Violência contra a moral pública: Analisando a obra literária "Libertação do Ceará" do escritor Rodolfo Teófilo.

Por José de Paula da Silva Rodrigues | 29/07/2010 | História

Violência contra a moral pública: Analisando a obra literária "Libertação do Ceará" do escritor Rodolfo Teófilo.

José de Paula da Silva Rodrigues

RESUMO

O trabalho visa apontar considerações sobre a obra literária de Rodolfo Teófilo, cujo tema é "Libertação do Ceará". Para melhor compreensão do tema e que não haja uma má interpretação, o nome Libertação não está se referindo a dos escravos negros, mas sim a do povo cearense que por 16 anos sofreu tamanho descaso na administração pública de Antonio Pinto Nogueira Acioly. Nesta obra é bastante explicita a forma como o dinheiro público era mal empregado pelo dito governador. O trabalho historiográfico realizado por Rodolfo Teófilo é de suma importância para nossa pesquisa e análise do assunto respectivo, já que o autor da obra vivenciou toda esta trajetória. Por fim, pretendemos mostrar como se deu estes fatos através de citações e nossas conclusões a respeito do assunto.

Palavras chave: Peculato, Violência e Nepotismo.

A obra literária produzida por Rodolfo Teófilo, cujo título é "Libertação do Ceará", tem um valor historiográfico muito importante para a sociedade cearense no intuito de mostrar como funcionava a administração pública nos anos 1896 a 1912, mais especificamente na gestão do governo Nogueira Acioli. Este artigo tem como objetivo analisar a obra escrita por Rodolfo Teófilo, no qual o seu conteúdo mostra toda uma problemática que o autor vivenciou no final do século XIX para meados do século XX no estado do Ceará.

Ao analisarmos a obra percebemos a parcialidade e o condicionamento pelo o seu ambiente sócio-político-cultural. O autor procura seguir a linha da história científica, na qual os fatos falam por si. É imperceptível sua intervenção em problematizar, pois apenas ele narra os fatos. Ele tem como base de sua pesquisa fotos, cartas, telegramas e documentos. É possível que Rodolfo Teófilo tenha exagerado em suas críticas ao governo Acioly.

Nos fins do século XIX, houve um grande surto de epidemias no Ceará como: febre-amarela, cólera e varíola. Este farmacêutico baiano, mas que optou por morar no Ceará empenhou-se profundamente no combate destas epidemias, especificamente a varíola. O mesmo encontrava dificuldades em conseguir recursos do governo Acioli para custear o tratamento dos doentes. As vacinas que vinham do Rio de Janeiro, mal condicionadas através de navios, não surtiam efeito algum nos pacientes. Devido ao tardio tratamento, estes chegavam a morrer. Nogueira Acioli, por se sentir incomodado com o trabalho de Rodolfo, passou a utilizar o jornal local para difamá-lo quanto aos seus métodos farmacêuticos, que segundo ele, ao invés de salvar vida de pessoas estava matando-as. Mediante a tanta desgraça e perseguição é bem mais fácil criticar do que elogiar. Às vezes para um historiógrafo é bastante difícil separar o lado emotivo do factual, "uma simples neblina pode se transformar em uma imensa tempestade".

O motivo pelo qual foi escolhido o tema é de caráter acadêmico, no sentido de enriquecer o nosso conhecimento no que diz respeito à historiografia cearense. O tema é importante, pois encontramos traços muito fortes das administrações passadas nas atuais.

Após a administração do governador Dr. Bizerril (1892 ? 1895) assume em 1896 o governador Antonio Pinto Nogueira Acioly. Logo em sua primeira administração, se mostrou catastrófica a utilização do dinheiro público, ao contrário do Dr. Bizerril que pouco colaborou para o progresso do estado, e que ao invés de fazer obras assistencialistas para o povo, preferia guardar o dinheiro para o acúmulo nos cofres públicos. Realmente Acioly "não se prendia a bens materiais", é tanto que ele acabou com todo o fundo fixo do estado em benefício próprio. Para ilustrar bem esta balbúrdia do governador Acioli, citaremos um pequeno trecho do livro:

A compra de materiaes para pontes, feita no estrangeiro foi um peculato. A imprensa se occupou largamente deste escândalo, ficando provado pelas certidões da Alfandega e Secretaria da Fazenda, publicadas pelo Coronel Agapito Jorge dos Santos, que os materiaes para seis pontes custaram pouco mais de noventa contos de reis e dos cofres publicos sahiram para o pagamento destes cerca de oitocentos contos de reis.
O saldo deixado nos cofres pelo Sr. Bizerril devia desaparecer, não em obras de servidão publica, mas em esbanjamentos. (TEÓFILO, Rodolfo, 1914, p. 7).

Em seguida temos a administração de Pedro Borges, que se deparou com o caixa quase sem dinheiro algum. Segundo o Sr. Acioli, teria deixado um saldo de mais de mil contos de reis, sendo que a quantia disponível era bem inferior ao valor referido. Pedro Borges teve que administrar com o governo em péssimas condições, pois o dinheiro que tinha mal dava para pagar as contas pendentes. Pedro Borges em posse dos documentos que comprovavam a desonestidade de Nogueira Acioli, respectivos a compra de materiais superfaturados que seriam gastos para fazer pontes, quase se separou do partido de Acioli. Em virtude de uma conversa entre os dois, Pedro Borges almejando favores futuros não rompe com Acioli e entrega-lhe os referidos documentos. Observamos como é rotineira esta prática de troca de favores, não só no Ceará, mas em todo o Brasil. Em 1904 Nogueira Acioly retorna ao poder deixando a sua marca bastante peculiar em evidência, o autoritarismo. O seu mandato se encerra em 1907, mas logo é reeleito. Seu 3º mandato não é concluído totalmente, em virtude da indignação do povo, Acioli se sente pressionado a renunciar. No dia 14 de julho de 1912, chega a Fortaleza o Coronel Marcos Franco Rabello, presidente do Ceará eleito pelo povo. Segundo Rodolfo, Franco Rabello foi recebido por cerca de trinta mil pessoas. É bastante admirável a fé que aquelas pessoas estavam depositando no novo presidente. Chegamos a pensar que este Coronel presidente seria o "messias". Fortaleza viveu três dias de festa, onde tudo parecia ser perfeito segundo o autor:

As commissões de festejos não pouparam esforços para que todos se divertissem a medida dos seus desejos e posição social. Terminaram-se as festas em honra do novo presidente sem a menor perturbação da ordem, festas em que tomaram parte clero, nobreza e povo. (TEÓFILO, Rodolfo, 1914, p. 270).

É provável que a oligarquia Acioly seja a mais famosa e falada de todo o Nordeste, sendo este reduto de coronéis facilitando assim o surgimento de oligarquias que é o governo de poucos e afins ou familiares; E é exatamente isto que Rodolfo Teófilo trata em seu livro "Libertação do Ceará", que em princípio nos leva a pensar pelo titulo que o assunto tratado será abolição, mas logo percebemos que não, mas que ainda assim fala de certa escravidão (a do povo cearense) e que realmente é necessária esta libertação; temos um acervo de fotos e documentos de personalidades da época, anexados durante o livro e principalmente ao final dele, o que serviu como fonte de pesquisa para Rodolfo Teófilo.

Rodolfo Teófilo narra com excelência e emoção um período de aproximadamente 20(vinte) anos de História que ele vivenciou e assistiu da janela de sua casa, localizada na época na periferia de Fortaleza, hoje conhecido como bairro Benfica. Neste período da nossa história, que corresponde de 1896 a 1912, já repleto de descaso e desrespeito ao povo cearense, percebemos o sofrimento de um povo que não tinha a quem pedir socorro, pois o governo supremo da Republica tinha acordo com os governos estaduais a só a eles atenderia com intervenção, e assim viveu o povo desta terra, como uma criança que maltratada pelos pais não adiantaria pedir ajuda, pois estes são bons cidadãos e por isto a criança ficaria em descrédito.

Percebemos com clareza as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que ousassem falar sobre os desmandos de Acioli, até Rodolfo que mesmo tendo concluído seu livro em 1912, ao publicá-lo em 1914 em Portugal, por conta do movimento que estava acontecendo para depor Franco Rabello, se sentiu ameaçado, pois os ânimos estavam exaltadíssimos, isto porque mesmo tendo sido expulso do Ceará, Acioli ainda tinha seus discípulos por aqui, sendo eles Pe. Cícero Romão Batista, Floro Bartolomeu, o senador gaúcho Pinheiro Machado e coronéis carirenses. Diversas pessoas foram surradas e algumas até assassinadas por se manifestarem contra tal oligarquia.

Entretanto como já mencionado temos uma série de irregularidades na administração do governo cearense nos anos de 1896 a 1912. Nesta obra, têm-se a justificativa pelo fato de Rodolfo Teófilo ter vivenciado tudo isto, não podendo posicionar-se com indiferença. Por tudo não podemos esperar dele imparcialidade nesta obra.

Todo o ocorrido narrado por Rodolfo Teófilo pôde ser visto de forma muito atual, sendo que hoje chamado por "improbidade administrativa" e tendo também com a globalização e imprensa atual a falta de isolamento do povo como ocorria no início do século passado.

Contudo esta obra causa certa alegria a nós cearenses, isto quando analisamos por um lado a coragem de um povo, quando é sabido o quanto o nosso povo foi bravo e guerreiro, com a Marcha das Donzelas, Marcha das Crianças e tantos outros manifestos anônimos e que nem por isso menos importantes, pois estes mesmos também custaram vidas; quando sabemos que mães com todo amor aos seus filhos ainda assim os mandavam à guerra contra Acioly, mesmo sabendo que isto poderia lhe custar a vida. E é desta felicidade que falo de saber que temos um povo com história política de união, e que a união de um povo pode resolver ou amenizar seus problemas.





BIBLIOGRAFIA

THEÓPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará: queda da oligarquia Acioly. Fac-símile, edição de 1914. - Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001.