VENDO O INVISÍVEL

Por Julio Cesar Souza Santos | 30/11/2016 | Sociedade

Como os Gregos Viam a Terra na Antiguidade? Qual Era a Base do Sistema Heliocêntrico de Copérnico? Quais Foram as Suas Fontes de Pesquisa? O Que Previa as Datas do Solstício do Verão e do Inverno Naquela Época?

As cosmologias antigas utilizavam mitos pitorescos para descrever como os corpos celestes se moviam. Nas paredes dos túmulos dos faraós – por exemplo – encontram-se caricaturas coloridas do como o Deus da Terra e o Deus do Ar sustentava a abóboda do Céu. Essa visão mítica não impediu os Egípcios de criarem o calendário mais preciso do ano solar que existiu durante milênios. Para o egípcio comum, tais mitos tinham certa lógica e não contradiziam o que ele via todos os dias e noites a olho nu. 

Os Gregos elaboraram a teoria de que a Terra era uma esfera na qual o homem vivia, sendo o firmamento por cima dela, uma cúpula esférica que segurava as estrelas e as movimentava. A natureza esférica da Terra era demonstrada por uma experiência tão natural como o desaparecimento dos barcos que partiam abaixo da linha do equador. A natureza esférica do céu também era confirmada pela experiência de toda gente, a olho nu. Fora dessa cúpula de estrelas – segundo os Gregos – não havia nada, nem espaço e sequer vazio. 

Para compreendermos os inícios paradoxais da ciência moderna, devemos nos recordar que esse belo esquema simétrico, tão ridicularizado nas modernas salas de aulas, na realidade serviu muito bem tanto ao astrônomo quanto ao leigo. A simplicidade, a simetria e o senso comum do esquema faziam com que parecesse confirmar incontáveis axiomas de filosofia, teologia e religião. E desempenhava algumas funções de uma explicação científica. Pois, ajustava-se aos fatos disponíveis, era um instrumento de previsão razoavelmente satisfatório e se harmonizava com a opinião aceita sobre o resto da natureza. 

O avanço moderno para o sistema heliocêntrico de Copérnico teria sido difícil de imaginar se o sistema geocêntrico não existisse, não estivesse lá disponível para ser revisto. Copérnico não quis modificar a forma do sistema, mudou simplesmente a localização dos corpos. É claro que o tradicional sistema geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu tinha suas fraquezas, pois ele não explicava as irregularidades nos movimentos dos planetas. Mas os leigos mal davam por essas irregularidades, pois elas pareciam adequadamente descritas pelo suposto movimento de cada planeta na sua própria esfera etérea especial. 

Por que Nicolau Copérnico se incomodou tanto para desalojar um sistema amplamente apoiado pela experiência quotidiana, pela tradição e pela autoridade? Quanto mais à vontade nos sentimos na era de Copérnico, melhor vemos que aqueles que não se deixavam persuadir por ele estavam sendo sensatos, pois as provas existentes não exigiam uma revisão de esquema. 

 

O que animava Copérnico não era a força dos fatos, mas sim uma preocupação estética, pois ele imaginava quanto mais belo poderia ser um novo esquema. Ele tinha uma mente extraordinariamente lúdica e uma imaginação ousada, embora não houvesse nada de extraordinário na sua carreira. Nunca fora ordenado, mas passou grande parte da sua vida de trabalho instalado no seio da Igreja e foi ela que lhe possibilitou dedicar-se aos seus diversificados interesses intelectuais. 

Copérnico nasceu em 1473 na Polônia e quando tinha 10 anos seu pai, um funcionário municipal, morreu. Seu tio e tutor tornou-se bispo de uma diocese na Polônia e arranjou maneira de a madre tomar o jovem Nicolau a seu cargo. Como astrônomo, Copérnico era um mero amador e não ganhava a vida pela aplicação da astronomia. Nasceu quando Leonardo da Vinci estava na plenitude da sua carreira e Miguel Ângelo foi seu contemporâneo. 

Nicolau Copérnico começou a estudar matemática na Universidade da Cracóvia e, depois de receber a nomeação como cônego da sua cidade, Frauenburg, partiu numa longa viagem à Itália a fim de estudar direito canônico na Bolonha, medicina em Pádua e algumas lições de astronomia. Regressando à sua cidade foi médico pessoal do bispo até a morte deste (seu tio) em 1512. 

Copérnico elaborou sua teoria heliocêntrica como ocupação secundária e somente o entusiasmo de amigos e discípulos o induziu a publicá-la. Ele tinha a consciência de que o seu sistema parecia violar o senso comum e, por essa razão, seus amigos o tinham incitado a publicar sua obra. O 1º esboço do seu sistema não foi impresso durante sua vida, pois algumas cópias manuscritas circularam apenas entre seus amigos. 

A sugestão revolucionária de Copérnico era de que a própria Terra se movia e, se a Terra se movia ao redor do Sol, então o centro do universo só poderia ser o Sol e não a terra. Não se tornaria subitamente todo o esquema celeste mais simples se o Sol, em vez da Terra, fosse imaginado como o centro? O objetivo não era criar um novo sistema de física e muito menos novo método científico. A sua revisão simples – uma Terra móvel que deixava de estar no centro – mantém intactas as características do sistema ptolomaico e evita a debatida questão quanto a se as esferas celestes eram imaginárias ou reais. 

Assim como Colombo confiara em Ptolomeu – e em outros textos tradicionais – Copérnico encontrou suas pistas entre os antigos. Foi buscá-las em Pitágoras, filósofo e matemático grego do século VI a. C. A adoração pitagórica pelos números transmitia á astronomia uma mensagem avassaladora, afirmando que “as próprias coisas são números”. Eles supunham que “os elementos dos números eram os elementos de todas as coisas e todo o firmamento era uma escala musical e um número”. Os pitagóricos ajustavam toda a disposição do firmamento no seu esquema. No tempo de Copérnico, os pitagóricos acreditavam que “o único caminho para a verdade era a matemática”.  

Outra fonte das ideias de Copérnico foi Platão e, embora Copérnico fosse o profeta da crença científica na soberania dos sentidos, seu “padrinho” foi Platão, o qual acreditava que “todos os dados fornecidos pelos sentidos eram sombras sem substância”. Os neoplatonistas adeptos de Platão também construíram sua visão do mundo baseados na matemática ideal. Para eles, os números ofereciam “a melhor visão humana de Deus e da alma do Mundo”. 

O neoplatonismo, reiniciado no Renascimento – época em que Copérnico nasceu – retomou o combate contra o espírito frígido dos escolásticos ([1]). Quando ele estudou em Bolonha, teve como professor Domenico Maria de Novara, um neoplatonista que atacava o sistema ptolomaico. Na sua obra, Copérnico falava com a voz de seu professor e colocava-se assim nas fileiras dos neoplatonistas.

 

Ele dizia que para explicar os movimentos dos planetas, o sistema ptolomaico exigia “muitas admissões que pareciam violar o 1º princípio da uniformidade no movimento”. Assim, Copérnico acreditava que o seu sistema – o geocêntrico – concordava melhor com o modo como o Universo devia ser do que o sistema geocêntrico mais antigo. Acreditava que estava descrevendo as verdades reais de um Universo essencialmente matemático. 

Copérnico descreveu seu sistema como “hipótese” e, na linguagem ptolomaica, uma hipótese era mais do que uma mera ideia experimental. Era a proposição fundamental em que se assentava todo um sistema. Isto significava que as suas proposições tinham duas (2) qualidades essenciais: _ Primeiro deviam “salvar as aparências”; ou seja, as conclusões delas extraídas tinham de concordar com as observações efetivas. Algumas ambiguidades contidas nesta frase viriam à superfície no século seguinte, quando o telescópio forneceu “aparências” não visíveis a olho nu. 

O segundo requisito mandava que uma proposição científica confirmasse as ideias básicas aceitas como os axiomas da física. Por exemplo: _ não deve ser incoerente com o axioma que todos os movimentos dos corpos celestes são circulares e que cada um desses movimentos é uniforme. Embora, segundo Copérnico, o sistema ptolomaico se ajustasse bem às aparências observadas, ele não fornecia a uniformidade e a circularidade requeridas. Um sistema “genuíno” pelos padrões de Copérnico não teria de satisfazer meramente os olhos, pois ele precisaria agradar também à mente. 

Se Copérnico teve receios de que o seu sistema astronômico lhe valesse a classificação de herético, tais receios se revelaram infundados não só durante sua vida, mas também durante ½ século após a sua morte. Seus amigos da Igreja até o incitaram a publicar seu livro (“De Revolutionibus”) e, na verdade, ele dedicou sua obra ao Papa Paulo III cuja formação matemática, esperava, lhe despertasse um interesse especial pelo trabalho. 

Os profetas do protestantismo, Lutero e Calvino, contemporâneos de Copérnico, transmitiam uma forte mensagem fundamentalista e anti-intelectual. Lutero, por exemplo, classificou Copérnico de astrólogo arrivista. “Este tolo deseja inverter toda a ciência da astronomia, mas a Escritura Sagrada diz-nos que Josué ordenou ao Sol que ficasse parado, e não a Terra. Falta-lhe honestidade e decência”.

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