VENDE-SE CASA
Por Romano Dazzi | 29/05/2009 | Crônicas
Vende-se casa
de Romano Dazzi
É o anuncio mais comum, em qualquer jornal.
Casas, vendem-se: às centenas, aos milhares, todos os dias.
Vendem aqui, compram lá; saem desta, ocupam aquela; largam uma, pegam outra. Nunca estão contentes, nunca param para pensar.
E têm razão: a família aumentou, agora tem empregada, dois filhos, a sogra dá uma escapadinha para ver se tudo vai bem e acaba passando a noite
Daqui a uns dez anos, quinze no máximo, as crianças foram embora – seus quartos estão escuros e silenciosos, a sogra sofre de reumatismo e não consegue se arrastar até aqui. Também, pudera... não tem mais netos para cuidar!...
Assim , vende-se a casa. Compramos um apartamento, que é mais seguro, tem menos poeira, ninguém entre na sala com os sapatos sujos de terra.
Tratamos de levar uma vida silenciosa, monástica; hora certa para bater pregos, volume certo para a TV.
Banimos pianos, saxofones, baterias; melhor escutar música com fones de ouvidos, para não incomodar ninguém; para não conviver com ninguém. Para ficar cada dia mais isolado, mais fechado,mais triste e encolhido.
Salvo às sextas feiras, quando se liberam os demônios na balada e se explode e se grita a plenos pulmões, porque ninguém escuta mesmo.....
Se o vizinho faz barulho, bate-se na parede e se isso não servir, chama-se o síndico. É guerra na certa, mas ninguém passa por cima de mim...
Casa vende-se, casa compra-se, casa troca-se.
O que não há no mercado, e ninguém percebeu, são lares.
Casa é fácil de fazer: Uns milheiros de tijolos, cal., cimento, areia, madeiras; depois, pisos, forros, cerâmicas. Portas e janelas, vidros e metais, sanitários e fios. Uma casa está pronta em um mês.
Mas um lar, um lar demora anos. – e nunca está pronto, perfeito, acabado. Está sempre em construção, reformando, consolidando-se.
Numa casa pode morar meu corpo. Mas é preciso um lar, para que a minha alma possa morar confortavelmente nele.
Um lar começa com um sonho: duas pessoas que se querem, que se amam, que se procuram.
Não é apenas desejo, fogo, paixão. Esta é apenas uma parte pequena, apesar de indispensável.
É preciso encontrar uma casa, uma casinha, um lugar reservado, só para a gente e mais ninguém.
Nada de sogra, de empregada; nem de filhos, no momento.
Há muito que dizer, todos os dias, muito que contar e recontar e comentar e ajustar.
Estamos lendo juntos o livro da vida, com todos os seus segredos e seus mistérios.
Fala-se de comidas, na cozinha; de parentes, na sala; e de amor, no quarto. Nada de banheiro comum. Apesar de uma profunda convivência, cada um tem a sua intimidade e deve exigir o direito de conservá-la.
Esses são os tijolos de verdade. Um por um, pedra por pedra, tábua por tábua, até que seja colocada a última tachinha, e aplicada a última mão de tinta.
E ainda faltará montar as cortinas, prender os quadros, passar o fio do abat-jour; e depois, os livros, as roupas.....
Quando tiverem completado este estagio e conseguida a aprovação, poderão sentir como é diferente a atmosfera de um lar.
E estarão prontos para receber seus filhos.
Quando estes chegarem, cabe a ela balancear presença e ausências, combinar a vontade de trabalhar fora, afirmando-se como profissional – com o desejo de transmitir carinho e companhia, noções e sentimentos às suas crias.
Sentir, dia a dia, o crescimento da criança, a sua evolução, o florescer de sua vida em todos os aspectos, muda a alma da mulher e transforma-a profundamente.
Perder esta ocasião especial equivale a renunciar ao maior presente que a vida nos dá. Porque quando tiverem passado alguns aninhos, você custará a reconhecer a criança que deixou
Só a convivência diária - permanente, paciente, contínua - fixa raízes, forma fundações, estabelece uma ligações sólidas e duráveis.
E isto serve também para marido e mulher.
Por isso, não procurem uma casa.
Procurem um lar.
E, como não existem lares prontos, cabe a vocês, como a qualquer par de passarinhos, procurar gravetos e fios de grama, arrasta-los com esforço e determinação, amontoa-los em ordem, de maneira que se transformem em um ninho; em seu ninho.
Ama-se mais no silêncio, e não há lugar mais acalentador e mais seguro no mundo, do que os braços da pessoa amada.