Vandré sem limites, céu fundo e mar largo

Por Edson Terto da Silva | 01/02/2010 | Arte

Vandré sem limites, céu fundo e mar largo

 

Edson Silva

 

Confesso que sou suspeito para falar se esta ou aquela música de Geraldo Vandré é a mais bonita, pois gosto da maioria delas, principalmente pelo contexto ideológico em que foram produzidas, numa época política em que não havia liberdade de expressão. Vandré e alguns outros artistas desafiaram os poderosos e não se calaram. Para este artigo escolhi uma de minhas preferidas do Vandré, chamada “Terra Plana”. Na introdução da música, o poeta declama que foi orientado a não falar de pobreza, deixar de lado a tristeza e só trazer alegrias, pois assim com certeza agradaria. Lógico que a referência aos “agradados” era a uma maioria alienada, que não enxergava a um palmo do nariz e pouco se importava com o rumo sombrio tomado pela pátria, sob o regime totalitário. Algo parecido foi visto nos anos 40 na Alemanha nazista e com conseqüências desastrosas para o mundo.

 

Em “Terra Plana”, Vandré se vale do lugar onde nasceu (ele é do Nordeste, da Paraíba) para cantar a realidade e não separar dor de amor e fazer do poder que crescia sobre a pobreza a riqueza dos fracos. Na parte musical, o poeta diz ser de uma terra plana de céu fundo e mar largo e se mostra indignado com esperançosos e caridosos, podendo se organizar, mas as igrejas os mantinha cegos e somente a rezar. Na música, Vandré chega se intitular guerrilheiro que não matava por castigo, mas para se defender de quem lhe queria tirar a vida. Mais que descrever “Terra Plana”, bom mesmo é acompanhar seus versos. Vá além, se possível ouça a canção, que pode ser encontrada em disco de vinil em algum sebo.

 

“Meu Senhor, minha Senhora... (Falado): “Me pediram pra deixar de lado toda a tristeza,/ pra só trazer alegrias e não falar de pobreza./E mais, prometeram que se eu cantasse feliz, agradava com certeza. /Eu que não posso enganar, misturo tudo o que vivo. /Canto sem competidor, partindo da natureza do lugar onde nasci. /Faço versos com clareza/ Há rima, belo e tristeza. /Não separo dor de amor. /Deixo claro que a firmeza do meu canto vem da certeza que tenho/ De que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza, foi que me fez cantador.

 

Meu Senhor, minha Senhora.../Vou indo esse mundo afora/Num canto que é tão valente/Que mesmo se está contente/Fala sempre a toda hora/quase num tom de quem chora/Eu sou de uma terra plana/ Tem céu fundo e um mar bem largo/Preciso de um canto longo/Prá explicar tudo que digo/Prá nunca faltar comigo/E lhe dar tudo o que trago/ Aos pés de muitas igrejas/Lá você vai encontrar/ Esperança e caridade/ Querendo se organizar/ Os cegos pedindo esmola/E a Terra inteira a rezar/ Se um dia eu lhe enfrentar/ Não se assuste capitão/ Só atiro prá matar/E nunca maltrato não/Na frente da minha mira/ Não há dor nem solidão/ E não faço por castigo/Que a Deus cabe castigar/ E se não castiga ele/ Não quero eu o seu lugar/ Apenas atiro certo/ Na vida que é dirigida/Pra minha vida tirar”

 

Edson Silva, 48 anos, é jornalista da assessoria de imprensa da Prefeitura de Sumaré.

 

Email: edsonsilvajornalista@yahoo.com.br