Utilidades e Executoriedade do Boleto Bancário como forma de proteger as Relações Negociais.

Por Rachelly Clécya Brandão de Castro | 07/12/2016 | Direito

Rachelly Clécya Brandão De Castro

Thayna Macedo de Araújo

RESUMO

 A pesquisa disposta compilará um breve panorama das evoluções dos Títulos de Crédito, apresentando suas características e elementos fundamentais, versando acerca dos pontos que os distinguem dos demais elementos representativos de direitos e obrigações com o fim de delinear o panorama de avanços tecnológicos que tem sido responsáveis pela virtualização dos dados que constavam em cártula, transformando-os em dados eletrônicos. Abordaremos a discussão a respeito da possibilidade do Boleto bancário ser considerado título de crédito. Por fim, analisaremos a viabilidade de realizar a sua executoriedade.

Introdução

Os constantes avanços tecnológicos da sociedade hodierna facilitaram em muito as relações de consumo entre as pessoas. Esses avanços fizeram com que a legislação se adequasse progressivamente às atualizações dessa esfera. E assim ocorreu com os títulos de crédito.

No contexto em que vivemos, as relações exigem cada vez mais praticidade e celeridade principalmente no âmbito das relações negociais, por esse motivo, a legislação, mesmo que lentamente, tem evoluído em busca de tentar atender a todas essas necessidades.

Diversas transações são feitas sem nem mesmo precisar sair de casa, via internet e os pagamentos realizados via boleto bancário, instrumento que contem praticamente todas as informações necessárias para a realização do negócio jurídico.

Os títulos de crédito por meio das cártulas vem perdendo cada vez mais espaço atualmente, dando início a uma nova realidade em que os títulos são virtuais, flexibilizando assim o princípio da cartularidade, ocorrendo a chamada “desmaterialização dos títulos”.

Portanto, o tema aqui discutido mostra-se de extrema importância tendo em vista seu caráter atual e frequente nos dias atuais. Será aqui abordado a possibilidade de se considerar o boleto bancário como título de crédito, as conseqüências disso e a viabilidade de sua executoriedade. 

1 Títulos de Crédito: características e evoluções 

Os Títulos de Crédito podem ser considerados como instrumentos por meio dos quais ocorre a circulação de riqueza na sociedade, tendo em vista que podem ser transferidos para mais de um credor e não apenas ao credor originário.

VITOR GONÇALVES cita Cesare Vivante para explanar que tais títulos consistem em “documentos necessários para o exercício de um direito literal e autônomo, nele mencionado” (VIVANTE apud. GONÇALVES, 2011, p.9). Ainda de acordo com o entendimento do mesmo autor, os títulos de crédito dizem respeito ao:

“Documento representativo de um crédito, ato de fé, confiança do credor que irá receber uma prestação futura a ele devida. Esse crédito serve, por sua vez, como agente de produção, mas apenas para transferir riqueza de uma pessoa para outra (do devedor ao credor). (GONÇALVES, 2011, p. 10)”

Esses Títulos podem ser também entendidos como “documentos representativos de obrigações pecuniárias, não se confundindo com a própria obrigação, mas sim se distinguindo dela na exata medida em que a representam” (COELHO, 2007, p.231), ou ainda “a razão de ser de um direito, sendo um instrumento formal que contém obrigação, instrumento esse que a lei confere direito literal e autônomo” como propõe ALMEIDA, 2011, p.28.

A respeito dos títulos de crédito Fábio Ulhoa Coelho aponta como uma das principais características o fato dele possibilitar uma negociação mais fácil do crédito pois a cobrança judicial de um crédito que é documentado por este título é muito mais célere e eficiente, o que posteriormente classifica como facilidade de circulação de crédito, em relação à negociabilidade  e maior eficiência na cobrança, em relação à executividade.

Além da facilidade de circulação de crédito e maior eficiência na cobrança, outras 4 características marcantes dos títulos de crédito, defendidas pela maioria dos doutrinadores são: Autonomia, Cartularidade, Abstração e Literalidade. Sendo características fundamentais apenas a literalidade e autonomia.

Títulos de Crédito são títulos autônomos porque “cada um dos intervenientes assume obrigação relativa ao título. Ademais disto, em razão de sua autonomia, o possuidor de boa-fé não tem o seu direito restringido em decorrência do negócio subjacente entre os primitivos possuidores e o devedor” (ALMEIDA, 2011, p. 22).

Seguindo o mesmo raciocínio, Vitor Gonçalves afirma que:

“Esse requisito é primacial para a circulação do título na medida em que torna o portador da cártula titular de um direito autônomo em relação ao direito que tinham seus predecessores. O que efetivamente circula é o título e não o direito abstrato que nele se contém, ou seja, o possuidor exerce direito próprio que não se vincula às relações entre os possuidores anteriores e o devedor. Isto é, cada relação é autônoma em relação às suas antecessoras. Como consequência, não poderão ser opostas ao portador de boa-fé as exceções pessoais referentes ao credor originário, no que tange à obrigação extracartular entre ele e o devedor, emitente do título (GONÇALVES, 2011, P.12).”

Já a cartularidade não é considerada uma característica fundamental dos títulos de crédito, mas decisões do STJ a acrescentaram a esse rol. Antônio Zarif entende por cartularidade a materialização do crédito ao documento, ou seja, a incorporação do crédito ao título. Amador de Almeida acrescenta que o credor não poderá pleitear o recebimento do seu crédito se não estiver na posse do título.

Quanto à incorporação do direito de crédito ao título, Almeida afirma que:

“o direito se incorpora no documento (no sentido de direito cartular), mas não se incorpora, por outro lado, diante da hipótese de perda, quando ele será exercido independentemente da existência do título. Decorre que, admitida e existência de ‘dois direitos’, não há erro lógico algum ao dizer que o direito está e ao mesmo tempo não está incorporado no documento (direito cartular), e no outro não se contém nele (direito ao cumprimento da prestação e que no caso se exterioriza como direito de recuperação do título)” (NEWTON apud. ALMEIDA, 2011, p. 24)

Os títulos são considerados também abstratos porque os direitos que estão representados nos títulos são igualmente abstratos. Vitor Gonçalves considera a abstração como apenas uma faceta da autonomia, explana ainda que, nos títulos abstratos, a causa originária do negócio só poderá ser oposta entre credor originário e devedor, ou seja, não poderá ser oposta contra terceiro possuidor do título, apenas com a ressalva de que esse terceiro tenha conhecimento de algum provável vício que exista. Entretanto, deve-se ressaltar que “os títulos de crédito não são negócios abstratos puros, porque as abstrações poderão se tornar exceções contra terceiros de má-fé” (GONÇALVES, 2011, P.24).

Por fim, são considerados Literais por existirem segundo o teor do documento, VIVANTE, apud. GONÇALVES, 2011, p.22, ou seja, no título de crédito só tem valor aquilo que nele constar.

Além das características acima explanadas, Antônio Zarif acrescenta a esse rol ainda outras três, que são: circulabilidade, co-obrigatoriedade e executoriedade. Segundo seu entendimento, a primeira consiste na transferência física do título (endosso) o que consequentemente fará com que ocorra a transmissão de todos os direitos inerentes ao título. A segunda diz respeito à responsabilização pelo pagamento do título e para melhor explicá-la cita o artigo 47 da Lei Uniforme que estabelece que “Os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma letra são todos solidariamente responsáveis para com o portador”, e a terceira que já foi até mesmo comentada no início deste trabalho, conforme o entendimento do autor em questão, consiste na possibilidade de pleitear no judiciário a cobrança de um título, podendo a parte, devidamente representada por seu advogado, ingressar diretamente com a ação executiva.

É importante ressalvar que nem sempre os títulos de crédito existiram da forma como o conhecemos atualmente. Marcilia Duarte ao traçar um histórico dos títulos de crédito, argui que eles surgiram devido à necessidade que os antigos comerciantes sentiam de obter mais segurança e rapidez nas transações. Antes não havia nem mesmo título de crédito, sendo assim, o crédito era transferido por sessão.

Utilizando por base San Martins e Willi Duarte, a autora acima citada defende que os títulos de crédito surgiram na Idade Média, em torno do século XIII.

Para facilitar o entendimento, ela apresenta a divisão do surgimento dos títulos de crédito em quatro períodos: - e assim também defendem alguns doutrinadores - período italiano, período Francês, período alemão e período moderno. No primeiro período, diante de dificuldades dentre as quais se destacavam transportes inadequados e insegurança, criou-se o “câmbio trajectício”, uma espécie de carta littera. Esta carta deveria ser levada a um corretor ou banqueiro e consistia basicamente no transporte seguro mais seguro das moedas.

No período Francês, houve o surgimento da cláusula à ordem que permite que o título possa ser passado para outro credor sem necessidade de autorização.

Ainda segundo Marcília Duarte, no período Alemão, a letra de câmbio foi passando a receber as características dos títulos de créditos atuais e o título passou a valer por si só. Já com o período moderno surgiu a necessidade de uniformização que foi alcançado com a conferência de Genebra de 1930, da qual resultou a Lei             Uniforme, que versa sobre letras de câmbio e notas promissórias.

Nesse diapasão de constante mudanças e evoluções dos títulos de créditos vale lembrar que com o advento da internet decorrente da evolução da tecnologia, surgem novos rumos para essas transações, que agora são realizadas predominantemente via boleto bancário.

2 Afinal, o Boleto bancário pode ou não ser considerado um título de crédito? 

Antes de iniciar a discussão a respeito da questão de o boleto bancário ser ou não considerado título de crédito, faz-se necessário primeiramente analisá-lo sob a perspectiva de ser um título eletrônico.

Os títulos de crédito por meio de cártulas, assim como o conhecemos vem perdendo cada vez mais espaço na conjuntura atual. As revoluções tecnológicas contribuíram para o surgimento de títulos de crédito virtuais. Fábio Ulhoa, baseado em estudos da ONU e da UNCITRAL , acredita que esses títulos são funcionalmente equivalentes aos elaborados em papel, acrescenta ainda que

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