VIGÊNCIA, APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA: A vigência da lei tributária e a relação do princípio da anterioridade com a segurança jurídica.
Por Diego Soares Montelo | 16/02/2016 | DireitoVIGÊNCIA, APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA: A vigência da lei tributária e a relação do princípio da anterioridade com a segurança jurídica.
Diego Montelo[1]
Eldiane rodrigues[2]
Antônio Gaspar[3]
Sumário: Introdução; 1 – A vigência da lei tributária; 2 – Princípio da anterioridade tributária; 3 – A vigência da lei tributária e a relação do princípio da anterioridade com a segurança jurídica; Considerações finais; Referências.
RESUMO
O presente artigo visa refletir acerca da relação da vigência da lei tributaria juntamente com o principio da anterioridade tributária como uma das principais formas de proteção constitucional do cidadão-contribuinte brasileiro, a qual, como uma das limitações constitucionais ao poder de tributar, determina que a lei que institua ou aumente um determinado tributo somente seja eficaz depois de passado um lapso temporal. Tal lapso é entendido pelo legislador constituinte como indispensável para que possa o contribuinte, pessoa física ou jurídica, com antecedência, planejar-se para a nova realidade tributária que lhe será imposta.
Palavras-chave: Vigência tributária; Anterioridade tributaria; Segurança juridica.
INTRODUÇÃO
- 1. A vigência da lei tributária
“Lei vigente, ou lei em vigor, é aquela que é suscetível de aplicação, desde que se façam presentes os fatos que correspondam à sua hipótese de incidência. Essa possibilidade de aplicação supõe que a norma tenha sido validamente editada, isto é, que tenha atendido ao ritual previsto para sua elaboração e obedecido aos demais limites formais e materiais que balizam o processo legislativo”. (Luciano Amaro. Direito Tributário Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 187)
A vigência é a disposição para legitimar as situações que ocorrem no cotidianamente como consequências do nosso convívio social. Difere da eficácia por significar, esta, uma validade no que tange que cumpriu a finalidade a que se destinava, pois, foi socialmente comtemplada, solucionando o motivo que a gerou, enquanto a vigência é a validade da norma no aspecto puramente formal.
A norma tem vigor quando está apta para produzir seus efeitos, podendo ser aplicada ao caso concreto. A aplicação da norma é um ato de vontade do aplicador, precisa de um agente que realize uma ação sob pena de a norma estar em vigor e não ser aplicada. Difere da vigência, que é mera orientação e só depende da vontade da lei.
Temos no artigo 101 do Código Tributário Nacional, à vigência da legislação tributária, em que tal legislação reger-se-á segundo as disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral. “Na medida em que as normas da LICC têm caráter supletivo, isto é, admitem disposição em contrário, a vigência das leis tributárias regula-se, em regra, segundo o que elas próprias estabelecerem ou, no silêncio, pelas disposições da LICC (com ressalva, sempre, das singelas disposições postas pelo CTN)”. (Id. Ibid., 2002, p. 188).
Ou seja, quando o legislador é omisso, a norma de Direito interno entrará em vigor 45 dias após a data de sua publicação e a norma de Direito externo, entrará em vigor 90 dias após a data de sua publicação. Mas, se o CTN vier a estabelecer algo referente da vigência, irá se aplicar a este, pois a norma especial prevalece sobre a geral.
O artigo que estabelece a regra geral (art. 101 do CTN) proporciona a possibilidade de especificidades ao tratar de ressalvas. Tais ressalvas são explicitadas nos artigos seguintes:
Art. 103. Salvo disposição em contrário, entram em vigor:I - os atos administrativos a que se refere o inciso I do artigo 100, na data da sua publicação;II - as decisões a que se refere o inciso II do artigo 100, quanto a seus efeitos normativos, 30 (trinta) dias após a data da sua publicação;III - os convênios a que se refere o inciso IV do artigo 100, na data neles prevista.Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:I - que instituem ou majoram tais impostos;II - que definem novas hipóteses de incidência;III - que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.
Tendo concedido em seu artigo 103, inciso I que os atos normativos, entram em vigor na data da publicação; as decisões com eficácia normativa, 30 dias após a data de sua publicação; e os convênios, na data prevista pelo. Tem-se, também, expresso no art. 104 hipóteses em que a lei entra em vigor no primeiro dia do exercício seguinte, são hipóteses de impostos que incidem sobre o patrimônio ou a renda.
Existem leis que proferem o período de sua vigência, ou seja, possuem um prazo determinado para sua duração. Essas são as chamadas leis temporárias e não se tratando desta modalidade, a lei vigorará até que seja revogada por outra, seja de forma expressa ou tácita (quando a nova lei é incompatível com a anterior ou regule a mesma matéria).
Em se tratando de conflitos entre duas leis vigentes (antinomia), são três os critérios de resolução aceitos: o hierárquico, o de especialidade e o cronológico. Dentre eles o critério que prevalece é o hierárquico seguido do critério de especialidade.
Por força do art. 102 do CTN, a vigência da legislação tributária não se restringe ao território do ente federado competente para instituir a lei, assim sendo, as leis municipais e a estaduais não se restringem apenas ao território do município e estado. Para tanto é necessário o reconhecimento ou em convênio ou em leis de normas gerais expedidas pela União. O mesmo ocorre para que as leis federais vigorarem fora do território Brasileiro, sendo, neste caso, necessário o reconhecimento por algum tratado internacional. Sendo assim, admite-se a extraterritorialidade da norma tributaria, desde que haja convenio entre pessoas jurídicas de direito público interno no que tange o distrito federal, estados e municípios ou a existência de tratados ou convenções fixados pela União. Segundo Eduardo Sabbag:
É importante enaltecer que o convenio deve ter pertinência com as pessoas politicas interessadas, ou seja, uma questão de ISS levará a assinatura de um convenio entre dois municípios interessados, enquanto uma questão de IPVA avocará o convenio firmado entre dois estados membros envolvidos.
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3 A vigência da lei tributária e a relação do princípio da anterioridade com a segurança jurídica.
Neste tópico iremos fazer uma análise acerca da relação e contribuição da segurança jurídica na seara tributária e, em especial, à anterioridade. A segurança jurídica requer um sistema tributário harmonioso, de forma que os tributos a
serem pagos sejam certos, ou seja, não venham a ser arbitrários, bem como que o tempo, a forma e o valor do pagamento sejam claros (JARACH, 1996, p. 8), tendo respeito com as regras ou princípios constitucionais, como por exemplo, legalidade estrita, irretroatividade, anterioridade, além da produção de leis tributárias mais claras, de maneira a permitir ao administrado a exata percepção do que e para que está efetivamente recolhendo.
A segurança jurídica visa a criação de condições de estabilidade, certeza, previsibilidade ao cidadão, e, de outro lado, combate aos atos arbitrários do Estado (contrários à lei e/ou à Constituição). Hector Villegas (1994, p. 9-10) nos diz que:
“A segurança jurídica em matéria tributária implica a certeza sobre o valor do débito tributário, assim como a ausência de mudanças inesperadas que impeçam calcular de forma antecipada a carga tributária. Implica também, certeza de que não se realizarão alterações ‘retroativas’, que mudam as expectativas precisas sobre direitos e em deveres.”
Já vimos que para que uma determinada lei seja aplicada, ela deverá estar em vigor, é a chamada lei vigente, assim ela será passível de aplicação, observando sua hipótese de incidência. Entretanto, referente à anterioridade da lei tributária, exceto em algumas exceções, a lei que cria ou acrescenta não poderá ser aplicada durante o próprio exercício em que sejam publicadas. Nas hipóteses excepcionadas desse princípio, bem como nos casos de redução de tributos, e ainda nas demais situações onde não se cuide de criação ou aumento de tributo, a lei entre em vigor de acordo com as regras já supracitadas.
O Código Tributário Nacional nos trás em seu artigo 104 o princípio da anterioridade explicitamente, salientando que tocante à vigência da lei tributária, aquelas que criarem ou acrescentarem tributos deverão entrar em vigor no exercício posterior ao de sua publicação, devendo juntar-se a EC 42, na qual somente poderá ser cobrado, tal tributo, após decorridos noventa dias da publicação da lei.
A anterioridade constitucional tributária tem, portanto, relação direta com diversos
conteúdos da segurança jurídica, possibilitando a conclusão ensinada por Roque Antônio
Carrazza (2009, p. 198) :
[...] a tributação de surpresa (que afronta a segurança jurídica dos contribuintes). Ele[o princípio da anterioridade] não permite que, da noite para o dia, alguém seja colhido por uma nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha o conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro, justamente para que possa planejar sua vida econômica. (CARRAZZA, 2009, p. 198)
Sincronia há entre segurança jurídica e anterioridade, uma vez que este visa evitar a surpresa tributária, ou seja, fazer com que os contribuintes, de uma hora para outra, se encontrem em uma situação inusitada, sendo obrigados a responder por novas exações tributárias criadas ou majoradas por nossos legisladores, repentinamente. ( FILHO, Francisco Pinto Rabello. O Princípio da Anterioridade da Lei Tributária. São Paulo: revista dos Tribunais, 2002, p. 104.)
A segurança jurídica adia a eficácia dessas novas exações para a execução financeira subsequente ao da publicação de suas leis criadoras, com a segurança jurídica os contribuintes estariam assegurados, já que poderiam planejar, previamente, suas atividades econômicas, sabendo com antecedência, os gastos que teriam com relação ao Fisco.
Portanto, com o princípio da anterioridade, abriu-se um leque de possibilidades maiores para que as arrecadações tributárias fossem criadas ou majoradas da noite para o dia, vindo a tomar de surpresa o contribuinte. Ocorre é que as leis tributárias são criadas intencionalmente de surpresa, nos últimos dias que antecedem o novo exercício financeiro. Hoje em dia é essa a intenção do legislador que espera publicar suas leis com o menor número de “aborrecimento” possível, não oferecendo tempo suficiente para que o contribuinte se prepare para sua nova situação jurídica. Segundo Marina vilela (2004):
O interessante, para não dizer trágico, é que apesar do princípio da anterioridade ter tornado mais fácil a fome exacerbada do Fisco em busca de receitas tributárias, mesmo assim este princípio ainda é burlado, como se vê, quase que corriqueiramente nos dias atuais. É assustador o modo como as limitações constitucionais ao poder de tributar são desatendidas pelo legislador infra-constitucional. O pior de tudo é que para convalidar tais situações são inventadas infames teses jurídicas que constituem verdadeiras aberrações. É uma pena que neste país as normas sejam extremamente positivadas, objetivando-se que não sejam descumpridas por seus próprios criadores. E ainda assim, com todas essas apreensões, são cometidas ilegalidades absurdas.
Passemos agora a análise, a partir de uma decisão da Corte Constitucional brasileira, sobre a aplicação da anterioridade tributária em se tratando de imposto de renda. Temos como exemplo o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 433.878-MG, em que se analisou a aplicabilidade da anterioridade e da irretroatividade relativa à Medida Provisória nº 812, de 30 de dezembro de 1994,257 momentos em que não vigia a redação do §2º do art. 62 da Carta Maior, 258 incluído pela Emenda Constitucional nº 32/2001, interessando, aqui, a observação, de forma específica, quanto à posição adotada relativamente à anterioridade:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LIMITAÇÃO DACOMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS. Medida Provisória 812/94. Lei8.981/95. I. - Medida Provisória publicada em 31.12.94, a tempo, pois, de incidir sobre o resultado do exercício financeiro encerrado: não-ocorrência, quanto ao imposto de renda, de ofensa aos princípios da anterioridade e da irretroatividade. Precedentes do STF. II. - Voto vencido do Ministro Carlos Velloso: ofensa ao princípio da irretroatividade, conforme exposto no julgamento dos RE 181.664/RS e 197.790/MG, Plenário, 19.02.97. III. - Precedentes do STF. IV. - Agravo não provido. (BRASIL. STF. AgR RE 433.878-MG, Rel. Min. Carlos Velloso, Julgamento 1 fev. 2005. Órgão Julgador Segunda Turma. DJ 25 fev. 2005, p. 34)
Destaca-se que foi a Medida Provisória nº 812/1994, publicada em 31 de dezembro de 2004, quando ainda vigia, pois, o exercício 2004, ano-base para o imposto de renda a ser declarado em 2005. Pode-se entender que se trata de um imposto em destaque de um tributo com fato gerador periódico, ou seja, aquele em que seu fato gerador é formado por uma sequência de fatos ocorridos ao longo de certo período (AMARO, 2004, p. 127), neste caso, ao longo do ano, não se realizando, portanto, de forma imediata. Para FRANCISCO ALBERTO LEITE (2010):
Se assim o é, a lei a incidir sobre o aludido imposto deve estar vigente e eficaz a partir de quando começar o seu fato gerador, ou, a partir do primeiro fato que compõe esse fato gerador, ao qual se seguirão outros, no ano-base a que se refira, sob pena de a lei surpreender o contribuinte do imposto. Logo, em se considerando o ano-base 1994, para apresentar um exemplo semelhante ao caso concreto da decisão acima citada, e sabendo-se que o fato gerador do imposto de renda é formado por uma sequência de fatos, uma lei, para que seja entendida aplicável aos fatos que compõem o fato gerador do imposto de renda, deve estar eficaz a partir de 1º de janeiro de 1994, incidindo, assim, sobre todos os fatos, os quais serão declarados e recolhidos em 1995, sob pena de, como mencionado, impossibilitar o planejamento dos contribuintes do imposto e, portanto, afrontar a sua segurança jurídica. Veja-se, entretanto, que o julgamento antes transcrito decide: “Medida Provisória publicada em 31.12.94, a tempo, pois, de incidir sobre o resultado do exercício financeiro encerrado: não-ocorrência, quanto ao imposto de renda, de ofensa aos princípios da anterioridade e da irretroatividade”. O decisório faz concluir que a Corte Constitucional, diferentemente do que aqui se defende, percebe a ocorrência do fato gerador do imposto de renda no último dia do ano-base, pensamento que se confirma com o enunciado da Súmula 584 daquela Corte, que, apesar de aprovada em 15 de dezembro de 1976, continua sendo aplicada: “Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”.
Percebe-se, que a anterioridade constitucional tributária não está cumprindo o seu papel de garantia da segurança jurídica do contribuinte, uma vez que a aplicação de uma modificação que represente um eventual aumento do imposto de renda ocorrida no curso do ano-base, eficaz, no ano da declaração, surpreenderia o contribuinte, que já efetuou o planejamento das suas atividades tomando como referência a lei eficaz e por ele conhecida no início do ano-base respectivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, pode-se perceber que, enquanto, de um lado, a anterioridade tributária, em sua teoria, visa a resguardar os administrados que pagam tributos contra a ação excessiva ou arbitrária do Estado, permitindo-lhes, como fartamente mencionado, planejar-se de acordo com aquilo que entende exigível; de outro lado, em termos práticos, o instituto ainda carece de maior atenção por parte da Corte Maior brasileira, no sentido de tornar realidade a teoria determinada pela anterioridade tributária.
REFERÊNCIAS
Luciano Amaro. Direito Tributário Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002
SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 2ª Ed. atualizada. São Paulo: Saraiva, 2010, p.65.
JARACH, Dino. Finanzas públicas y derecho tributario. 2. ed. Buenos Aires: Abeledo
Perrot, 1996.
VILLEGAS, Hector B. Principio de segurança jurídica em sua criação e aplicação ao tributo.
Revista de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 66, p. 7-16, out./dez. 1994.
ALBERTO, Francisco. ANTERIORIDADE CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIA COMO
GARANTIA FUNDAMENTAL E CONTRIBUTO PARA SEGURANÇA JURÍDICA. 179 f
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2010
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009.
FILHO, Francisco Pinto Rabello. O Princípio da Anterioridade da Lei Tributária. São Paulo: revista dos Tribunais, 2002
VILELA, Marina. Alguns aspectos da lei tributária. São Paulo, set . 2010: disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1710/Alguns-aspectos-da-lei-tributaria>. 20/10/2015
BRASIL. STF. AgR RE 433.878-MG, Rel. Min. Carlos Velloso, Julgamento 1 fev. 2005. Órgão Julgador Segunda Turma. DJ 25 fev. 2005