UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: da transcendência da lei ao alcance de uma efetiva proteção jurídico-ecológica
Por Raissa Cristina Lindoso Oliveira | 29/11/2014 | DireitoUNIDADES DE CONSERVAÇÃO: da transcendência da lei ao alcance de uma efetiva proteção jurídico-ecológica [1]
Mikaelle Kaline Santos de Sousa
Raíssa Cristina Lindoso Oliveira [2]
SUMÁRIO: Introdução; 1 Unidades de Conservação e a inobservância de sua proteção jurídica; 2 Rio Preguiças e o descaso frente à sua proteção jurídica; 3 Educação ambiental: das políticas públicas ao alcance de uma nova perspectiva educacional; Considerações Finais; Referências.
RESUMO
O presente paper tem como objetivo abordar o descaso frente à proteção jurídica das Unidades de Conservação, levando em conta a ineficácia das práticas de educação ambiental nos locais impactados por diversos empreendimentos. Para tanto, será necessário ressaltar a importância da difusão de medidas socioeducativas em prol do desenvolvimento sustentável. Será analisado, no caso concreto, a situação irregular da instalação de imóveis à margem do Rio Preguiças – sendo esta uma área de preservação permanente localizada na zona de amortecimento do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, importante unidade de conservação do Estado. Por fim, há que se considerar a importância da implementação de efetivas políticas ambientais que tenham o condão de minimizar os danos ao meio ambiente.
PALAVRAS-CHAVE
Unidades de Conservação. Educação Ambiental. Rio Preguiças. Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
INTRODUÇÃO
As unidades de conservação possuem papel fundamental para a preservação e proteção jurídico-ecológica dos ecossistemas, além de garantir o uso sustentável de seus recursos. A proteção dessas áreas determinadas leva em conta a sua relevância natural, onde limites são necessariamente impostos em prol de uma boa gestão da unidade de conservação e de sua vinculação com o desenvolvimento sustentável.
No entanto, o descaso frente a essa proteção jurídica pode ser observado com a presença cotidiana de vários empreendimentos economicamente viáveis, mas profundamente impactantes ao meio ambiente. Esse comportamento alheio do homem às questões ambientais implica em sérias crises culturais e sociais caracterizadoras da contemporaneidade e até mesmo agrava a qualidade de vida das pessoas. O exercício da cidadania está sendo deixado de lado juntamente com a proteção dessas áreas de grande relevância ecológica.
A partir dessas considerações, o presente paper irá abordar sobre a necessidade de interferência dos indivíduos nessa questão ambiental, sendo os mesmos participantes ativos de programas ambientais educacionais que minimizem as barreiras entre homem e natureza. O reajuste nos comportamentos individuais, bem como a promoção gradual do sentimento de solidariedade, respeito e desenvolvimento sustentável são meios podem fortalecer a idéia de preservação do meio ambiente.
1 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E A INOBSERVÂNCIA DE SUA PROTEÇÃO JURÍDICA
As unidades de conservação, dessa forma, são protegidas juridicamente como forma de promover a sustentabilidade de determinado espaço natural e manter o equilíbrio ecológico, até mesmo diante de sistemas vivos com risco de extinção. O descaso do homem, no entanto, reflete o desrespeito dessa proteção e sua petrificação apenas no que está escrito em papel, não havendo um acolhimento da lei na realidade.
A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei do SNUC), em seu art. 4º, elenca os objetivos da criação das unidades de conservação. A rica biodiversidade e o conteúdo ecológico das áreas protegidas, bem como o enfoque do desenvolvimento sustentável, que expõe a necessidade de conjugação dos interesses da população com a integridade do patrimônio ambiental natural são considerações diretamente ligadas aos objetivos do SNUC (MILARÉ, 2007, p. 655).
Diante disso, a educação ambiental é tida como pressuposto para a constituição dos conselhos de Unidades de Conservação, visto que é a educação que promove uma efetiva implementação na gestão dessas Unidades e na preservação dos bens naturais. Como bem explicitam Loureiro e Cunha (2008),
[...] A criação de espaços democráticos nessas áreas protegidas é fundamental para que a participação e o controle social estejam presentes nesse espaço de gestão que, por definição, representa interesses em disputa e situações de conflitos. Por essa razão, apontamos a educação ambiental crítica e emancipatória, assumida na proposta de educação no processo de gestão ambiental, como um caminho possível para quem atua na constituição dos conselhos de Unidades de Conservação, uma vez que esta pressupõe a busca da autonomia dos grupos sociais envolvidos e o justo acesso à base vital e natural [...] (CUNHA; LOUREIRO, 2008, p. 250).
Segundo Layrargues (2002 apud LOUREIRO; CUNHA, 2008) a educação no processo de gestão ambiental consiste na instauração de acordos entre os agentes sociais (que devem exercer e construir sua cidadania) por meio da participação ativa nos debates e na tomada das decisões. Assim, com a intervenção dos diferentes grupos e instituições sociais na solução de conflitos desse processo, os mesmos podem ser mediados democraticamente, com a tarefa prioritária de promover uma educação ambiental.
É válido afirmar que a superação do quadro atual de degradação do meio ambiente pode ser mais gradualmente alcançada tendo em vista a gestão ambiental nas unidades de conservação. Deve-se buscar a proteção efetiva por meio de uma sólida proposta de educação na gestão daquelas, com vistas à participação de toda uma coletividade na busca de solução de um conflito e de suas contradições. Ainda de acordo com Loureiro e Cunha (2008) devemos “ajustar os nossos comportamentos para garantir o bom funcionamento da sociedade e a harmonia com a natureza” (LOUREIRO; CUNHA, 2008, p. 241).
Apesar das normas jurídicas, existem diversas condutas humanas que violam a lei e desrespeitam significativamente a proteção dada a determinadas áreas, alterando o equilíbrio ecológico do meio ambiente. Em especial, temos no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, uma área de preservação permanente no perímetro do Rio Preguiças, que está sendo alvo da ilimitada atuação humana.
2 RIO PREGUIÇAS E O DESCASO FRENTE À SUA PROTEÇÃO JURÍDICA
Uma grande demonstração de desrespeito ao meio ambiente vem ocorrendo no entorno do Rio Preguiças, em Área de Preservação Permanente (APP), situada em zona de amortecimento do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Mansões e pousadas de luxo vêm sendo construídas irregularmente às margens do rio, provocando alterações no curso deste e danos à vegetação e à fauna local. A pedido do Ministério Público Federal do Maranhão, a Justiça Federal decretou, em 2009, a demolição de nove dessas construções irregulares.
Em 2004, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Gerência Regional de Patrimônio da União (GRPU), atendendo a requisição do MPF, realizaram a Operação Rio Preguiças, que identificou 82 empreendimentos construídos à margem direita do rio Preguiças até a praia do Caburé, e todos apresentaram desconformidades com a legislação ambiental vigente no país. Posteriormente, o MPF/MA propôs ações civis públicas contra os proprietários dos imóveis pedindo à Justiça Federal a demolição das construções e a recuperação das áreas degradadas. Em agosto do ano passado foi realizada inspeção judicial no Parque dos Lençóis pelo MPF/MA, a Justiça Federal, Ibama e a Advocacia Geral da União (AGU), para verificar elementos que comprovassem, ou não, que as mansões foram erguidas em área de proteção ambiental, o que foi confirmado no relatório da inspeção. [...] O juiz José Carlos Madeira, autor da sentença, determinou que após a demolição dos imóveis os proprietários, [...] devem apresentar projeto de recuperação da área degradada ao Ibama, com cronograma de recuperação a ser definido pelo órgão ambiental, a fim de revitalizar o ecossistema ao seu estado natural. (PROCURADORIA DA REPÚBLICA DO MARANHÃO, 2009)
Apesar da mobilização do Ministério Público Federal e da Justiça Federal em prol da proteção da área, os empreendimentos permanecem no local graças a recursos judiciais acionados pelos proprietários. Vale ressaltar também que, atualmente, o órgão responsável pela tutela administrativa do Parque Nacional dos Lençóis é o Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) e Paulo Carneiro, o coordenador de proteção ambiental deste órgão, admitiu em entrevista ao Fantástico – Rede Globo (2011) – que a fiscalização no local é falha, decorrente do número restrito de agentes, que acabam por atender demandas prioritárias.
A partir do exposto, é pertinente a análise de outro viés da questão: a acomodação e/ou descaso da população local diante da evidente agressão ambiental, apesar do ecoturismo ser sua principal fonte econômica – o que deveria provocar o primordial interesse na proteção e manutenção de tais recursos naturais. Esse fato tem como provável precursor, a falta de conhecimento dessa população acerca do ordenamento normativo ambiental e das possíveis ações danosas ao meio, ou seja, a deficiência de políticas governamentais de educação ambiental.
Bravo-Torija, Eirexas e Jiménez-Aleixandre (2008, p. 191) afirmam que a educação ambiental pretende levar ao cidadão a capacidade de conhecer e refletir sobre as conseqüências que determinadas ações e comportamentos têm sobre o meio em que vivem. Ademais, essa educação promoveria uma conscientização no sujeito, de modo a incentivá-lo a atuar proativamente, a fim de resolver situações-problema e exercer reflexões críticas dos fatos. Isso teria como conseqüência a gradual modificação dos modos de pensar e agir dos indivíduos, promovendo uma responsabilidade ecológica coletiva.
Dessa forma, percebe-se que a inserção de políticas de educação ambiental – principalmente em comunidades que se sustentam pela “exploração sadia” do meio – é de extrema importância para o desenvolvimento efetivo da tutela e proteção ambiental. A população, quando instruída e conhecedora das melhores formas de conservação e do que danifica gravemente os ecossistemas, poderia agir com maior eficácia, em comunhão com o Estado, a fim de manter um ambiente equilibrado e denunciar aqueles que agirem contra a lei ambiental vigente.
Considerando que no Brasil a fiscalização é ineficiente pelo número reduzido de agentes, essa seria uma boa medida de reparação: educar os cidadãos para que estes pudessem ser os fiscais colaboradores do Estado, de forma que a comunicação entre população e órgão ambiental fosse prática e acessível, queixas sobre irregularidades pudessem ser feitas facilmente e sanadas com maior agilidade.
3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AO ALCANCE DE UMA NOVA PERSPECTIVA EDUCACIONAL
Por meio de uma perspectiva jurídico-constitucional é possível perceber o espaço obrigatoriamente reservado para a proteção do meio ambiente e o conflito constante causado pela atuação inconseqüente do homem nessas áreas naturais protegidas. Entra em foco, então, a questão da existência de práticas sociais, que somadas à implementação de políticas de educação ambiental efetivas, poderiam minimizar consideravelmente o quadro preocupante de degradação no meio ambiente. A transformação social, dessa forma, poderia ser alcançada por meio de uma mudança na conduta do homem vinculada a uma nova perspectiva de educação ambiental, o que mudaria o estado de degradação dessas áreas juridicamente protegidas.
A educação ambiental, portanto, assume uma função social transformadora à medida que vincula o desenvolvimento sustentável ao sentimento de cidadania por parte das pessoas. De acordo com Pedro Jacobi (2003) o exercício da cidadania por meio da co-responsabilização dos indivíduos é fundamental para que aquele desenvolvimento seja alcançado. O autor afirma ainda que uma nova ética e valores morais são importantes para que haja uma relação sadia entre homem e natureza, além de encarar a educação ambiental como condição necessária para minimizar os impactos da degradação socioambiental.
Diante da crise ambiental gerada pela atuação ilimitada do homem – o que acarretou, também, nas crises cultural e social na humanidade – foi crescendo tardiamente a idéia de desenvolvimento e sustentabilidade, o que marcou a necessidade de por fortes limites no desenvolvimento econômico contemporâneo. A carência de proteção jurídico-ecológica e a ineficácia daquilo que está postulado na lei quanto ao meio ambiente, faz surgir uma ampla e séria discussão sobre educação ambiental, na Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, bem como a elaboração de princípios que norteassem aquela educação (LEFF, 2008, p. 237).
De acordo com Enrique Leff (2008) os princípios que orientam a efetiva aplicação da educação ambiental se resumem à consolidação gradual de uma nova ética ambiental e ao estabelecimento de uma reformulação do saber e uma reconstituição do conhecimento. Dessa forma, o comportamento social seria modificado, o que vincularia a conduta humana ao sentimento de sustentabilidade ecológica e equidade social.
Como resposta à emergência da questão do meio ambiente, vários programas de formação ambiental foram criados, sendo mais eficazes, entretanto, nos avanços teóricos e de pesquisa. Leff (2008) afirma que a transição do pensamento para que esses programas - que tem como objetivo a educação ambiental – sejam conduzidos efetivamente, além de não ser fácil, implica na integração de técnicas e conhecimentos ao processo de autoformação e formação das pessoas (LEFF, 2008, p. 239-240).
Nesse contexto, as políticas públicas em educação ambiental implicam em uma participação democrática da população, onde cada indivíduo exerce seu direito de ter o meio ambiente como patrimônio universal e seu dever de respeitá-lo e preservá-lo. A questão ambiental no âmbito político exige a participação ativa do Estado e dos indivíduos no debate e nas decisões, com o objetivo de solucionar conflitos que atingem a toda uma coletividade. As instituições devem ser atuantes no processo educativo, que deve ser realizado com a comunidade, a fim de que a vivência do ensino seja posta em prática no caso concreto (MILARÉ, 2007, p. 505).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É de clara notoriedade a correlação entre os temas “Unidades de Conservação” e “Educação Ambiental”, pois no decorrer do presente estudo ficou perceptível a ligação entre a eficácia da função do primeiro e a consequente implementação correta do segundo. O Estado não conseguirá a plena proteção e conservação das Unidades se a sociedade não agir cooperativamente para esse fim.
Nesse contexto, é imprescindível que políticas de educação ecológica e ambiental sejam aplicadas concretamente aos cidadãos, através de publicidade convidativa e incentivadora, promovendo a conscientização sobre a importância do cuidado com o meio ambiente e criando medidas que fiscalizem e combatam os danos às áreas protegidas.
Através dessa forma de política ambiental, se executada com seriedade, será muito mais fácil evitar a ocorrência de desrespeitos ao ambiente e à lei, como o caso das construções à margem do Rio Preguiças, explanado anteriormente. Assim, a sociedade poderia gozar de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, consoante as garantias fundamentais da Constituição Federal.
REFERÊNCIAS
BRAVO-TORIJA, Beatriz; EIREXAS, Fins; JIMÉNEZ-ALEIXANDRE, María Pilar. Educação para a sustentabilidade: a gestão de recursos do mar. Alexandria Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, Santiago de Compostela, Espanha, v.1, n.1, p. 191-208, mar. 2008. Disponível em: < http://alexandria.ppgect.ufsc.br/numero_1/artigos/BRAVO.pdf >. Acesso em 22 out. 2011.
CUNHA, Cláudia Conceição; LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Educação ambiental e gestão participativa de unidades de conservação: elementos para se pensar a sustentabilidade democrática. Ambiente e Sociedade, Campinas, v. XI, n. 2, p. 237-253, jul.-dez. 2008. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/asoc/v11n2/v11n2a03.pdf>. Acesso em: 23 out. 2011.
FANTÁSTICO – GLOBO. Curso de rio é desviado para decorar sala de mansão. Brasil, 31 jul. 2011. Disponível em: < http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUL1668884-15605,00.html>. Acesso em: 22 out. 2011.
JACOBI, Pedro. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 118, p. 189-205, mar. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/n118/16834.pdf>. Acesso em: 23 out. 2011.
LEFF, Enrique. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável. In: ______. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. 6. ed. Petrópolis,RJ: Editora Vozes, 2008. cap. 17, p. 236-252.
MILARÉ, Édis. Espaços Territoriais Especialmente Protegidos em Sentido Estrito (Stricto Sensu). In: ______. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência. Glossário. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. Título VII, cap. I, p. 651-690.
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PROCURADORIA DA REPÚBLICA DO MARANHÃO. MPF/MA: construções irregulares serão demolidas nos Lençóis Maranhenses. São Luís, 15 dez. 2009. Disponível em: < http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_meio-ambiente-e-patrimonio-cultural/mpf-ma-construcoes-irregulares-serao-demolidas-nos-lencois-maranhenses>. Acesso em: 22 out. 2011.