União Estável x Namoro Qualificado e a sua necessária diferenciação.

Por Amanda Coimbra | 13/10/2016 | Direito

Amanda Cruz Coimbra[1]

RESUMO:

O presente trabalho faz uma análise acerca da confusão entre os institutos da união estável e do namoro qualificado, expondo suas características comuns, bem como seu principal diferencial que tem sido embasado não só pela doutrina, mas também jurisprudencialmente. Nessa perspectiva, tece-se uma conclusão sobre a necessidade da diferenciação entre os dois institutos como forma de defesa direito e interesses das pessoas envolvidas nos relacionamentos que configuram os configuram.

1 INTRODUÇÃO

Com a evolução da sociedade, desenvolve-se também, mesmo que a paços lentos o Direito.  Para se aproximar dos modelos atuais de família o Direito reconheceu o instituto da união estável, instituto esse ganhou novos contornos com a Constituição de 1988, onde passou a ser reconhecido como entidade familiar, vindo posteriormente o Código Civil tratar do tema.

Porém, com o tempo alguns requisitos necessários para o reconhecimento da união estável mostrara-se não mais necessários, tal qual a obrigatoriedade de coabitarem; além de outros requisitos se confundirem com o novo modelo de namoro, em que os indivíduos muitas vezes coabitam, dividem despesas, e até contas bancárias.

Passou-se assim a reconhecer-se o namoro qualificado, instituto que possui diversas características em comum com a união estável, podendo inclusive ser facilmente confundido, todavia, cada um possui efeitos jurídicos absolutamente diversos conforme será explanado no presente trabalho.

2 DIFERENÇAS ENTRE OS DOIS INSTITUTOS

Cabe a priori conceituar namoro sob o enfoque jurídico, ou seja, é um relacionamento amoroso informal, etapa que antecede a união estável e o casamento, por si só não produz efeitos, mesmo que dure anos, pois os envolvidos ainda preservam sua individualidade e liberdade perante o outro. Para se caracterizar namoro qualificado é necessário que estejam presentes a publicidade, continuidade e a durabilidade, não importando há quantos anos estejam juntos, como já salientado, porém, não traz também vinculação patrimonial, pois não existe o fim de constituir família.

Com base no art. 1723 CC pode-se conceituar a união estável como um relacionamento afetivo-amoroso que é duradouro, contínuo e público entre pessoas, sob o mesmo teto ou não, mas que possuam o objetivo de constituir família.

Contudo, modernamente devido a evolução da sociedade e a aceitação das mais diversas formas de se relacionar, pode-se surgir a dúvida se afinal namoro qualificado e união estável não seriam o mesmo instituto.  Isso porque atualmente é bem comum que namorados venham a residir juntos, participem intensa e publicamente da vida um do outro e em alguns casos compartilhem até contas em banco.

 Como então diferenciá-los?

Apesar de ser um campo que precise de bastante atenção devido a linha tênue que envolve o “como as pessoas se sentem” quanto a seu relacionamento, a sua principal diferença reside em seu objetivo. A união estável  constitui família no presente, no momento atual, não existe a expectativa ou planos, mas a consumação da constituição da entidade familiar, já no namoro qualificado os indivíduos fazem planos de vir a constituir família, alimentam a expectativa de no futuro concretizá-la.

Em uma situação hipotética, pode se imaginar que duas pessoas residam em um mesmo apartamento, dividam as contas, possuam um relacionamento afetivo-amoroso e inclusive possuam uma conta conjunta em determinado banco. Seria esse um caso de união estável? A resposta vai depender do ânimo que os envolvidos alimentam; se eles no momento atual assumem publicamente a imagem externa de um casamento, o que existe é a união estável, porém, se os mesmos apesar de residirem juntos e ter relacionamento público, compartilhando tudo inclusive a conta bancária, possuem unicamente o objetivo de juntos acumularem recursos para futuramente se casarem, ou comprarem um imóvel para juntos constituírem uma vida, o que se tem no caso nada mais é do que namoro qualificado.

3 VISÃO JURISPRUDÊNCIAL

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO. 1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento. 2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável. 2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. 3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento. 4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento. 4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem. 5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.

(STJ - REsp: 1454643 RJ 2014/0067781-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 03/03/2015,  T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2015).

O presente caso versava sobre um casal que durante dois anos coabitou em uma apartamento no exterior. Na época, o rapaz viajou para aceitar uma proposta de trabalho e a moça permaneceu mais tempo devido o ingresso em um mestrado. Ainda no exterior vieram a noivar e coabitar juntos, o rapaz com recursos pessoais então adquiriu um imóvel que futuramente viria a ser a residência familiar após o casamento.

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