteceu, mas que precisava que ela ficasse, caso contrário não teria mais motivos para viver. Ele cumpre sua promessa e enforca-se em frente a sua casa e a partir disso Viridiana obriga-se a ficar, pois não consegue mais imaginar sua vida na clausura de um convento. Seu espírito de bondade faz com que tenha a idéia de transformar a parte da casa que herdara de Dom Jaime em um abrigo para os moradores de rua que encontrara na região. Desta forma vai arregimentando desvalidos que aos poucos vão enchendo a fazenda de Dom Jaime e a vida dela que acredita que poderá "salvá-los" levando-os para Deus. Os dias passam e chega à casa um filho de Dom Jaime, com o qual nunca tivera contato, que legalmente toma posse da parte que lhe cabe das terras e dos bens do falecido. Viridiana continua tratando de "seus pobres" e a cada dia que passa o comportamento servil e dócil de cada um vai dando lugar a uma postura mais agressiva e real, pois o fato de terem sido chamados a viverem todos juntos não anulou a personalidade de cada um que na realidade não tinham na vida das ruas sua única alternativa, mas sim, em muitos casos, uma opção. A partir disso, Viridiana vai deixando de ser uma Santa para "seus pobres" e vai adquirindo forma de mulher; mais uma vez uma bela mulher que desperta desejos nos homens e ciúmes nas outras mulheres. A partir da revolta promovida em meio a uma "Santa Ceia" dos mendigos, a protagonista se vê ameaçada por aqueles que queria ajudar e é salva por quem menos esperaria; seu primo que herdara além dos bens a má índole de seu pai. Neste ponto o diretor, através dos acontecimentos, nos faz o seguinte questionamento: haveria espaço para uma bondade incondicional, como a de Viridiana, em um mundo tão perverso? A resposta é dada por ele na cena final em que Viridiana se despoja do velho figurino "carola", solta seus cabelos deixando a imagem de santidade de lado e aceitando sua humana feminilidade. Depois se junta ao primo e a criada, apaixonada por ele, em um jogo de cartas cujo final fica a cargo da imaginação de cada um.