Vamos desjudicializar as execuções fiscais do Sr(a) Odarongi da Silva?

Por bruna oliveira fernandes | 17/06/2014 | Direito

Vamos desjudicializar as execuções fiscais do Sr(a). Odarongi da Silva?

 

Bruna Oliveira Fernandes

Mestranda em Direito Tributário

Pontifícia Universidade Católica – SP

Esse artigo é fruto de reflexões sobre o quadro das execuções fiscais no cenário judicial nacional e sobre a proposta legislativa que se popularizou como “desjudicialização” desse processo, cujo objetivo é a implementação da execução fiscal administrativa. Para abordar a desjudicialização da execução fiscal dividimos o estudo em três partes. Iniciaremos discorrendo sobre a própria execução fiscal; posteriormente analisaremos a proposta de desjudicialização, segundo o Projeto de Lei nº 5.080/2009 em tramitação na Câmara dos Deputados; e, por fim, analisaremos dois problemas graves e atuais da execução fiscal: o ajuizamento tardio das referidas demandas e a inviabilidade pela falha nas informações sobre o executado que é aqui ilustrado com o caso do Sr(a). Odarongi da Silva. Em conclusão notamos que tanto o ajuizamento tardio, quanto o desconhecimento ou incompletude de dados do executado possuem raiz comum: ineficiência da parte autora do processo, ou seja, do Fisco, bem como de seu representante judicial, a Procuradoria da Fazenda Nacional.

1. Execução Fiscal

O processo de execução visa concretização do direito do credor fundado em título executivo já constituído, seja judicial ou extrajudicialmente, que consubstancie obrigação certa, líquida e exigível inadimplida, segundo o art. 580 do CPC – Código de Processo Civil.

A execução fiscal é o processo de cobrança dos débitos tributários e não tributários inscritos na Dívida Ativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que tem por finalidade última a expropriação do patrimônio do devedor através de uma decisão judicial para satisfação do crédito, caso persista o não pagamento do débito devido. Atualmente este processo é regido pela LEF – Lei de Execução Fiscal nº. 6.830 de 1980 e subsidiariamente pelo CPC.

A execução da Dívida Ativa tributária, cujos débitos são oriundos do exercício da competência tributária, possui uma peculiaridade relevante que o distingue das demais execuções: seu título executivo extrajudicial, a CDA – Certidão de Dívida Ativa é formada unilateralmente pelo credor.

Em regra, nas demais execuções o título executivo provém ou de decisão judicial, ou é emitido com a participação do devedor, por exemplo, o cheque, nota promissória, contrato assinado pelo devedor, entre outros títulos arrolados no artigo 485 do CPC.

A certidão de Dívida Ativa, diferentemente, é extraída do procedimento de inscrição do débito na Dívida Ativa e consiste em controle administrativo de legalidade. Esse controle é uma etapa de apuração da certeza e liquidez do crédito tributário cuja competência é incumbida às Procuradorias das Fazendas dos credores nos termos do art. 2ª, §§ 3º e 4º da LEF.

Dentre os requisitos básicos desse processo executivo deve-se destacar relevância da prévia constituição do crédito tributário, na qual é imprescindível a existência de um sujeito ativo, o credor, a identificação do um sujeito passivo, o devedor, e o objeto da relação jurídica entre os sujeitos, ou seja, o tributo que se for inadimplido deverá ser inscrito em Dívida Ativa para a exequibilidade por via judicial.

A execução fiscal é assunto da pauta do momento. Notadamente pela sua quantidade em relação aos demais processos. Esse tipo de demanda em 2012 correspondeu a 35,4% de toda a tramitação da Justiça Estadual e representou 42,8% de todos os processos pendentes, registrando taxa de congestionamento de 89%, conforme relatório do CNJ – Conselho Nacional de Justiça1.

A situação também requer atenção no âmbito da Justiça Federal: em 2012 dos processos em tramitação 39,3% correspondiam à execução fiscal, com taxa de congestionamento de 90%, o que significa que apenas 10% desses processos foram baixados. Mas destaca-se também que nos processos executivos de títulos não-fiscais a taxa de congestionamento também é alarmante: 83%2.

O relatório “Justiça em números 2013” com ano base 2012 concluiu pela necessidade de atenção com os processos de execução fiscal no âmbito do Poder Judiciário e chama atenção para a queda do número de novos processos. Porém, ainda sim, há um índice diminuto de baixas, o que ocasiona as altas taxas de congestionamento3.

Os números demonstram que esse tipo de processo requer mais cautela e estudo para que se identifiquem seus principais problemas e se busque soluções para provê-lo de maior efetividade, com diminuição da taxa de congestionamento, que implica basicamente na não resolução desses casos.

 

2. Desjudicialização da Execução Fiscal

Uma das sugestões de resolução desse problema de congestionamento e de baixa efetividade dos processos de execução fiscal foi proposta pelo Fisco e consiste na alteração drástica do regime jurídico desses processos.

Tem se chamado de “desjudicialização da execução fiscal” ou “execução fiscal administrativa” a tentativa do Poder Executivo de retirar do Poder Judiciário a competência para processar e julgar esse tipo de ação que atualmente é a principal forma de cobrança das receitas tributárias.

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1 Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2013: ano-base 2012/ Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2013, p. 87.

2 Ibidem, p. 193.

3 Ibidem, p. 305.

 A proposta visa deslocar para a própria Administração Pública o processo de execução, essa, por sua vez, acumularia as funções de credor, julgador e executor do crédito tributário.

A pretensa “desjudicialização” refere-se ao PL – Projeto de Lei nº 5.080/2009, apenso ao PL nº. 2.412/2007 que tramita na Câmara dos Deputados proposto pela Procuradoria da Fazenda Nacional, CNJ – Conselho da Justiça Nacional e acadêmicos da área jurídica, segundo a EM – Exposiçãode Motivos 186/2008 MF/AGU4.

O CNJ aborda essa retirada da competência do Poder Judiciário como uma possível forma de aperfeiçoar a primeira instância de julgamento judicial já que mais de 30% dos processos do país são de execução fiscal e que tal sistema não está sendo efetivo.

Na Exposição de Motivos da proposta legislativa demonstra-se a necessidade da alteração do método de cobrança tendo em vista que a execução fiscal judicial, “pela alta dose de formalidade de que se reveste o processo judicial, apresenta-se como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência”.

A motivação do referido projeto destaca o impacto positivo de descongestionamento do Poder Judiciário caso o projeto seja aprovado, fato que certamente ocorrerá, pois de uma vez só os processos judiciais diminuirão mais 30%. Mas a que custo isso ocorrerá?

O Projeto de Lei autoriza a Fazenda Pública a realizar atos de constrição preparatória e provisória de bens juntamente com o ato de notificação da inscrição em Dívida Ativa5, com controle posterior pelo Judiciário, já que o processo de execução judicial será ajuizado no prazo de trinta dias a contar do primeiro dia da constrição patrimonial6.

O governo criará o Sistema de Informações Patrimoniais dos Contribuintes – SIPC que será administrado pelo Ministério da Fazenda para facilitar, ainda mais, o acesso praticamente irrestrito ao patrimônio dos contribuintes.

Interessante que se fixará prazo para o ajuizamento da execução – o Projeto de Lei pretende fixar o prazo de trinta dias. Atualmente há uma lacuna, havendo apenas prazo para os órgãos remeterem os processos administrativos para a PGFN, que segundo o art. 22 do Decreto-lei nº. 147/1967 é de 60 dias, mas não um prazo determinado para que a PGFN protocolize judicialmente o processo.

Pelas estatísticas apuradas, principalmente o baixíssimo índice de resolução das demandas executivas fiscais podemos afirmar que esse processo precisa ser repensado e aprimorado. Mas será se as causas dessa baixa efetividade são oriundas exclusivamente do Poder Judiciário?

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4 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/EMI/2008/186%20-%20MF%20 AGU.htm, acessada em 15 de maio 2014.

5 PL 5.080/2009 CD, art. 9º: O despacho da autoridade administrativa competente que determinar a notificação, observados os prazos e as hipóteses do art. 5º, também ordenará:

  I - a efetivação da constrição preparatória e a avaliação de bens, respeitada a ordem estabelecida no art. 655 da Lei nº 5.869, de 1973, sobre tantos bens e direitos quantos bastem para garantir o débito;

6 PL 5.080/2009 CD, art. 13. A Fazenda Pública deverá providenciar o ajuizamento da execução fiscal, ressalvado o disposto no § 1º do art. 17, no prazo de trinta dias, contados da efetivação da primeira constrição.

Passaremos a analisar dois grandes problemas das execuções fiscais que podem ser os dois principais responsáveis pela ineficiência desse processo.

3. Problemas da Execução Fiscal

3.1 Ajuizamento tardio das execuções fiscais

A CGU – Controladoria-Geral da União visando controlar e melhorar a atividade arrecadatória da União acompanhou e fiscalizou de 2007 a 2013 o procedimento de apuração, inscrição e execução da Dívida Ativa da União. Tal ação resultou no relatório de avaliação da execução de programas de governo nº 21.

Dentre várias conclusões da CGU que reafirmam problemas crônicos da cobrança administrativa da Dívida Ativa destacamos os seguintes pontos:

(i) a ineficiência do processo de inscrição dos débitos na DAU – Dívida Ativa da União, “devido à grande intempestividade no envio dos créditos fiscais pela RFB a serem inscritos na DAU”7;

(ii) 90% dos créditos da DAU são créditos tributários advindos da Receita Federal do Brasil, que remete com grande intempestividade os mesmos para a devida inscrição e cobrança judicial por meio da execução fiscal e parte a beira da prescrição8;

(iii) Os dados do sistema da PGFN não são fidedignos, pois se constatou a existência de processos que antes de serem ajuizados no Poder Judiciário já se encontravam no sistema com o status de ajuizados judicialmente, “Ativa Ajuizada”9.

O ajuizamento tardio das execuções fiscais é um fator bastante relacionado ao insucesso do processo, pois a demora do Fisco pode coincidir com o desaparecimento do patrimônio ou da própria empresa ou do contribuinte em geral, ceifando, assim, muitas vezes o progresso da lide, que acaba sem resolução e congestionada nas estantes do Judiciário.

Renato Lopes Becho, juiz da 10ª Vara Federal de Execução Fiscal de São Paulo, parte de sua experiência para anotar a repercussão dessa demora no curso do processo executivo. Segundo o autor, após a constatação da leniência do Fisco, o legislador alterou a regra da contagem do prazo prescricional, que nos processos em geral interrompe-se a partir da citação válida, nos termos do artigo 219 do CPC, enquanto que para os débitos tributários, após a LC 118/2005, suspende-se com o mero despacho do juiz, sem que seja necessária a efetivação da ciência do devedor10.

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7 Relatório de avaliação da execução de programas de governo nº. 21 – Controladoria-Geral da União – Secretaria de Controle Interno. 2013. Disponível em http://sistemas.cgu.gov.br/ relats/uploads/5459_%20Relatorio_PGFN_20052013.pdf, acessado em 27.03.2014, p. 8.

8 Ibidem, p. 18.

9 Ibidem, p. 24.

10 BECHO, Renato Lopes. Efeito do ajuizamento tardio das execuções fiscais. Revista Dialética de Direito Tributário n. 170, 2012, p. 68.

Renato Becho destaca dessa alteração legislativa (art. 174, CTN, alterado pela LC 118/05) a nova sobrevida que os processos prestes a ter a prescrição de seus débitos decretada ganhou11. Isso é um incentivo à manutenção do tramite administrativo vagaroso e do ajuizamento tardio e leniente das execuções fiscais.

O autor chama atenção, ainda, para outra consequência do ajuizamento tardio: o aumento dos pedidos de redirecionamento das execuções para os responsáveis tributários face ao desaparecimento das empresas. O pedido de redirecionamento ocorre quando a empresa não é localizada no local indicado no cadastrado da Administração Tributária, o que faz presumir a dissolução irregular e fraude à lei apta a trazer os sócios ao processo12.

Como proposta para minimizar essas consequências e principalmente para possibilitar maior efetividade às execuções Renato Becho propõe que as execuções sejam ajuizadas em sessenta dias após a configuração da mora do devedor.

O ajuizamento das execuções fiscais em tempo mais próximo da data da ocorrência do fato imponível possibilitaria um aumento significativo das chances de localização do devedor e de seus bens.

Mas acreditamos que o fator tempo não é o único que implica no insucesso da execução, há processos que são inviáveis judicialmente por outros motivos, como o valor do débito que por vezes é tão diminuto que não supera sequer o custo do processo em si, outras vezes o processo é inviável pela falha dos dados cadastrais do contribuinte, esse ponto é o que iremos expor abaixo.

 

3.2 Informações incompletas ou equivocadas sobre o executado

Para exemplificar o segundo problema também dramático e decisivo para a efetividade das execuções fiscais citamos o caso das execuções contra Sr(a) Odarongi da Silva.

O que sabemos sobre o Sr(a) Odarongi: ele é uma figura lúdica, criada pelo Município de Maceió, no Estado de Alagoas, para que lhe fossem atribuídos todos os “créditos tributários” de sujeitos passivos desconhecidos – Odarongi é a escrita invertida de Ignorado.

Colocamos o termo crédito tributário entre aspas porque diante da inexistência de um sujeito passivo, não há também crédito tributário, já que a relação jurídico-tributária é necessariamente uma relação entre pessoas e não entre coisas e pessoas.

Após boatos sobre o caso, resolvemos fazer uma busca no sistema de busca processual da Justiça Estadual de Alagoas e nos surpreendemos ao pesquisar pelo nome da parte “Odarongi da Silva” – nome nada comum, o sistema e-saj pede para que a pesquisa seja refinada: “Foram encontrados muitos processos para os parâmetros informados. Por favor, refine sua busca”.

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11 BECHO, Renato Lopes. Efeito do ajuizamento tardio das execuções fiscais. Revista Dialética de Direito Tributário n. 170, 2012, p. 70.

12 Ibidem, p. 71.

Refinando a busca com um número de CPF também imaginário, nº 111.111.111-11, começam aparecer inúmeros processos, vários de Odarongi da Silva, outros de ING, outros de IGNORADO e outros de nomes comuns, dentre os quais deve haver pessoas reais.

Segundo a sentença de extinção de centenas de processo, como o processo nº. 0227283-78.2003.8.02.0001, proferida em 20 de novembro de 2013 pelo Juiz Ney Costa Alcântara de Oliveira da 15ª Vara da Fazenda Pública de Maceió, a Fazenda Pública de Maceió ajuizou entre 2002 a 2004 duzentas e cinquenta mil execuções fiscais e em vários processos se “percebeu que a CDA continha vícios impeditivos da atuação do Poder Judiciário, não sendo localizados os devedores em virtude da ausência de sua qualificação correta, conforme verificado dos retornos das tentativas de citação pessoal, pela inexistência do devedor, a exemplo de ODARONGI DA SILVA, IGNORADO, entre outros, bem como do endereço impossível de ser localizado, como por exemplo, RUA EM PROJETO, entre outros”13.

O julgador ressalta que a fim de evitar o ajuizamento desse tipo de ação fadada ao insucesso foi editada uma resolução exigindo o número do CPF/CNPJ, além de várias reuniões com a administração pública buscando regularizar o fato. Mas destaca a incapacidade técnica das Procuradorias municipais que se limitavam a sempre requer dilações de prazos e suspensões quando deveriam realizar diligências e acostar documentos para o regular trâmite da ação14.

Nesse caso, pela ausência por mais de cinco anos de manifestação da Procuradoria que deveria prestar maiores informações sobre o devedor foi decidido pela prescrição intercorrente dos créditos o que ocasionou a extinção dos processos com o julgamento do mérito, fundamentando no princípio da razoável duração do processo.

Destaca ainda o juiz que “que não há como imputar ao Judiciário exclusividade quanto a culpa da demora para realização de citação/prolatação de despacho no caso em concreto, posto que, conforme já mencionado, foram ajuizadas aproximadamente 250.000 (duzentas e cinquenta mil) ações de forma simultânea e sem observância das formalidades necessárias, “transferindo ao juízo” os problemas no cadastro municipal de contribuintes do município”15.

Em outros processos de Odarongi da Silva, como, por exemplo, nos autos nº. 0136174-80.2003.8.02.0001, o desfecho foi diferente. Reconhecendo a verdadeira inexequibilidade de um crédito tributário que não possui devedor, eis que Odarongi é uma criação imaginária, o juiz substituto da mesma Vara da Fazenda Pública de Maceió – Leonildo de Melo Freitas, extinguiu os processos sem julgamento do mérito “seguro da impossibilidade de tal lacuna ser suprida pelo município através de emenda à CDA, concluo pela nulidade das presentes execuções, julgando extintos os feitos, a teor do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil”16.

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13 Sentença do processo nº. 0227283-78.2003.8.02.0001 proferida em 20 de nov. 2013, Juiz Ney Costa Alcântara de Oliveira, p. 01. Acessível no site: <http://www2.tjal.jus.br/cpopg/open.do> pesquisar no Foro de Maceió.

14 Ibidem, p. 02

15 Ibidem, p. 04

16 Consulta da movimentação dos autos nº. 0136174-80.2003.8.02.0001. Sentença proferida em 06.08.2008.

O estudo da viabilidade econômica da execução fiscal é comum, as Administrações Tributárias costumeiramente definem valores mínimos para que a execução não gere prejuízo em virtude do custo financeiro que há para manutenção do processo até sua resolução. Porém, ponto pouco explorado é a viabilidade fática da execução frente aos dados cadastrais que o Fisco possui do contribuinte, que não raramente são incompletos ou falsos, como no caso do devedor Odarongi.

Como pode obter sucesso uma execução cujo endereço do devedor é incorreto? Ou como realizar penhora no BacenJUD ou RenaJUD se não há indicação do CPF ou CNPJ? De quem é a responsabilidade pela indicação dessas informações? Certamente do credor, que deve assumir o resultado infrutífero de uma execução nessas circunstâncias.

A citação é um ato primordial e determinante para o curso, resolução e efetividade do processo. O Poder Judiciário é totalmente dependente das informações fornecidas pelo autor, no caso das execuções fiscais, é da Administração Pública a obrigação de indicar os dados necessários para a identificação e individualização do devedor, bem como os dados para a sua localização.

Um relatório do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que analisa as execuções fiscais na justiça federal afirma que “apenas 3,6% dos executados apresentam-se voluntariamente ao juízo. Em 56,8% dos processos ocorre pelo menos uma tentativa inexitosa de citação, e em 36,3% dos casos não há qualquer citação válida. Como a citação ocorre por edital em 9,9% dos casos, pode-se afirmar que em 46,2% dos executivos fiscais o devedor não é encontrado pelo sistema de Justiça.”17.

O relatório afirma que a localização imediata do devedor é fundamental para o êxito da citação pessoal e que quando a primeira tentativa falha, as chances de efetivação do ato são reduzidas para em média um terço18.

O estudo aponta, ainda, o desfecho das execuções: o principal motivo de baixa dos referidos processo é a constatação de prescrição e decadência, correspondente a 36,8% dos casos, em segundo lugar está o pagamento integral do débito que chega a 25,8% do total dos processos (e 34,3% dos processos com citação válida) e já no terceiro lugar, representando 18,8% das execuções, a extinção ocorre por cancelamento da inscrição do crédito – sem se especificar o motivo do cancelamento19.

Desses dados percebe-se como o tempo do ajuizamento e os dados cadastrais informados são determinantes para a regular tramitação do processo, que atualmente possui o tempo médio de duração de 9 anos, 9 meses e 6 dias20.

 

 

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17 Relatório de pesquisa – “custo e tempo do processo de execução fiscal promovido pela procuradoria geral da Fazenda Nacional”, IPEA, 2011, p. 5-6. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs /nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.pdf. Acessado em 27.03.2014.

18 Ibidem, p. 6.

19 Ibidem, p. 7.

20 Ibidem, p. 13 - processo de execução fiscal da PGFN.

É preciso que o Judiciário e o Fisco sejam diligentes e eficientes para que o processo de execução fiscal obtenha êxito. Não admitimos que se impute todos os problemas e percalços do rito processual executivo ao Judiciário, vez que comprovadamente a própria Administração Tributária coopera decisivamente para o insucesso de inúmeras demandas desse tipo.

4. Conclusão

A motivação da desjudicialização das execuções fiscais segundo a EM n. 186/2008 enfatiza que “pela alta dose de formalidade de que se reveste o processo judicial” os processos não atingem seu objeto, mas talvez essa alta formalidade seja decorrência do respeito ao devido processo legal que exige a plausibilidade do processo e impede que o fisco invada a bel prazer o patrimônio do contribuinte e quem ele entende ser o responsável.

Tal exposição de motivo imputa ao Judiciário toda a morosidade e ineficiência que dá causa ao congestionamento das execuções e assim baixa arrecadação. Porém o relatório da CGU, órgão integrante do próprio Poder Executivo Federal, deixa claro quem é ineficiente e os motivos da frustação ao processo executivo.

Ainda sim, visualizamos dois pontos louváveis da proposta legislativa da execução fiscal administrativa: (i) a definição de prazo para o ajuizamento das ações de execução fiscal, porém sem prever nenhuma sanção para seu descumprimento, e (ii) o acendimento dos debates e estudos sobre o processo de cobrança dos créditos oriundos da Dívida Ativa.

Mas diante de todos os outros pontos que ampliam demasiadamente o poder do Fisco relativamente à constrição patrimonial do contribuinte somos contrários a sua aprovação.

O problema das execuções fiscais com a eventual aprovação da desjudicialização não está sendo superado e nem resolvido. 

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