Vandré vem do sertão e pode não lhe agradar
Por Edson Terto da Silva | 01/02/2010 | ArteVandré vem do sertão e pode não lhe agradar
Edson Silva
Em relação ao tamanho de suas composições, umas curtas e grossas e outras com histórias detalhadas , podemos dizer que Geraldo Vandré era 8 ou 80. E ele e o parceiro Théo de Barros foram 80 na obra “Disparada”, composta em 66, que os amantes da Música Popular Brasileira (MPB), principalmente quem tem 40 anos ou mais, devem se lembrar dos versos: “... na boiada já fui boi, mas um dia me montei, não por um motivo meu ou de quem comigo houvesse...”, defendidos efusivamente, em Festival de 1967, por Jair Rodrigues, acompanhado pelo Trio Marayá, que fez de uma queixada de burro inusitado instrumento de percussão. No mesmo ano e Festival, uma Nara Leão charmosa e tímida apresentava a música “A Banda”, de um jovem compositor chamado Chico Buarque de Hollanda.
“Disparada” e “A Banda” dividiam a preferência do público, os jurados decidiram o primeiro lugar para “A Banda”, mas Chico só aceitou a premiação se o posto de campeã do Festival fosse dividido com “Disparada”. Um gesto de humildade e muito bonito daquele que, assim como Vandré, seria um dos mais censurados artistas brasileiros durante o Regime Militar. No ano seguinte, 1968, Chico não conseguiu repetir o gesto humilde e tão nobre com a música “Sabiá”, dele e de Jobim, contra a obra prima de Vandré: “Pra não dizer que não falei das flores”, com o encantado refrão: “... vem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer...” O júri obedeceu ao regime e não premiou Vandré. Já o público, em clara e saudável atitude de desobediência civil, o redimiu e voltou consagrar o grande ídolo da resistência.
“Prepare o seu coração/Prás coisas/Que eu vou contar/Eu venho lá do sertão/Eu venho lá do sertão/Eu venho lá do sertão/E posso não lhe agradar../Aprendi a dizer não/Ver a morte sem chorar/E a morte, o destino, tudo/A morte e o destino, tudo/Estava fora do lugar/Eu vivo prá consertar.../Na boiada já fui boi/Mas um dia me montei/Não por um motivo meu/Ou de quem comigo houvesse/Que qualquer querer tivesse/Porém por necessidade/Do dono de uma boiada/Cujo vaqueiro morreu.../Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte/Muito gado, muita gente/Pela vida segurei/Seguia como num sonho/E boiadeiro era um rei../Mas o mundo foi rodando/Nas patas do meu cavalo/
E nos sonhos/Que fui sonhando/As visões se clareando/As visões se clareando/Até que um dia acordei...
...Então não pude seguir/Valente em lugar tenente/E dono de gado e gente/Porque gado a gente marca/Tange, ferra, engorda e mata/Mas com gente é diferente.../Se você não concordar/Não posso me desculpar/Não canto prá enganar/
Vou pegar minha viola/Vou deixar você de lado/Vou cantar noutro lugar/Na boiada já fui boi/Boiadeiro já fui rei/Não por mim nem por ninguém/Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse/Por qualquer coisa de seu/Por qualquer coisa de seu/
Querer ir mais longe/Do que eu.../Mas o mundo foi rodando/Nas patas do meu cavalo/
E já que um dia montei/Agora sou cavaleiro/Laço firme e braço forte/Num reino que não tem rei”
Edson Silva, 48 anos (8.1.62), é jornalista da assessoria de imprensa da Prefeitura de Sumaré.