VILA DA FELICDADE

Por Priscilla Lima | 30/04/2009 | Educação

Considerações iniciais

A discussão sobre a questão da alfabetização atravessou todas as épocas da nossa sociedade desde a colônia, do final do Império, à constituição do regime republicano, à fundação do Estado moderno e pós-moderno.

Diante dos grandes desafios encontrados nos processos educacionais, um deles é a dificuldade de um grande número de alunos na aprendizagem da leitura quanto ao que diz respeito aos métodos utilizados pelo professor em sala de aula. Têm-se percebido que há uma falta de compromisso por parte dos professores em relação aos alunos que apresentam dificuldades na aprendizagem da leitura.

Logo, esses alunos que não sabem ler são "excluídos" do processo educacional. Porque é como se o professor "ignorasse" esse problema, não fazendo uso de outros recursos no ensino da leitura para ensiná-la a esses alunos, que vão ficando para trás com o avanço dos conteúdos que o professor passa.

Não há, portanto, um avanço significativo na aprendizagem da leitura dos alunos, visto que os professores quando a retomam para ensiná-la a esses alunos não mudam suas práticas pedagógicas, permanecendo, então, o seu único método de ensinar como o único meio possível e existente no ensino da leitura. A leitura tornou-se uma ferramenta indispensável na vida, no cotidiano do homem moderno. Podemos também nos manter informados dos acontecimentos do mundo, assim como adquirir conhecimento.

A escola, durante longos anos pautou-se na psicologia centrada no indivíduo, tomando-o como unidade, abstraída dos processos sociais. Essa tradição da Psicologia ainda hoje permanece viva nas práticas escolares, como serão demonstradas, em que pese os movimentos de renovação dos seus conceitos pedagógicos. Essa pesquisa, situada no campo da Psicologia Social, pretende trazer para dentro da escola um "novo" indivíduo, visto a partir da compreensão das crianças na sua cotidianidade, profundamente influenciado pelas suas vivências, ressaltando a importância delas para os processos pedagógicos.

Desta forma esta pesquisa, propôs-se a equacionar os problemas que interferem nos processo de alfabetização, as interferências advindas das relações Escola x Comunidade, o modo de condução da pedagogia e, finalmente os impasses e as incompatibilidades que, acrescidos dos problemas de caráter estrutural, determinam o fracasso ou sucesso dos processos da alfabetização.

Procedimentos metodológicos

A construção das representações das crianças sobre os seus espaços vivenciais é um trabalho pedagógico do pesquisador e será feito no espaço da sala de aula, utilizando a técnica do grupo focal, um tipo de observação participante, que: [...] consiste num processo no qual o observador mantém relação face a face com os observados, incluindo-se no contexto observado.

Diante de todas as vivencias cotidianas representadas nas brincadeiras, nos momentos lúdicos, que como é percebido através da analise do conteúdo, a forma de representar a realidade que circunda tal criança, e a construção dessas representações das crianças sobre os seus espaços vivenciais é um trabalho pedagógico do pesquisador eserá feito no espaço da sala de aula utilizando a técnica do grupo focal, um tipo de observação participante,que: [...] consiste num processo no qual o observador mantém relação face a face com os observados, incluindo-se no contexto observado.

Trata-se de uma forma de investigação interativa baseada no método etnográfico associado à observação participante, onde se busca compreender os pensamentos das crianças, os seus valores, as suas concepções de mundo e as suas manifestações concretas em termos comportamentais.

O desenvolvimento desse método de observação inclui técnicas operativas de dinâmicas de grupo e o desenvolvimento de uma práxis analítica fundada na experiência que permite compreender a partir de dados empíricos as condições reaisde vivência das crianças a partir do espaço da sala de aula.

A intervenção do pesquisador consiste no uso de técnicas variadas (jogos, desenhos, dramatizações, etc.) e oferecimento de alguns instrumentos que favorecem as falas das crianças sobre as suas vivências na família, nos espaços vicinais e no interior da própria escola, o que permite o movimento de construção e desconstrução das representações (concepções de mundo) por elas formuladas, de modo interativo.

Esse método se justifica a partir da hipótese do conhecimento insuficiente, do ponto de vista científico, que uma parte significativa dos docentes ainda tem sobre as crianças e a sua aplicação guarda um sentido operativo de deixar alguma contribuição para a escola pesquisada sobre esse aspecto.

           A analise dos dados gerados pelas crianças deu-se por meio de uma triangulação; cruzando as vozes das crianças interpretativas dos desenhos, a visita aos locais de moradia e entrevista com os pais, fazendo com pudesse ser (re)construída a representação de mundo da criança enquanto sujeito partícipe da pesquisa.A seção Material e Métodos deve ser concisa, mas suficientemente clara, de modo que o leitor entenda e possa reproduzir os procedimentos utilizados.Deve conter as referências da metodologia de estudo e/ou análises laboratoriais empregadas.

Resultados e discussão

A Escola Vila Felicidade funciona em três turnos: matutino, intermediário e vespertino. O total de alunos matriculados oficialmente é de 371 alunos. No exame da documentação de matrícula dos alunos constatou-se que havia um pasta de arquivo separada com nome de alunos que, embora matriculados, abandonaram a escola logo no início do ano, isto é, nunca freqüentaram e por isso foram subtraídos do computo geral das estatísticas oficiais. Eles somam 15 alunos, que acrescidos ao número de transferências, fazem um total real de matrícula de 394 alunos. No momento, trabalhamos com o número de alunos oficialmente reconhecido que aponta para um total de 371 alunos, distribuídos da seguinte forma: 150 alunos no turno matutino, 72 no turno intermediário e 149 alunos no turno vespertino.

No início da pesquisa, a turma pesquisada encontrava-se no primeiro ano do primeiro ciclo do Ensino Fundamental. A pesquisa acompanhou no curso de dois anos um total de 37 alunos, seguindo as observações dos mesmos também no 2º ano do primeiro ciclo. Um dos alunos não ingressou na escola no período estava matriculado no turno matutino e transferido para o vespertino.

A idade dos alunos da turma pesquisada está configurada da seguinte forma: 11 alunos de sete anos, 24 de oito anos, e dois alunos que não tiveram suas idades identificadas devido o fato de não constar a sua data de nascimento na ficha de matricula. O levantamento da procedência dos alunos demonstra que a maioria dos alunos da turma pesquisada residem na comunidade da Vila da Felicidade e outros nas redondezas da escola, na comunidade do Mauazinho. Um percentual expressivo de alunos (32,43%) vive no Parque Mauá e Distrito Industrial, bastante distante da escola e utilizam de transporte coletivo para chegar até a escola. Observa-se que um aluno mora do outro lado do rio Negro e todos os dias atravessa na balsa para assistir as aulas.

Partindo das observações chegou-se a conclusão de que apesar de muitos estudos e da conseqüente multiplicidade de modernos métodos de alfabetização percebeu-se que o método mais utilizado na escola estudada é o tradicional. Esse método fundamenta-se na lógica dedutiva e justifica-se no pressuposto de que é necessário iniciar do mais simples para o mais complexo. No caso, a apropriação das letras do alfabeto pelo aluno se faz com a distinção entre as vogais e as consoantes. Estudadas as unidades mais simples, passa-se, então, para a formação das sílabas, de consoante em consoante e, conseqüentemente, a formação de palavras com as sílabas já estudadas.

Nos resultados da aplicação desse método verifica-se que na aprendizagem da leitura, em duas turmas, uma de alfabetização e outra de primeira série, em torno de 60% dos alunos da primeira série, não sabe ler. Já os demais, 40%, lêem com algumas dificuldades. A maioria dos alunos da alfabetização lê algumas sílabas, poucos lêem algumas frases com algumas dificuldades, e outros nem conhecem ainda as letras do alfabeto, embora façam cópia do que a professora escreve no quadro, isto é, desenha as letras, mas não compreende o que está copiando.

Tentam identificar e designar mais do que representar. É através do desenho que ela libera seu repertório de memória, e o faz da mesma maneira que fala, contando uma história.

Por isso o desenho passou a ser o meio pelo qual se compreenderia o universo das crianças. Observamos que algumas delas não conseguiram desenhar o que foi solicitado e entregou a folha de papel em branco, o que pode significar que ainda estavam distantes da fase preliminar da alfabetização.

Franchi apresenta de forma minuciosa, descritiva e analítica, como trabalhar com as crianças levando em consideração desde a linguagem gestual e corporal até o aprendizado da escrita propriamente dita. Enfatiza a importância da contextualização, tanto na obtenção dos dados, a partir das próprias falas das crianças, até a criação, pelas crianças, de sua própria cartilha. Para as crianças, a vida apresenta dificuldades inusitadas na tentativa de conciliar trabalhos domésticos, contribuição na renda familiar e as exigências escolares.

Os desenhos não necessariamente retratam as realidades vivenciadas cotidianamente, pois não abordam as dificuldades sócio-economicas percebidas a partir das observações do pesquisador e relatas nas entrevistas. No processo de aquisição, a linguagem surge inicialmente como um meio de comunicação entre as crianças e as pessoas de seu ambiente, somente depois, após a conversão em fala interior e em pensamento reflexivo, é que ela vai organizar os pensamentos. Os desenhos são nesse sentido, importantes formas de expressão, mas é necessário observar que na feitura dos desenhos não há uma correspondência direta entre eles e a realidade, tal qual ela se apresenta. Não há uma exata correspondência entre, por exemplo, as casas desenhadas e as casas reais. Os desenhos das casas expressam configurações e sentidos próprios construídos pelas crianças.

Observamos o conjunto, a configuração de totalidade dos desenhos sem observar as particularidades de cada objeto/signos/símbolos colocados em cada um deles. Nessa modalidade o que se procura observar são as relações entre o ambiente social e o ambiente natural representados pelas crianças no papel. Como Retondo (1994), considera-se a folha de papel um correlato ao ambiente e a criança o desenhador, o criador de suas representações sobre esse ambiente.

É importante observar que, no conjunto, os desenhos das casas feitos pelas crianças estão quase sempre rodeados pela natureza. Rodeando a moradia o céu, nuvens, sol, arco-íris (elementos cósmicos), árvores e jardins floridos conotam o ambiente imaginário, apesar dos ambientes íngremes, limitados de espaços e precários. Mas há desenhos onde os elementos cósmicos são minimizados ou suprimidos.

O mundo social está posto num invólucro. Todas as figuras humanas estão no interior da casa, sugerindo uma primeira distinção entre sociedade e natureza: o mundo social separado do mundo da natureza.


Considerações finais

Destra forma pôde-se concluir que a escola desconhece o ambiente vivencial das crianças e as condições de sobrevivências de seus alunos. Dentre as muitas dificuldades, uma está nas relações entre a escola, em sua dinâmica pedagógica cotidiana, e as vivências das crianças nos seus espaços de origem. Dando-nos clareza das incompatibilidades ou mesmo contradições entre o modo como as crianças vivenciam e adquirem seus conhecimentos, valores, crenças e hábitos nos espaços da família, ou mesmo vicinais, e as exigências oficiais da escola, tais incompatibilidades não estão restritas apenas às inadequações dos conteúdos, mas abrange todas as dimensões comportamentais e de aprendizagem, dificultando o desenvolvimento pedagógico e favorecendo o abandono escolar.

Tais dificuldades estão além das questões de ordem metodológicas, acabam por comprometer a ação comunicativa entre professor e aluno, dado o desconhecimento e falta de domínio dos códigos alfabéticos por parte do aluno, levando-o à desmotivação, baixa freqüência nas aulas, e por fim, ao abandono escolar.

Chega-se por fim, a um ultima conclusão, de que fatores estruturais, de ordem socioeconômicos, são determinantes reais dos impasses da alfabetização, porém, os fatores de ordem culturais somam-se como agravantes na relação Escola x Comunidade, criando verdadeiros abismos entre as vivencias e a linguagem dos professores e alunos, logo, têm-se duas culturas paralelas, a da Escola e a da Infância vivida pelos alunos nos seus lugares de moradia, ambas não se tocam, e dificultam a interação e o sucesso no processo de alfabetização.

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