Uso e ocupação do solo pelo homem: natureza racional humana, ciência e ética

Por Cristiane Queli da Silva Gallo | 23/07/2012 | Ambiental

Uso e ocupação do solo pelo homem: natureza racional humana, ciência e ética.

 

Cristiane Queli da Silva Gallo[1]

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Uso e ocupação do solo pelo homem; 3. Natureza racional e agir ético; 4. Fatores para a manutenção das condições de vida no solo; 5. Monocultura, pragas e a interferência humana; 6. Considerações Finais; 7. Referências.

 

 Palavras-chaves: relação do homem com a terra; solo e o alimento; segurança alimentar; alteração do meio por práticas ambientalmente danosas; agricultura sustentável; desenvolvimento agrícola; produção de alimentos.

 

 

  1. 1.      Introdução

Este trabalho pretende abordar a relação do homem com a terra, desde os nômades até a sociedade contemporânea. A racionalidade humana, ciência e a ética são colocadas em xeque nessa intrincada relação homem-solo-alimento. Sob a influência do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, foca-se o uso sustentável da terra.

O homem se diferencia do animal por sua racionalidade.

Sendo o homem um ser racional e criador, o conhecimento apreendido deveria influir em sua atividade criadora, tanto no plano físico, assim como no desenvolvimento científico, em sua interação com a natureza e com o mundo.

Curioso e sagaz desenvolve novas formas para se relacionar com a terra, dela extraindo não apenas o alimento, mas a sua atividade econômica. Há que se refletir sobre a relação de sobrevivência inclusive dos não camponeses, pois embora não participem da cadeia de produção alimentar, dela depende a sua existência.

Interessa-nos refletir sobre a segurança alimentar.

A marginalização histórica do pequeno agricultor contrasta com a relevância da agricultura familiar para a segurança alimentar da população e com a sua potencialidade para gerar atividade produtiva e renda para uma inclusão cidadã.

Interessa-nos refletir sobre o desenvolvimento econômico-sustentável includente.

Será discorrido neste texto a prática da agricultura familiar, seus componentes históricos e a sua importância para prática da policultura, que se opõe à produção massificada vinda do agronegócio.

Por outro lado, o uso do solo como atividade econômico-produtiva preponderante potencializou o uso desregrado do solo, num movimento contínuo e frenético, de destruição e de dominação econômica. Ao buscar a eficiência na produção de gêneros alimentícios, a ciência desenvolveu métodos devastadores, com consequências danosas para além da produção, para além da região e para além da geração.

Este artigo aborda o uso racional da terra, o avanço e o retrocesso da interação entre o homem e o solo.

Interessa-nos abordar aqui o movimento migratório dos povos nômades, os motivos que os impeliam a migrar e as razões que os fizeram ficar. Nessa abordagem dois pontos marcantes se destacam: a agricultura e o surgimento das cidades.

A complexidade dessa relação evoca o uso sustentável da terra.

DESENVOLVIMENTO

  1. 2.      Uso e ocupação do solo pelo homem

No início a ocupação do solo pelo homem era despida do conceito de propriedade, tampouco a exploração da terra motivava a fixação do homem em determinado lugar, isso porque o homem não relacionava o uso da solo com benefícios perenes ou de cultivo contínuo.

O uso da terra não estava associado ao plantio de alimentos, mas sim ao uso dos recursos naturais, à caça e à pesca para a satisfação de suas necessidades essenciais e prementes.

Na origem, o processo de desenvolvimento do homo sapiens sapiens desconheceu a propriedade privada. A riqueza estava justamente nas distintas relações entre o ser humano e a natureza.

Até o Período Paleolítico, ou período da pedra lascada, o ser humano era nômade, vivia e disputava as cavernas com outros animais, alterando constantemente os locais por onde habitava, como forma de garantir a subsistência de seu grupo. Os povos nômades eram essencialmente caçadores e coletores e a escassez de alimentos em uma região determinava a mudança do grupo para outros locais.

Foi somente no Período Neolítico que o homem passou a se fixar num determinado lugar e a interagir com o meio para dele extrair sua subsistência. É desse período a chamada Revolução Neolítica, onde houve o desenvolvimento da agricultura, vindo a ser conhecida a domesticação da plantação. O homem, segundo os recursos e conhecimentos da época, iniciou o processo de conhecimento agrário, descobrindo quando e onde unir a semente e a terra para colher frutos.

Com a intensificação processo migratório do homem, bem como o descobrimento de novas terras e a colonização europeia, teve início a inserção e o intercâmbio de espécies exóticas da flora e da fauna entre as mais distantes regiões. Sucessivamente, houve a domesticação do plantio para a produção massificada de alimentos e outros gêneros cultivados.

Curioso notar que a agricultura permitiu não só que o homem se fixasse em determinado lugar, como também contribuiu fortemente para o surgimento de povoados e cidades, reduzindo ou promovendo o movimento migratório para fixação de grupos em determinado território.

Com o passar do tempo, a terra, antes utilizada coletivamente, transformou-se em mercadoria passível de posse, objeto de transações de compra e venda, independentemente do uso e finalidade pretendida. Transformações sociais impulsionam medidas drásticas para ocupação privada da terra. Exemplo dessa apropriação do solo são os “enclosures” ingleses e as “sesmarias” portuguesas, constituindo marcos na história da propriedade do solo.

Na Inglaterra do século XVII, a terra era de domínio comum para a produção agrícola camponesa, mas com o avançar da atividade mercantil agrícola, eclodiu os “enclosures” que nada mais eram que os cercamentos dos campos pela classe feudal dominante e a expulsão dos camponeses. A apropriação da terra era autorizada pela coroa britânica para a criação de ovelhas e para o plantio de algodão nas áreas esbulhadas. Essa produção abastecia a indústria têxtil.

Os enclosures provocaram o êxodo rural, com os camponeses migrando para a cidade na busca de trabalho, fazendo nascer uma população proletariada, marginalizada e garantindo a mão-de-obra barata para as fábricas. Como consequência, a burguesia se capitalizou, pelo que se atribuí, em grande parte, aos cercamentos, a Revolução Industrial.

O êxodo rural trouxe os inconvenientes para o população urbana, carente de infraestrutura para a acréscimo populacional verificado com a migração dos campesinos. Tal ocorrência se repete ainda nos dias atuais, sendo causa de agravamento das condições não favoráveis de saneamento básico e de infraestrutura nas cidades.

Outro exemplo de apropriação do solo foi dado pelos portugueses, que criaram a “sesmaria” sistema no qual distribuíam terras para garantir a produção de alimentos. Em terras portuguesas a Lei das Sesmarias passou a ser utilizada a partir de 1375 e delegava aos particulares a terra em troca da produção agrícola. Foi com o uso dessa estratégia que Portugal enfrentou a peste negra, a crise agrícola e econômica que assolava a Europa.

Com a descoberta e colonização do Brasil, o Estado Português, preocupado em garantir seus suprimentos alimentares, utilizou o mesmo sistema da sesmaria, distribuindo terras no Brasil, mas em troca, a Colônia exigia a produção agrícola. Se o beneficiário não produzisse em determinado prazo, a posse da terra poderia ser cassada. Com a sesmaria os Portugueses garantiram os alimentos e o plantio de cana-de-açúcar, esta, até então, era espécie exótica em terras brasileiras. Esse sistema também foi determinante para o povoamento do solo brasileiro.

Os enclousures e as sesmarias são exemplos da privatização da terra com o intuito de estimular a produção de alimentos.

Essa privatização fundiária foi repetida posteriormente, sob formas variadas, e bem demonstram o desenvolvimento do regime privatista estabelecido pelo homem com a terra, que lhe dá o alimento, passando da fase da colheita de auto-subsistência, para a troca e a produção destinada ao abastecimento da população. Com o decorrer do tempo, houve o incremento da mercantilização da atividade agrícola, proporcionando ganhos em escala ao produtor rural.

Vê-se claramente que a origem da agricultura mostra não só a primária relação do homem com a terra para a sua subsistência, mas também o povoamento de regiões, isso porque houve a interrupção do ciclo migratório dos nômades, sendo o solo determinante nesse fenômeno social vez que o cultivo do solo produziu o alimento para a subsistência da espécie, evitando os constantes deslocamentos para novos lugares na busca de alimento.

O solo fértil é a garantia da existência humana, de sua segurança alimentar.  Não há existência sem alimento, logo, não há sobrevivência sem a terra fértil.

A falta de consciência do homem no trato com o solo que o abastece é um paradoxo.

O desenvolvimento de uma espécie viva  no ambiente depende do bioma onde se encontra, ou daquele onde se pretende instalá-la. Sendo os recursos naturais existentes no meio ambiente finitos, para o desenvolvimento do plantio há objeções de tempo, modo e espaço, como por exemplo, de temperatura, umidade, nutrientes do solo, para o fruto na terra germinar, desenvolver, se multiplicar e ser consumido. O fator limitante formado pelas características locais é elemento real para a extinção das espécies vivas. Assim como o equilíbrio ecológico garante a perpetuação das espécies de fauna e flora.

Como tais fatores podem ser criados ou impulsionados pelo homem, os recursos naturais devem ser utilizados de forma racional e equânime, para atender as necessidades das presentes e das futuras gerações.

No transcorrer da história humana e da agricultura, impulsionados pela intrínseca conexão do homem com a terra para a produção alimentar, o solo - ou a propriedade rural no sentido que hoje lhe assimilamos -, foram apropriados para uso e benefício particular, consistindo na mola propulsora para a atividade agrícola mercantilizada.

O movimento migratório do homem, o descobrimento de novas terras e a colonização foram os responsáveis pela inserção de espécies exóticas e pelo intercâmbio de práticas tradicionais para o plantio e para a produção dirigida de alimentos e outros gêneros cultivados.

A agricultura exerceu papel preponderante na história da humanidade, não apenas pela segurança alimentar que ela proporciona, mas também por ser a mola propulsora de revoluções e práticas ainda existentes em alguns modelos de produção de alimentos.

Infelizmente, advém desse contexto histórico a marginalização e o subaproveitamento do pequeno produtor rural, especialmente daquele mais vulnerável, que utiliza sua família como força de trabalho, e, embora conte com parcos recursos para o aprimoramento de sua produção, é o garantidor, já há séculos, da policultura que enriquece o solo e do abastecimento alimentar da população.

 

  1. 3.      Natureza racional e agir ético

O homem é o único ser capaz de transformar conscientemente a natureza. Tal transformação revela-se num movimento contínuo de auto-destruição.

Numa visão individualista e míope, não raras vezes o homem age como se não dependesse dos recursos naturais para sobreviver, manejando-os egoisticamente para a satisfação de seus interesses. No uso da terra, a produção massificada contextualiza esse interesse, aviltando a natureza para o incremento da produção. Com práticas lesivas, o homem parece ter perdido a capacidade de prever a destruição da terra.

O agir ético do ser humano deveria se harmonizar com a sua natureza racional, do traço que o diferencia dos outros animais. Mas, reiteradamente, vemos que a ciência, travestida de um racionalismo prepotente, revela a arrogância do ser humano vez que ele acredita tudo poder. Sem atentar aos limites, a destruição é notória.

Por conta de algumas intervenções na natureza ou mesmo pela notória falta de consciência do poder transformador de  ações ou descasos, parece que vivemos ainda na idade da pedra, na era Paleolítica, como se a destruição de um lugar fosse facilmente superada com a migração para outro local, iniciando aí um novo processo exploratório dos recursos naturais.

Sendo o homem um ser racional e criador, o conhecimento apreendido deveria influir em sua atividade inventiva, tanto no plano físico, assim como no desenvolvimento científico e da ética, o que traria a inovação, mas dentro de parâmetros sustentáveis.

Atualmente chega às raias da banalização o discurso para o uso sustentável do meio ambiente. Embora estejamos carentes de ações protetoras mais efetivas, há que se cuidar para que o discurso para a proteção ambiental não caia na vala da inconsistência, onde, por ser de rasa argumentação, poucos efeitos projeta. A alavanca há de vir da consciente ação transformadora, da repetição de hábitos sustentáveis, pois tudo que se faz mais, se faz melhor.

A não inversão do processo destrutivo do meio e de emissão dos gases causadores do efeito estufa trará rapidamente o fim da vida digna no planeta. Trará a primavera silenciosa, onde o campo, embora possa estar visualmente verde, estará desabitado da flora e da fauna pela destruição do equilíbrio ecológico. Um lugar onde não se ouve o canto dos pássaros. Embora possa parecer trágico, essa visão apocalíptica é perfeitamente possível se não houver a inversão do comportamento de destruição ambiental.

Tudo levaria a crer que a interação do homem com o solo privilegiaria o movimento antropocêntrico, sob o viés da manutenção das condições da vida terra. Mas, a estes valores, sobrepõem-se interesses mesquinhos e irracionais.

Embora não possa ser olvidada a destruição dos recursos naturais, credita-se à nova geração uma atuação mais consciente e preservadora para com a natureza, isso porque as crianças de hoje recebem, pelo menos da escola e da mídia, uma carga muito expressiva de informações para uma vida mais sustentável. Não raras vezes somos tomados por cenas cotidianas onde os filhos repreendem os pais por ações ambientalmente incorretas.

Por isso, ações para a conscientização ambiental são fundamentais para se preservar o solo e seus recursos para assegurar a produção de alimentos, afastando os riscos da crise alimentar, para preservação do equilíbrio ecológico, pois a intromissão num sistema altera todo o meio. Não podemos nos dar ao luxo de acreditar que a ciência pode tudo e por essa equivocada crença nos entregar à práticas não seguras à manutenção da vida digna na terra.

  1. 4.      Fatores para a manutenção das condições de vida no solo

Fatores como água, solo fértil, extensão territorial com biomas diversos, clima, pesquisas científicas, entre outros, têm contribuído para o Brasil ser um dos principais atores mundiais na produção de alimentos. Mas para a manutenção da biodiversidade, a prática da policultura - diversidade de culturas e modos de produção - é essencial. E quem afiança essa produção múltipla é a agricultura camponesa, também conhecida como familiar ou de pequeno porte.

É também na diversidade da agricultura camponesa que se instala os povos e comunidades tradicionais (PCTs), definidos como povos culturalmente diferenciados, com formas próprias de organização e produção agrícola que tanto enriquece a produção de gêneros agrícolas.

Segundo SANTILLI, o conceito de “agricultura familiar” surgiu no Brasil nos anos 1990, com base num conjunto de estudos e pesquisas que procuraram avançar, conceitual e metodologicamente, em relação ao conceito de “pequena produção rural”. Indica-se como uma das principais inovações desse estudo o desenvolvimento do conceito de agricultura familiar baseado não sobre o limite máximo de área cultivada ou de valor de produção da unidade familiar, mas com base em suas relações sociais de produção.

Infere-se nesse particular a relevância das relações sociais e tradicionais na produção agrícola, a funcionar como alavanca para o desenvolvimento social e econômico de grupos historicamente marginalizados.

Latente é a importância da agricultura familiar na segurança alimentar, como agente propulsor da produção diversificada, em oposição à monocultura imperante no agronegócio, como também responsável pela alavanca na redução de desigualdades sociais com a geração de emprego e renda mediante uma produção ambientalmente sustentável.

  1. 5.      Monocultura, pragas e a interferência humana

Os métodos empregados para a produção em massa com o uso de novas técnicas são direcionados ao agronegócio já que estimulam a mecanização agrícola, o uso de fertilizantes e agrotóxicos, a utilização de sementes modificadas geneticamente, resistentes à pragas e outras intempéries para aumentar a produção, entre outros.

Entretanto, a produção em massa de gêneros alimentícios e commodities não contribuem para a redução da fome e da pobreza, tampouco garante as condições do solo e da biodiversidade do meio.

A agricultura familiar, que dispõe de meios e formas próprias de produção, é a realidade minoritária que convive (ou tenta sobreviver) nas brechas do agronegócio. Este, por sua vez, só consegue sobreviver a partir da existência de pequenos bolsões de agricultura de pequeno porte, que limitado pelo agronegócio, produz artigos alimentícios suficientes para diminuir a necessidade de importação, possibilitando a existência do agronegócio monocultor e o superávit do setor. 

Embora seja alto o índice de exportação agrícola no país, o modelo de produção adotado não é capaz de absorver mão de obra e de gerar grandes quantidades de emprego, fato que impede o desenvolvimento rural positivo e sustentável e acaba por esvaziar a zona rural.

Por outro lado, as condições de emprego, com expressiva informalidade no campo - quando não em trabalho escravo e infantil -, ainda são muito ruins e incapazes de gerar grandes reduções dos índices de pobreza. Há, portanto, uma lacuna entre o crescimento do agronegócio e as condições de vida e de desenvolvimento das pessoas e da estrutura no campo. Só com a geração de renda e de mão de obra qualificada estaremos promovendo a revolução cidadã, permitindo o efetivo acesso material e financeiro ao alimento.

Os problemas ambientais gerados, em sua grande maioria, pela expansão exagerada e desordenada das plantações de soja junto a rios, lagoas e florestas; o desmatamento de regiões da fronteira com a Amazônia para implantar pastagens visando desenvolver a pecuária; além das novas pragas surgidas -  tal como a ferrugem asiática, em função da persistente atividade monocultora e o uso excessivo de pesticidas que poluem os solos e as águas - formam um conjunto de fatores que denigre o solo, limita o desenvolvimento da agricultura e da própria segurança alimentar.

 

  1. 6.      Considerações finais

 

Ações efetivas de educação e consciência ambiental são fundamentais para a inversão desse cenário, mas é preciso cuidado para não balizar esse discurso, ou de entregá-lo a interesses não solidários e fraternos.

A segurança alimentar é tema atual e recorrente, debatido sob o viés da crise advinda da produção homogênea, mas ao aprofundar sobre o tema, outras matizes são reveladas, como por exemplo, a inclusão social e a geração de renda.

Nenhum país será economicamente estável se não adotar políticas para impulsionar a oferta abundante de alimentos. Os países desenvolvidos adotaram essa estratégia, conjugando a geração de renda para a aquisição de gêneros alimentícios, a regulação do Estado para a produção agrícola e a construção de uma infraestrutura adequada para o escoamento da produção. Adiciona-se a esses critérios políticas ambientalmente adequadas para a garantia do solo fértil, da germinação da semente e da cadeia sustentável que trará o alimento.

A agricultura familiar é a principal responsável pela policultura, a garantir a produção diversificada de alimentos, em oposição à produção em massa resultante do agronegócio.

Embora não seja o único fator determinante, a policultura é essencial para garantir a segurança alimentar.

É imperativo o apoio financeiro e técnico, por nossos governantes, como forma de garantir a segurança alimentar, mas também de romper a história de exploração e marginalização que marcou o desenvolvimento da agricultura camponesa no Brasil e no resto do mundo.

A formalização da mão de obra rurícola gera renda, eleva o nível de vida do trabalhador rural e de sua participação na economia. Proporciona dignidade e inclusão cidadã. Mais renda, mais emprego e maior desenvolvimento da economia.

O desenvolvimento sustentado da agricultura familiar gera impacto na inversão do êxodo rural e dos problemas decorrentes no aumento do contingente habitacional urbano.

Segurança alimentar é conceito que contém os pilares da sustentabilidade: social, econômico e ambiental.

A fome é um estado que exige ações imediatas, pois é atual, premente, urgente. O homem faminto, subnutrido e sem recursos materiais para suprir suas carências alimentares, tem arranhada a sua dignidade.

A fome não espera. A preservação da vida e da sua dignidade não se compatibiliza com a espera de dias, meses, anos ou outros critérios que possam retardar a efetiva adoção de medidas no combate ao estado famélico de um expressivo contingente humano.

Um dos principais fatores que geraram o fluxo migratório campo-cidade foi a alteração do modelo hegemônico de produção agrícola. A agricultura tradicional foi substituída pela moderna, concorrendo para isso a crescente capitalização da agricultura e a expansão da agroindústria.

A inversão ou, minimamente, o equilíbrio na estrutura produtiva agrícola do país e a estruturação das condições de vida no campo são fatores que, se cumulados e concomitantes, podem, além de se reverter positivamente na economia agrária do país, reduzir os problemas de superlotação das cidades.

O número de famintos só irá diminuir quando promovermos a inclusão social e econômica da população pobre, de forma que sejam economicamente ativas e ostentem renda suficiente para comprar alimentos, caso contrário, serão mantidas medidas paliativas, insuficientes  para elidir o estado premente, mas incapazes de promover verdadeiramente a segurança alimentar.

Segurança alimentar é conceito que contém os pilares da sustentabilidade: social, econômico e ambiental. Um não existe sem o outro. Ainda, perpassa a questão os problemas fundiários e econômicos que historicamente assolam a população compesina, bem como o indispensável incentivo econômico ao pequeno produtor.

As condições ambientalmente adequadas do solo para a produção hígida e o apoio à agricultura familiar podem fazer a diferença  para a produção de alimentos, erradicação da pobreza e da fome. Entretanto, sem ações de inclusão social e econômica da população campesina, com geração de renda para aquisição de gêneros alimentícios em quantidade suficiente, ainda estaremos muito distantes da promoção do verdadeiro acesso aos alimentos para uma dieta adequada e uma vida saudável.

 

Referências

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[1]    Mestranda em Direito Difusos e Coletivos pela PUC/SP; Professora da Fundação Getúlio Vargas – FGV; Pós-graduada em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela PUC/SP; Especialista em Relações de Consumo pela PUC/SP; cristiane.queli@fgv.br; Advogada.