USUCAPIÃO FAMILIAR: AS DIVERGÊNCIAS CONSTITUCIONAIS...

Por Thyciana Maria Brito Barroso de Carvalho | 05/04/2017 | Direito

USUCAPIÃO FAMILIAR: AS DIVERGÊNCIAS CONSTITUCIONAIS NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA EM RELAÇÃO À EC 66 DE JULHO DE 2010

1 INTRODUÇÃO 

A modalidade usucapião familiar surge como uma novidade na forma de usucapir, nesse sentido muitas foram as questões apresentadas pela usucapião familiar, por conta das exigências inseridas no mundo jurídico para que ocorra esta nova modalidade de usucapião. Acontece que com a nova modalidade usucapião familiar também chamada pela doutrina de usucapião conjugal, essa trouxe para o ordenamento jurídico, a partir da alteração do artigo 1.240 do código civil vigente aspectos que geraram possíveis divergências constitucionais.  

Conforme se estabelecia tal modalidade, independente da classificação, a usucapião progrediu segundo a evolução da sociedade, sob a concepção individualista, no interesse do proprietário, passando, contudo, a ser vista pela função social da propriedade. Esse novo enfoque foi concebido pela Constituição Federal de 1988 que, ao traçar uma política de desenvolvimento urbano, considerou os valores ligados os interesses coletivos, consubstanciando-os no Estatuto da Cidade.

Fica evidente que a função social da propriedade é um princípio informativo do direito de propriedade que depende de melhor e constante explicitação pelo legislador ordinário. A ideia do conteúdo fica saliente na própria expressão, porém seus limites são indefinidos e permitem interpretações não coincidentes. Diante disso, essa nova modalidade de usucapião, trazida pela a lei 12.424/2011 que trata do programa minha casa minha vida, veio modificando o artigo 1.240 do código civil, acrescentando a este o 1.240-A.

Outro ponto que merece uma atenção é a respeito de que esta nova modalidade de usucapir trouxe alguns aspectos de divergências constitucionais.  Dessa forma, a comparação com os parâmetros que a EC 66/10, já que esta trata do divórcio, tema que está intimamente relacionado com a divisão de bens dentro do direito de família será o objeto dessa pesquisa. 

2 A USUCAPIÃO 

A usucapião constitui-se como sendo uma das formas de aquisição da propriedade tanto móvel como imóvel, bem como de outros direitos reais, essa expressão surge do latim, da palavra usupapio, está relacionada a modo de adquirir pelo uso ou pela prescrição. No entanto, Farias, 2012 afirma que “a usucapião é modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos reais, pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais”. Esse instituto faz referencia à Lei das Doze Tábuas, de 455 a.C., que, como a história nos ensina, durante o seu período de vigência só tinha eficácia aos cidadãos romanos.

Porém, com a expansão do Império Romano observou-se então, a necessidade de usucapir e acabaram aperfeiçoando a usucapião, fundando assim, seus elementos e requisitos que vigoram até os dias atuais. Sendo assim, o direito romano já a considerava como um modo aquisitivo do domínio em que o tempo figura como elemento precípuo. Observa-se que o aspecto mais relevante dessa forma de aquisição está o tempo, o período em que se usufruiu o bem ao ponto de já ser possível se estabelecer a aquisição da propriedade, obter não só a posse, mas também a propriedade.  

Trazendo para o contexto histórico Brasileiro, esse se apresenta no fim do século XIX, introduzido através do direito romano, o que leva o nosso legislador a adotar em nosso ordenamento os requisitos europeus para a usucapião. O Código Civil de 1916 tinha na época um papel constitucional e a crença no individualismo, pois dava o máximo de liberdade à sociedade civil, tanto no direito privado como no direito público, ao garantir a estabilidade das relações econômicas.

O atual Código civil alterou sensivelmente a visão da propriedade privada que se tinha desde a edição  do Código Civil anterior. O novo código de 2002 é regido pelos preceitos constitucionais da função social da propriedade, um dos princípios basilares do direito de propriedade, previsto constitucionalmente. A inserção do princípio da sociedade no Código Civil de 2002 é observada na medida em que a usucapião deixou de ser apenas modo de aquisição pelo decurso do tempo ou uma ocupação simples e, passa a ser vista como ocupação social. O fato é que devemos ter clara a distinção de posse e propriedade, pois posse é o poder de fato sobre a coisa, enquanto a propriedade é o poder de direito. Segundo Rosenvald (2012), a usucapião é a ponte que realiza esta travessia entre a posse e propriedade, pois com a posse mansa e pacífica por um prolongado lapso de tempo acontecerá uma mutação jurídica sobre a relação entre o possuidor e a coisa.

Nas palavras de DINIZ, 2013, A usucapião é um “direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto assim que o transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença a aquisição por usucapião.”

O que pode ser observado de forma geral sobre a usucapião é que de fato não ocorreram muitas mudanças relevantes na legislação brasileira quanto aos requisitos tradicionais exigidos para a aquisição de bens por usucapião. O que se percebe é que as diversas alterações incidiram no tempo do período aquisitivo.

Analisando a origem e evolução do instituto percebe-se que ele vem sendo simplificado, principalmente no que tange aos prazos, cada vez menores, visando dar efetividade aos seus fundamentos. Isso é o ponto de grande importância no que tange a usucapião familiar, ou como também é conhecida a usucapião por abandono de lar. Na modalidade aqui abordada, nota-se que esta vai muito além do que previa o espírito do legislador, pois se entende que, ao invés de simplificar algumas situações, como por exemplo, o domínio do imóvel pelo consorte que foi “abandonado”, criará um impasse, como dito anteriormente, no que tange a partilha de bens, ou ainda, estará penalizando um dos consortes com a perda da propriedade em virtude da suposta “culpa”. Isso será abordado com mais precisão nos próximos tópicos deste trabalho. 

2.1 Requisitos da Usucapião Familiar 

Para Venosa, a forma de aquisição da propriedade pode se dá com a posse prolongada da coisa desde que estejam estabelecidos os requisitos legais. “A posse prolongada da coisa pode conduzir à aquisição da propriedade, se presentes determinados requisitos estabelecidos em lei”. (VENOSA, p. 182, 2007).

Para Rodrigues, a usucapião se conceitua como sendo o “modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, fixado em lei” (RODRIGUES, p. 18, 2007). Observa-se que ambos trabalham de forma clara sobre existir uma previsão legal que trata da usucapião. Para Diniz, p. 155, 2007: 

A usucapião é um direito novo, autônomo, independente de qualquer ato negocial provindo de um possível proprietário, tanto assim que o transmitente da coisa objeto da usucapião não é o antecessor, o primitivo proprietário, mas a autoridade judiciária que reconhece e declara por sentença a aquisição por usucapião. 

Com base nisso o novo proprietário por usucapião se torna o legitimo proprietário da coisa. Sabe-se que a nova modalidade da usucapião que vem sendo trabalhada neste paper, traz alguns requisitos para que possa ser possível sua aplicação, sintetizando MARTINS, 2011, este apresenta os seguintes requisitos, que: “o imóvel ter área inferior a 250 m²; ocorrer abandono de lar por um dos ex-cônjuges ou ex-companheiros; exercício de posse pela parte inocente pelo menos dois anos a partir do abandono do lar, sem oposição; a parte requerente não ser proprietária de outro imóvel urbano ou rural; a parte requerente não ter sido beneficiada pelo mesmo instituto ainda que no âmbito de outra relação afetiva”, assim ele trabalha com a possibilidade para que haja a usucapião familiar.

Para os autores Farias e Rosenvald (2012, p. 465), é importante frisar o fato de que, a metragem máxima do imóvel que se amolda a esta forma de usucapir é de 250m², e ainda, com o abandono do lar, após transcorrido o biênio, o ex-cônjuge/ex-companheiro que continuou no imóvel irá pleitear a usucapião da parte do imóvel daquele que o abandonou, ocorrida a procedência desta pretensão restará inaugurada uma nova forma de extinguir compropriedade, bem diferente das já conhecidas no ramo do direito de família. No entanto, o requisito abandono do lar vai de encontro à Emenda Constitucional nº 66 de 2010, que ao implantar o divórcio direto, aniquilou a investigação do evento culpa, quando se tratar de dissolução das relações matrimoniais, seja casamento ou união estável. 

3 OS EFEITOS DA MODALIDADE USUCAPIÃO FAMILIAR E A EC 66/10 

Conforme já visto ate aqui, entende-se que a usucapião familiar é um modo de adquirir a propriedade que de certa forma só pode ser pleiteada por apenas um dos cônjuges, pois um dos requisitos dessa nova modalidade de usucapião é o abandono do lar, sendo assim, este adquirirá a propriedade quando ele é abandonado pelo outro e mantém o imóvel para sua moradia ou de sua família, desde que o ‘inocente” não possua outro imóvel, urbano ou rural, e que o imóvel objeto da usucapião seja urbano e não superior a duzentos e cinquenta metros quadrados, bem como ser a propriedade dividida entre o casal e antes da ocorrência do abandono do lar.

Sendo assim, é aquele meio de aquisição da propriedade por um dos cônjuges que, ficou com a posse direta do imóvel, após ter sido abandonado pelo outro. Conforme a Lei prevê no artigo 1,240-A: “aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”  

Com base nesse artigo, nota-se a alteração já mencionada antes, que a partir de agora não será apenas requisito da usucapião familiar o abandono, mas também será necessário que o imóvel seja o único imóvel do casal e que o imóvel usucapido contenha até 250m². O imóvel usucapido terá que ser utilizado para a moradia do abandonado ou de sua família; que a parte inocente tenha exercido a posse por pelo menos 2 anos, contados do efetivo abandono. Um dos temas mais abordados que a usucapião familiar trouxe está relacionado à EC 66/10, que trata do divórcio. Borges Neto, 2011, faz a seguinte crítica: 

Além de acirrar indevidamente os ânimos, já abalados como fim do vínculo afetivo, pela primeira vez o final de um relacionamento terá repercussões patrimoniais diretas e servirá, tão somente, para dificultar e burocratizar os procedimentos de composição de conflitos familiares, que, nos últimos anos, vêm sendo cada vez mais simplificados (permitia-se a separação em cartório extrajudicial e, agora, após a EC 66, há o divórcio direto e livre de prazos, sem necessidade de imputação de culpa ou responsabilização pelo término da relação). 

Fazendo uma referência direta a Fernanda Martins: 

“Portanto, na posição do jurista, a disposição constitucional em sua nova versão continua não tendo nenhuma pertinência com a separação legal, à qual agora nem ao menos faz referência, prevista aquela como sempre esteve, de forma autônoma e exclusiva regulada na legislação ordinária. Em que pese sustentar essa posição, o autor explica que a redação da Emenda Constitucional n.º 66/10 foi tão deficiente que instalou uma indesejável e inconveniente divergência interpretativa a respeito da extinção da separação judicial, falhando o legislador ao elaborá-la, pois carente de necessária clareza.”( MARTINS,2012)

 

Ocorre que tal modalidade traz para o direito de família uma discussão que já se perfaz resolvida pela EC 66, o abandono do lar não subsiste mais no Direito de Família, pois, o art.1.573 do Código Civil, foi revogado pela EC 66/2010, na qual se entendeu que não há culpa pela dissolução da sociedade conjugal e, portanto, não poderá sofrer sanção patrimonial, pois essa modalidade de certa forma prevê a aquele que abandonou o lar, independente do motivo, caracterizando assim uma responsabilidade objetiva, a perda do bem, o que se apresenta como uma possível sanção patrimonial.

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