VALEM O HOJE E O AGORA
Por Romano Dazzi | 28/05/2009 | Crônicas
196 – VALEM O HOJE E O AGORA
De Romano Dazzi
- Vem ver o sol nascendo, Silvio! Que lindo !
- Já vou, Natália, já vou. Estou acabando de fazer a barba. Num minuto estou aí...tenha paciência!
Eram seis horas da manhã; tínhamos levantado às cinco, para poder tomar o vôo das oito, para o Rio.
Nosso horário l não é este. Levantamos normalmente às sete e meia, e às nove em ponto abrimos a loja, no centro de São Paulo.
Claro que, às sete e meia, o sol já anda alto no céu. Mas às seis ele está apenas surgindo no leste, e tem pressa...
Cinco minutos depois, eu cheguei ao terraço, onde Natália estivera esperando por mim, ainda embevecida.
- Cadê? Onde está este espetáculo, esta magnificência?
- Esteve ai, durante cinco minutos, mas mandou dizer que não podia esperar e se foi.
- Ah, Natália, desculpe. Estava acabando de me barbear, não dava...
- Não dava para sair, com a barba feita só pela metade?
- Não, não dava mesmo. Eu estava com o rosto cheio de sabão, despenteado, de pijama e chinelos...
- Tenho certeza que o sol não repararia nesses pormenores...
- Concordo, mas sabe, me sinto mal, quando estou desalinhado, em desordem...
- Bem, azar o seu, Silvio. Eu bem que pedi para o sol dar uma paradinha, mas não
teve jeito. Ele foi mesmo. Olha: ele está bem mais alto agora,
- Sim, e não tem mais graça nenhuma...
- Bem ainda é, e sempre será, uma coisa bonita, um espetáculo, em qualquer hora do
dia. Mas aqueles momentos especiais, quando ele chega e quando se vai, são
mágicos, insubstituíveis.... Este é o momento, esta e a hora; e você a perdeu...
- Entendi, entendi, Natalia. Lição aprendida. Da próxima vez não deixo passar...
Mas dois dias depois,...
- Alô, bom dia,...quero falar com o Silvio...diga-lhe que é a Tia Carmela e que o assunto é urgente. Obrigada.
Passaram-se alguns minutos e:
- Alo, Senhora, o Dr Silvio pediu para desculpá-lo e para ter paciência; ele está no meio de uma entrevista muito importante, mas chamará logo que for possível...
- Em quanto tempo?
- Acho que dentro de meia hora...
Ao meio dia, antes de sair para o almoço, o Sílvio olhou a agenda.
Trazia o recadinho da Tia Carmela,e a hora do telefonema: 9:20 .
Eram 12:30. Silvio chamou a Tia, mas ela não respondeu.
Foi procurá-la no apartamento. Fechado.
Procurou o Zelador.
- Os para-médicos a levaram ao Samaritano, Dr Silvio...
- A que horas?
- Agora há pouquinho...Deviam ser umas onze horas...
Quando chegou ao Samaritano, meia hora depois, a tia Carmela estava na UTI, cheia de sondas, tubos, aparelhos. Um AVC ; grave.
Estava inconsciente.
Ela se foi, dois dias depois; e o Silvio não pôde se despedir dela.
Aquele era o momento, aquela era a hora. E novamente a perdera.
Comentando alguns dias depois o acontecido, Natália, que sempre sabia agir com bom senso e sabedoria, foi incisiva:
- Você não salvaria a tia Carmela, porque ninguém tem o poder de segurar a morte, nem por um segundo, mas poderia se despedir dela como devia, como seria justo.
Quando imaginamos estar atrasando o curso do tempo, é porque ele está brincando conosco. Tudo acontece na hora em que tem que acontecer. Por isso não podemos deixar passar as ocasiões, quando se apresentam.
- Mas você quer que a gente corra o tempo todo, que use todas as oportunidades, que aproveite todos os sinais, para não perder nada? Não é cansativo demais?
- Não, bobinho. Não seria possível; mas eles aparecem, mostrando caminhos, indicando alternativas. Lembra-se daquele dia em que tudo ia mal, nada dava certo?
- Foi o dia em que nos conhecemos.... Você não quer dizer que esta também era uma coisa que ia dar errado...
- Não, não. Mas eu atravessei o seu caminho; você quase me atropelou; pois eu tinha saído da escola de artes, estava correndo atrás de uma folha solta que tinha caído de um caderno. Não era essencial, mas não queria perdê-la.
- E aí apareci eu. E se meu carro não tivesse freios bons...
- Alguma outra coisa iria acontecer, de qualquer jeito...
- Você ficou assustada, parada, bem na frente do carro...
- E você não esperou um segundo; não fez a barba, nem trocou de roupa.
- Sim, desci na mesma hora e a levei até a calçada.
- E nos apresentamos e...uma coisa puxa a outra, acabamos...
- Tomando juntos um refrigerante e trocando endereços...
- Estávamos ambos aproveitando a oportunidade,.usando um momento único..
- Mas você perdeu aquela folha....
- Sim, mas ganhei Você!!! Uma troca justa
- E você se lembra do que havia de tão importante naquela folha?
- Sim. Era um retrato, um esboço apenas, do que seria, na minha imaginação, o meu
futuro marido...
- Parecido comigo?
- Ah, isso não vou contar.....é segredo!.