Valor probatório da confissão

Por Ariany dos Reis Lima | 26/05/2011 | Direito

Valor probatório da confissão


Conduta estranha à natureza humana, a confissão a princípio poderia levar um leigo a crer na descoberta da culpa real e conseqüente fim ao processo, eliminando a necessidade de se recorrer a outros elementos probatórios. É natural que cheguemos a esta conclusão, uma vez que esta conduta vai contra a natureza humana. Confissão é a declaração ou admissão, pelo acusado, do crime que praticou. A tendência do homem é defender-se e evitar qualquer tipo de sanção. Quando uma pessoa confessa um crime, vai contra ao racionalmente aceito. No entanto, a confissão, enquanto prova, deve ser analisada de forma relativa e com muita cautela.
Outrora, a confissão fora considerada a rainha das provas. No entanto, hoje, assume valor relativo. Ao analisarmos aspectos históricos da prova de confissão, temos que muitas foram as formas utilizadas para obtê-la. Na época inquisitorial, a tortura era meio lícito para se obter a confissão. Por vezes, inocentes confessavam sua suposta culpa para se verem livres das crueldades das ordálias. A princípio nos parece absurdo e absolutamente medieval que isso tenha de fato ocorrido, no entanto, o Brasil, em um passado não muito distante já legitimou as provas obtidas mediante tortura. Na ditadura, ela era utilizada à exaustão.
A partir daí, temos uma noção de que a prova obtida mediante confissão deve ser analisada de forma relativa e com muita cautela. Se a tivéssemos como prova absoluta e irrefutável, correríamos o risco de incorrer em gravames dos mais diversos aos direitos fundamentais do homem. Não estamos mais no período medieval ou ditatorial, mas sabemos que ainda estamos distantes de uma realidade na qual o processo penal é inteiramente respeitado. Atualmente, ainda há confissões obtidas por meio de coações físicas ou moral. Há situações e razões, algumas inclusive que extrapolam o âmbito de entendimento jurídico, que levam acusados a confessarem crimes por eles não cometidos.
A confissão pode ser implícita ou explícita. Em se tratando da primeira, o pretenso delinqüente procura ressarcir os ofendidos do ilícito por ele causado. Na segunda, o acusado reconhece expressamente e espontaneamente ser o autor do ilícito. Nesta acepção, a confissão torna-se uma prova indiciária de alto valor, no entanto, não absoluto.

A confissão também poderá ser simples ou qualificada. Por confissão simples entende-se a mera atribuição a si da prática do ilícito penal. Na qualificada, além do reconhecimento da autoria há o reconhecimento que qualquer fato ou circunstância que o isente de pena.

Poderá ainda ser judicial ( feita em juízo) ou extrajudicial (não realizada perante o juiz). Desta forma, se confessada perante a autoridade policial (extrajudicial) e negada perante o juiz, tal confissão será apenas indício de prova. Assim, a confissão só cristaliza seu teor probatório se realizada em juízo. Caso o advogado ou qualquer pessoa interessada faça chegar ao juízo uma declaração assinada pelo acusado reconhecendo sua culpa pelo crime que lhe fora imputado, tal documento não terá valor probatório.

Também há divergências sobre qual seria o valor da confissão enquanto atenuante de pena. Há duas correntes. A primeira entende que a mesma, sendo voluntária, já deve ser considerada uma atenuante. A segunda, no entanto, defende que além de voluntária deve ser espontânea. Cabe diferenciar os conceitos para podemos discorrer sobre o tema. Voluntário é o ato livre de coação e qualquer pressão. Espontâneo é o ato que, além de voluntário, deve demonstrar sinceridade ou arrependimento, ajudando na investigação policial ou ao juiz na admissão da autoria.

Entendimento majoritário, no entanto, converge para a atenuante apenas no caso de confissão espontânea. Neste sentido, a confissão em razão de flagrante não valeria como atenuante uma vez que não contribui para as investigações e nem é determinante na descoberta da autoria.

Sobre a confissão, o Código de Processo Penal preleciona:

Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

Art. 199. A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195.

Art. 200. A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.

A partir da análise dos artigos supracitados, percebemos que o legislador optou por preservar os direitos fundamentais do acusado. Desta forma, ele não permite que a confissão seja valorada sozinha, como prova absoluta e irrefutável, condicionando a sua aferição a outros critérios adotados para outros elementos de prova. Do mesmo modo, resguardando o princípio "nemo tenetur se detegere" (o direito de não produzir prova contra si mesmo), consagrado pela Constituição Federal, o legislador preserva o direito do acusado em permanecer em silêncio, sem que importe em confissão, no entanto, considerando também o princípio do livre convencimento do juiz o silêncio poderá constituir elemento para sua formação. O artigo 200 do CPP, em respeito à busca pela verdade real, também possibilita a retratação da confissão, ratificando a idéia de que o valor probatório da mesma é relativo.

Analisando a nossa legislação, em confronto com aspectos históricos e práticos, nos resta indagar se poderia então uma pessoa ser condenada apenas com base na prova de confissão. A resposta cabível para o questionamento é tão somente uma: Não. Diferentemente do que ocorre no âmbito cível, que por tratar de direitos disponíveis não cabe ao julgador verificar se a confissão é verídica ou não, no processo penal, entretanto, cabe a busca pela verdade real, que extrapola a verdade aparente. Mesmo ante a confissão, o processo penal faz-se necessário para que a culpa real seja apurada, sendo para isto, imprescindível a presença de um julgamento imparcial que atue na busca pela justiça. Um único processo tem um custo elevado, uma vez que envolve todo um aparato do Estado. Um processo a menos significa menos um custo e menos um trabalho. Nesta perspectiva, temos que a adoção da confissão como prova absoluta e irrefutável poderia dar ensejo à violação de direitos fundamentais do acusado, haja vista o interesse predominante de algumas camadas da sociedade pela rápida solução do litígio, que acabaria por incorrer em uma sumarização do processo e conseqüente violação aos direitos fundamentais do acusado.

Por fim, temos que, em razão da fragilidade da prova de confissão, aliado ao conteúdo de nossa legislação Constitucional e infraconstitucional, tal prova, se única em um processo, não é suficiente para se proceder à condenação do acusado, devendo o magistrado avaliar todas as provas em conjunto, e se perceber incongruência entre elas, pode e deve inclusive descartar a prova de confissão como elemento de conhecimento, preservando assim, os direitos fundamentais do homem.


Referências :

O valor da confissão - Guilherme de Souza Nucci

Código de Processo Penal Brasileiro

Constituição Federal

Wikipedia:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Confiss%C3%A3o_(direito)

http://www.giseleleite.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=401326

http://jus.uol.com.br/revista/texto/2366/o-interrogatorio-e-a-confissao-no-processo-penal