VIOLAÇÃO SISTEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Por Antônio Márcio Melo | 15/06/2013 | Direito

VIOLAÇÃO SISTEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL - O CASO DA TORTURA – E O CONTROLE SOCIAL

 

Resumo: Busca-se neste artigo, discutir a relação entre violência cotidiana e estatal e a tortura. Trata-se de tentar “desatar” alguns “nós” (amarras) que nos mantêm presos a uma determinada prática herdada de tempos idos. Porém, afrouxar ou desamarrar nossos “nós” é pouco: o desafio é, a partir de um olhar sóbrio acerca do que nos acontece, tentar o exercício de “reatar” os nós, com todos os seus sentidos, para assim recriar os laços que nos permitam viver – juntos – como coletividade que consegue construir narrativas sobre essa história que vivemos.

Palavras-chave: Direitos humanos; controle social; violência; tortura; justiça; leis.

 

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO_________________________________________________        2

2. A TORTURA NO BRASIL________________________________________        3

3. VIDA: O VALOR SUPREMO, O SINE QUA NON DA LUTA POR

JUSTIÇA!_________________________________________________________      6

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS_______________________________________       7

REFERÊNCIAS____________________________________________________     10

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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VIOLAÇÃO SISTEMÁTICA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL - O CASO DA TORTURA - E O CONTROLE SOCIAL

“Não temos que fazer do Direito Penal algo melhor, mas sim fazer algo melhor do que o Direito Penal.”

Gustav Radbruch, filósofo (1878-1949)

“O anseio por justiça é inerente ao ser humano, que luta por ela independente se o rótulo é comunista, socialista ou qual possa ser.”

(Ferreira Gullar, poeta e escritor)

“Não adianta assinar um monte de tratados para dizer que respeita os direitos humanos, mas não fazer nada na prática. O Brasil é mestre nisso.”

(Marcelo Freixo, deputado estadual do PSOL-RJ)

1. INTRODUÇÃO

            Entramos no século XXI cercados de perplexidades. Nas últimas décadas, no Brasil, ocorreu uma expansão da violência e da criminalidade sem precedentes, ao mesmo tempo em que se percebe a ineficácia da Justiça Criminal – notoriamente incapaz de oferecer respostas adequadas a esse fenômeno. Estamos vivendo um momento histórico em que encaramos a face violenta da sociedade, com seus preconceitos de classe, de raça, de gênero, com sua violência estrutural. Há dimensões da violência que deixam de ser invisíveis; há tipos de vitimização coletiva e individual que começam a ser vistos. Verifica-se a existência de conflitos coletivos, sociais, familiares que resultam em respostas violentas. Há um esforço para quebrar o silêncio que envolve essas questões que não são mais vistas como da vida privada ou secreta, e sim como questões políticas e públicas.

            O Brasil é um dos países que mais desrespeitam os direitos humanos. Avanços obtidos com a diminuição da mortalidade infantil podem se anular pelo crescimento de 306% dos homicídios de jovens até 19 anos, segundo dados do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), divulgados pela revista Carta Capital em dezembro de 2006. Se houvesse um ranking mundial de morte de jovens entre 15 e 24 anos, por arma de fogo, o Brasil ocuparia o primeiro lugar. E, seguindo um perfil já conhecido, as vítimas são fundamentalmente os jovens negros, moradores da periferia, sem acesso à saúde, emprego, segurança e educação.  A autora dessa matéria, Phydia de Athayde, afirma que “a promiscuidade policial e a violência instituída estão no cerne da matança de jovens”. Em entrevista para essa mesma edição da revista, Marisa Fefferman, psicóloga e pesquisadora do Instituto de Saúde do Estado

 

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de São Paulo afirma que “nós todos vivemos a cultura da violência, que impõe regras para todas as relações, de todas as classes sociais.” Há vários autores (Wacquant, 2001; Bauman, 1999, 2000, 2001; e muitos outros) que nos ajudam a pensar os vários tipos de violência nos tempos atuais.

2. A TORTURA NO BRASIL

            O principal direito é o direito à humanidade. E a nossa Carta Magna de 1988 coloca como um dos fundamentos do Estado brasileiro a dignidade humana (art. 1º, III) e repete, integralmente, em seu artigo 5º, inciso III, o texto do artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, determinando, de modo expresso, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Tratando dos aspectos jurídicos deste artigo 5º, o Manual Direitos Humanos no Cotidiano, da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça – SNDH/MJ nos lembra, destarte que

proclama o texto universal o direito da pessoa à dignidade humana e proscreve, com relação a todos, mesmo àqueles que sejam colhidos pela lei, qualquer tratamento que afete esta dignidade. Trata-se de um princípio geral que visa a proteger a integridade física, moral e psíquica da pessoa e que embasa, por si mesmo, todos os direitos da pessoa física, particularmente os relativos à matéria penal, especificados nos artigos 8º a 11 do Documento Universal, convocando-se, assim, os Estados a promoverem os direitos inerentes à dignidade humana.

            Acontece que, para fazer valer os direitos humanos subjetivos, precisamos torná-los concretos, na nossa prática cotidiana. O respeito à diversidade de gênero, de raça, de cor, de credo, de classe, de nacionalidade deve ser internalizado por todos os brasileiros. Sem isso, ficamos só no discurso.

            A Declaração da ONU contra a tortura (apud SNDH, 2001, p. 67) a define como

todo ato pelo qual um funcionário público, ou outra pessoa por instigação sua, inflija intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos graves, físicos ou mentais, com o fim de obter dela ou de um terceiro informação ou confissão, de castigá-la por um ato que tenha cometido ou se suspeite que tenha cometido, ou de intimidar essa pessoa ou outras.

            A tortura é rotina em dezenas de países, como nos lembram os relatórios da Anistia Internacional. Rotina para os agentes do Estado, nunca para os torturados. E no Brasil, especificamente, ela já é uma prática rotineira, cotidiana. Neste país as pessoas são mortas, cotidianamente, dentro de hospitais, em suas próprias casas, nos acampamentos do MST nos quatro cantos e, principalmente, nos presídios. Muitas pessoas ainda são torturadas, e há pessoas que estão na luta pelos direitos humanos das minorias que estão

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em listas negras, correndo perigo de serem mortas pelas armas de pistoleiros ou jagunços. Fatos dessa natureza ferem todos os Tratados, Convenções e Pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Internacional contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1991; a Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, de 1989; e a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José, de 1992). Neste país, que  aboliu   oficialmente a escravidão há mais de cento e vinte anos, ainda temos, paradoxalmente,  trabalho escravo, principalmente no Norte/Nordeste (inclusive com o apoio e a  conivência de alguns deputados em Brasília!). Por aqui ainda temos, nas grandes favelas e periferias, milícias formadas por "policiais" para caçar e matar nossos jovens (a maior parte deles negros, como nos informam os jornais). Sem falar do tráfico internacional de brasileiras - para fins sexuais, na maioria dos casos. Enquanto isso, os gastos públicos estão na fronteira da estratosfera (a roubalheira idem) e os governantes, sorrindo cinicamente como se nada estivesse acontecendo. Possivelmente, confiando na "burrice coletiva" de um povo apático e/ou desmemoriado.

            Segundo o penalista e professor Urbano Félix (2011, p. 31) “os muito fracos são punidos, aviltados, massacrados, dizimados unicamente porque extremamente vulneráveis.” São, na opinião dele, os extremófilos.

            Além da Constituição, temos nossos Códigos Penal e de Processo Penal, mas precisamos estudar porque os mesmos não são aplicados no nosso sistema prisional e nos estabelecimentos para menores infratores em várias cidades deste país. Há inúmeros relatos, em jornais, revistas e internet de inúmeras violações de direitos humanos. A tortura, que é uma prática generalizada e institucionalizada desde a Ditadura Militar (1964-1984), conta com a cumplicidade e a omissão de muitos agentes públicos e de autoridades corruptas.

            No Brasil, a prática da tortura está disseminada de norte a sul e de leste a oeste. Entretanto, nenhum torturador está preso. Segundo reportagem da revista Caros Amigos, de agosto de 2011 “a tortura conta com a anuência do sistema judiciário. Os direitos básicos dos presidiários são vilipendiados diuturnamente por agentes do Estado”. Os relatos que sabemos, ao ler revistas, jornais e sites sérios, de desrespeito e violação aos direitos humanos, são estarrecedores. Segundo a Caros Amigos, algumas das práticas mais costumeiras são

presos pendurados pelo pênis, seviciados com cabos de vassoura no ânus, obrigados a rolar em fezes de cachorro, choques elétricos, sufocamentos com sacos plásticos, espancamentos com pedaços de madeira, canos de ferro, cassetetes. Detentas que sofrem abusos sexuais. A lista das práticas empregadas por torturadores contra presidiários é longa.

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            Abu Graib e Guantánamo perdem feio! A superlotação do sistema carcerário, por si só, já constitui uma forma de tortura, segundo tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.

            Em 2010, quase 500 mil pessoas estavam presas, segundo dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça). Para a juíza da 16ª Vara Criminal de São Paulo, Kenarik Boujikian Felippe, cofundadora da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD), a impunidade é um dos principais fatores que contribuem para a perpetuação da tortura no país. Juíza criminal há 22 anos, Kenarik afirma que não conhece nenhum agente do Estado que tenha sido preso por ter torturado alguém. Até hoje, ela só julgou um único crime de tortura. Ela conta, em entrevista  à   revista citada, que “o número de processos que trata desse tipo de crime é reduzidíssimo. Os juízes não consideram a tortura um crime grave. O sistema de Justiça acaba corroborando com a tortura por sua omissão”.

            Ainda segundo estudo do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, coordenado pela pesquisadora Gorete Marques, a maioria dos casos de tortura é desqualificada pelos juízes. Segundo ela

se o laudo da perícia identificar que a lesão é leve, eles não acreditam que houve tortura. Classificam como abuso de autoridade. Se o laudo apontar que houve seqüelas, ferimentos, hematomas, desqualificam a autoria. Afirmam que pode até ter ocorrido alguma coisa, mas não dá para provar que tenha sido provocado pelo acusado, porque a vítima pode nutrir algum descontentamento contra o acusado e tentar incriminá-lo, forjando a tortura. Isso é muito comum.

            Além da morosidade da Justiça, as vítimas têm contra si outro agravante. Seus argumentos são desconsiderados, frente aos apresentados por agentes do Estado. Segundo o juiz Luciano Losekann, que é coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

há uma tendência na jurisprudência brasileira de valorizar o depoimento dos torturadores, que são agentes públicos do Estado, em detrimento da vítima, que geralmente é uma pessoa que está presa pelo cometimento de algum delito. Se subestima a palavra do torturado e se valoriza a palavra do agente público”. No sistema prisional é onde mais ocorre tortura e onde há o menor número de agentes públicos denunciados. É um paradoxo.

            A pena para tortura é tão pequena, que a lei dos juizados especiais criminais permite a suspensão do processo. O nosso Código Penal precisa ser repensado urgentemente. Como furtar um objeto pode ser mais grave do que cometer crime de tortura por omissão? Qual é o valor que está se protegendo? A propriedade? Ela é mais importante do que a vida e a dignidade da pessoa humana? Isso é grave! Há um descom-

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passo claro na nossa legislação, que supervaloriza a propriedade e desvaloriza a dignidade humana: é disso que precisamos realmente saber!

            A nossa Lei de tortura, de 1997, coloca no mesmo patamar torturadores a serviço do Estado e babás e cuidadores de idosos. Segundo o defensor público Carlos Weis, que coordena o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo

infelizmente, a lei da tortura acabou englobando atos de violência de particulares contra particulares. Internacionalmente, a prática de tortura tem uma qualidade fundamental, é praticada sob o poder do Estado. É um crime basicamente cometido sob o manto da soberania estatal.

            O medo de denunciar os torturadores é outro fantasma que persegue as vítimas. Por isso, as estatísticas sobre tortura são subdimensionadas, apesar de se saber que a prática é corriqueira. É muito difícil denunciar. Vai denunciar para quem? Para a polícia? Para o diretor do presídio? A tortura se alimenta da invisibilidade e, portanto, precisa de instrumentos para ser fiscalizada. Quando há um órgão de Estado e não de governo para fazer isso, se cria uma cultura de fiscalização e pode ter um resultado concreto no enfrentamento à tortura. Mas a estrutura de proteção ainda é extremamente precária em todo o país e desencoraja a denúncia. Em Santa Catarina, por exemplo, ainda não há Defensoria Pública. Segundo Patrick Lemos Cacicedo, coordenador do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo

o Paraná acabou de criar sua Defensoria e Goiás criou recentemente, mas ainda não fez concurso público. No Brasil, a Defensoria ainda é muito enfraquecida se comparada a outras instituições do sistema de justiça, como o Ministério Público e o Poder Judiciário. Apesar da Constituição de 1988 prever a criação de defensorias públicas, São Paulo, por exemplo, só criou a sua em 2006. Hoje o Estado tem 500 defensores públicos, mas deveriam ter dois mil. Há dois mil juízes e 1.800 promotores. A atuação da Defensoria fica fragilizada.

3. VIDA: O VALOR SUPREMO, O SINE QUA NON DA LUTA POR JUSTIÇA!

            Após o estudo de pensadores como Michel Foucault, aprendemos que a prisão, desde o seu nascimento, não tem cumprido o seu objetivo profícuo de ressocializar o criminoso, pelo contrário, tem servido para embrutecer ou se fortalecer como “fábrica” de delinqüentes mais perigosos do que quando para a prisão foram enviados. Desde a Idade Média é assim. O número de pessoas presas no mundo cresce vertiginosamente, levando alguns autores a declarar que passamos do Estado-Social para o Estado-Penal, da Sociedade Previdência para a Sociedade Penitência (WACQUANT, 2001). Esse aumento de pessoas presas é paralelo a um aumento do sentimento de insegurança.

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              Nessa contemporaneidade, ninguém mais tem presença garantida no mundo (BAUMAN, 2000, p. 38). Hodiernamente, o que ocorre, sistematicamente, é um constante processo de mutilação da personalidade e identidade dos sujeitos, a construção de uma nova identidade carcerária que somente serve ao ambiente prisional, a relação hierárquica dentro do cárcere, com seus códigos de honra e conduta, os modos de vida, suas tensões e ambivalências, a sujeição à rotina e a rituais de boas-vindas que demonstram como será a vida no novo ambiente social, as estratégias de sobrevivência, que serão mais importantes do que a busca pela liberdade, a religião neopentecostal como possibilidade de mais um mecanismo de opressão ou de estratégia de sobrevivência no cárcere.

            O que falta hoje, no Brasil, é a criação de estratégias para responder a essas questões, que são fundamentais. Aqueles que fazem a justiça no Brasil precisam discutir com maior acuidade as propostas contidas em lei para a aplicação das penas alternativas, que tem sido ignorada, assim como a adoção da justiça restaurativa que, diferentemente da justiça tradicional, propõe um novo modelo de resolução de conflitos, sem vitimização e estigmas.

            Quando assistimos filmes/documentários como “Quanto Vale ou é Por Quilo?”,  percebemos que o crime virou uma mercadoria. Crime-mercadoria, com a privatização do sistema carcerário, componente do ramo da indústria do encarceramento em massa. É só assistir a este filme, mais precisamente a fala do personagem vivido pelo ator Lázaro Ramos, para entender melhor essa questão. As ideias de reabilitação vão se enfraquecendo e as de repressão ganham apoio generalizado. A filósofa Marilena Chauí (1999) contrapõe violência e ética, quando afirma que

violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e pelo terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou passivos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: À GUISA DE CONCLUSÃO

            Nas últimas décadas, lidamos com a nossa face violenta – e isso fica patente na fala das pessoas no cotidiano, aparece de modo espetacular na mídia, permeia os discursos políticos, provoca ações de políticas públicas, produz pesquisas, debates. A sensação é de que a violência tomou conta do mundo e, mais especificamente, do Brasil.

           Entendemos que o mais importante é participar, aproveitar as janelas que se abrem para discutir e conversar com os outros. E da discussão acerca dos direitos humanos ninguém pode ficar de fora. O desrespeito aos direitos humanos de tanta gente,     cotidianamente,

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diz respeito a todos os cidadãos. Diante deste cenário de desrespeito aos direitos humanos e desse sistema prisional brasileiro caótico, qual a verdadeira função social da educação, dos nossos cursos de Direito (públicos e privados) e quais as possibilidades efetivas que se oferece para que o sujeito encarcerado reflita sobre si, venha a se reintegrar e re-significar sua existência na sociedade? E o que é preciso fazer para que as pessoas voltem a acreditar na Justiça?

           Democracia, direitos humanos e paz. São esses os ideais de um dos grandes pensadores do século XX, o filósofo italiano Norberto Bobbio (2000). Explicando esses ideais, um dos seus melhores alunos, o professor de Filosofia Política na Universidade de Turim Michelangelo Bovero diz que

o desejo da paz se opõe ao reino da violência, o princípio universalista dos direitos humanos se opõe ao mundo particularista das paixões e dos interesses, a ideia da democracia como transparência, como 'governo público em público', se opõe à cortina 'ideológica' dos enganos e à opacidade do poder.

           Mas, segundo ele, Bobbio

 

também enfatizou a interdependência dos três ideais entre si, no sentido que a busca coerente de cada um deles obriga à busca também dos outros, e que a própria definição de cada um deles requer o uso das noções correspondentes aos outros dois: 'Direitos humanos, democracia e paz são três momentos necessários ao mesmo movimento histórico: sem direitos humanos reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia não há condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando deles passam a ser reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tem a guerra como alternativa, somente quando não mais houver apenas cidadãos deste ou daquele Estado, mas do mundo.

            E, por último, o poema de Franco Fortini, para reflexão:

"Na amurada da ponte

A cabeça dos enforcados

Na água da fonte

A baba dos enforcados

No calçamento do mercado

As unhas dos fuzilados

Sobre a grama seca do prado

Os dentes dos fuzilados

Morder o ar morder as pedras

Nossa carne não é mais de homens

Morder o ar morder as pedras

Nosso coração não é mais de homens

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Mas lemos nos olhos dos mortos

E sobre a terra liberdade havemos de fazer

Mas estreitaram-na nos punhos os mortos

A justiça que se há de fazer."

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REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos; organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccaccia Versiani. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitucao.htm. Acesso em: 27 out.2011.

CAROS AMIGOS, Ano XV, nº 173, agosto 2011, ed. Casa Amarela (www.carosamigos.com.br)

CARTA CAPITAL, ano XIII, nº 424, 20 de dezembro de 2006, ed. Confiança (www.cartacapital.com.br)

CHAUÍ, Marilena. Uma ideologia perversa. Folha de São Paulo, 14 março 1999, Caderno Mais, 5-3.

PUGLIESE, Urbano Félix. Uma nova visão do princípio da intervenção mínima no direito penal. – Salvador: Òmnira, 2011.

SNDH/MJ. Secretaria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. Direitos humanos no cotidiano: manual/ [prefácio de Fernando Henrique Cardoso]. -2.ed. – Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

ATENÇÃO: Este artigo foi publicado em um livro, intitulado "Criminologia em Foco", sob organização do professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB - Urbano Félix Pugliese do Bomfim, pela Editora Mente Aberta, de Salvador/Bahia.

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