Uma visão geral da função social da propriedade
Por Ricardo Gerhardt | 07/03/2012 | DireitoANDRÉ LUIS STEIN FORTES, GILSON ANTONIO DEBONA, MAURO FURLAN, RICARDO GERHARDT, VALDENIR BERTOLDO
1 INTRODUÇÃO
O tema abordado viaja pela história e demonstra a evolução humana, a “estatização” dos bens particulares e o atendimento de um fim que não o único vislumbrado pelo individual, mas o atendimento comunitário.
Quando do surgimento até o Estado atual, cada pessoa que o compõe comprometeu-se em obedecer o firmado e prevalecido pela coletividade, enfim, estamos falando do contrato social.
Ocorre que chegamos ao ponto de evolução que fomos capazes de averiguar que o bem pertencendo a uma pessoa, só pode ser protegido pelo Estado, quando detém características capazes de atender o coletivo/comunitário, o sentido que a maioria determinou, então, quando verificamos que não se está cumprindo para com o dever da maioria/social e determinado pelo Estado, perdemos a garantia da propriedade.
A função social da propriedade se repercute no nosso dia a dia fazendo com que o acesso a bens particulares, só não seja possível quando sua utilização seja em favor da coletividade, não especificamente gerando apenas riquezas, mas mantendo um conjunto de valores como ambientais, culturais e legais, oriundos de um pensamento que visa a manutenção da sociedade e não apenas do indivíduo.
Nesse ínterim, a função social passa a ser declarado princípio em nossa atual constituição, gerando para tanto uma série de deveres para o detentor do bem imóvel.
Doutra banda, verifica-se que, uma sociedade evoluída, valoriza a sua mantença e sua organização, dentre a qual, no atual instante que nos encontramos, a socialização de determinados bens, é uma das saídas para valorizar o ser humano e ultrapassar problemas como espaço físico, organização social, geração de riquezas, fome, entre outros.
2 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
2.1 Histórico
A propriedade de bem imóvel, em seu remoto surgimento, era tida como direito natural do homem, que devia satisfazer apenas seu proprietário, enfim, uma função privada da propriedade. Tal proteção privada da propriedade desnuda-se desde o império romano.
Tal compreensão alongou-se no tempo, demonstrando-se principalmente nas estruturas de dominação, como a feudal, pois nessa época, havia submissão dos que trabalhavam na terra, ou mesmo dos que não trabalhavam, para com o senhor que detinha a propriedade do bem.
Embora a Revolução Francesa, pretendia nova ideologia, na questão propriedade-sociedade, em pouco se alterou, pois apenas modificou o domínio da propriedade, passando dos suseranos e clero para a classe comerciante e industrial na sua maioria[1].
Todavia, em que pese não ter ocorrida a grande modificação de classes, tal ideologia revolucionária da França, serviu para sua instalação em seu sistema jurídico – Código Civil – que deu inicio a proteção da propriedade, mesmo que mantendo sua função unicamente privada.
Essa proteção privada da propriedade é encontrada no Brasil já na Constituição do Império, e na Constituição de 1891, assim como no Código Cível de 1916, em seu art. 524.
O grande precursor da socialização da terra foi Santo Tomás de Aquino, no século XII, no entanto, devido às próprias características de Igreja como sendo proprietária, impediu o alargamento da idéia. Outros pensadores que questionaram a particularização da propriedade foram Karl Marx e Auguste Comte, os quais tiveram suas idéias lançadas horizontes a fora, sendo, posteriormente, admitias inclusive pela própria Igreja Católica.
No entanto, no campo jurídico, coube a Guguit a primeira sustentação da socialização da propriedade, sendo que a primeira constituição a garantir tal direito foi a mexicana em 1917.
No Brasil, a primeira constituição a abordar o assunto foi a constituição de 1934, sendo que todas as demais a seguiram. Porém, o detalhamento do tema, só veio com o Estatuto da Terra, a Lei nº 5. 504/64, que em seu artigo 2º, que esclarece:
Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
Da mesma forma legal, a constituição atual, declara como princípio a função social da propriedade em sua art. 5º, inciso XXIII e ainda na cabeça do art. 186, in verbis:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Como se verifica, para o cumprimento da função social da propriedade, é necessário que sua utilização seja adequada aos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, à observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A gama de deveres e direitos atuais vai além da previamente conhecida. Ressalta-se que a CF/88, não se restringiu apenas a questão de imóveis rurais, mas abarcou em seu contesto a função social dos imóveis urbanos também, como revela o art. 182 da CF/88.
Diante disso, se vê que nosso atual ordenamento é protetista-garantidor nos profundos termos, fazendo com que, ao menos teórica e abstratamente, exista a função social da propriedade.
2.2 Função social da propriedade – conceituação e preceitos legais
Há principio, a função social da propriedade como já vimos anteriormente, tinha como única finalidade a satisfação do proprietário, fazendo ele o que bem entendesse com esta, desta forma estava tão somente inserida no direito natural do homem, intransponível a qualquer ordenamento até então conhecido.
Ocorre que com as evidentes mudanças dos dogmas legais acerca deste assunto, passou-se a visar o aproveitamento produtivo das propriedades rurais como um todo, englobando os direito e deveres dos proprietários de terra situados em todo o território brasileiro.
Foi com este objetivo que foi introduzido ao sistema normativo brasileiro o Estatuto da Terra, criado pela lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispunha em seu primeiro artigo o seguinte;
Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola. (Lei 4.504 de 30 de Novembro de 1964)
Como se vê, a reforma agrária e a aplicação da política agrícola também são formas de concretizar a função social da propriedade.
Este mesmo diploma legal trata a propriedade rural em consonância com os ditames constitucionais do fim social da propriedade. O art. 2º da referida lei, demonstra os fatores indispensáveis para que alcance seu determinado valor e, sendo que o artigo 12º também trata da função social da propriedade, mas voltada para terras particulares, in verbis:
Art. 2°. É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.
§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem.
Art. 12. À propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição Federal e caracterizado nesta Lei. (Lei 4.504 de 30 de Novembro de 1964)
A característica de desempenho de uma função social é precípua da propriedade, tanto que Magna Carta de 1988, assim dispõe em seu art. 5º, tratando como uma garantia fundamental. Vejamos o texto legal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
(Constituição Da Republica Federativa do Brasil de 1988)
Por sua vez, a Constituição atual no art. 186, estabelece os requisitos mínimos para que a propriedade alcançar a função social da propriedade rural, in verbis:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (Constituição Da Republica Federativa do Brasil de 1988)
Neste mesmo sentido demonstra o art. 182, §2º da carta magna de 1988, que estabelece norma referente a imóveis situados na zona urbana, devendo estes também obedecer às diretrizes da função social da propriedade, como podemos verificar a seguir;
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (Constituição Da Republica Federativa do Brasil de 1988)
A importância da função social se conduz na realização de atividade econômica, que, também, está elencado na Constituição Republicana:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
Na hierarquia legal, vem o Código Civil lecionando sobre o tema, através do elencando no artigo 1.228, parágrafo primeiro, demonstrando as finalidades sociais e econômicas:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
A doutrina entende que a propriedade deve se tornar produtiva, isto é, atinja seu fim econômico, para de integrar em um dos elementos do fim social, nas palavras de Barros[2]:
Não basta a intenção de ter um imóvel rural como seu para que alguém se arvore legitimado para adquirir uma fração de área rural. É preciso que ela a tenha tornado produtiva por seu trabalho ou de sua família. Isso nada mais é que dar a terra uma destinação produtiva, elemento que integra o conceito de função Social da propriedade.
Fica nítido que a intenção do legislador foi rodear as características da propriedade para direcioná-la à prática pacifica e de fins sociais e que atendam às características positivas em beneficio não apenas do proprietário, mas também das pessoas que são empregadas e da sociedade em geral.
Esse é o pensamento do professor José Afonso da Silva[3], em sua obra, vejamos:
Mas é certo que o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa, a instituição da propriedade privada. Contudo, perece-nos que pode fundamentar até mesmo a socialização de algum tipo de propriedade, onde precisamente isso se torne necessário à realização do princípio, que se opõe acima do interesse individual. Por isso é que se conclui que o direito de propriedade (dos meios de produção especialmente) não pode mais ser tido como um direito individual.
Ao mesmo passo que a legislação nacional direciona a propriedade para sua utilização social, a lei também garante - quando a propriedade atingir sua função – o direito de exercício e reivindicação de propriedade ou posse ao seu proprietário ou possuidor.
Assim, o Estado assegura o direito de propriedade e ao mesmo tempo, condiciona o seu uso em beneficio social.
2.3 Penalidades pelo descumprimento da função social da propriedade
A função social da propriedade como já estabelecido, necessita do preenchimento de requisitos que vão em consonância com o interesse social, não se restringindo exclusivamente ao interesse individual do proprietário.
Desta forma, cumpre salientar, que nada mais justo do que uma porção de terra, ou seja, uma propriedade, que esteja satisfazendo tão somente um indivíduo, possa vir a beneficiar uma coletividade.
Mas para que a propriedade do indivíduo não venha a ser dividida entre várias pessoas, o real proprietário deve fazer com que a propriedade cumpra sua função social. Não cumprindo receberá a sanção imposta por nosso ordenamento, instituído inclusive, pela própria Constituição Federal.
O texto do artigo 184 da Constituição Federal de 1988 é bastante claro ao expressar à penalidade que sofrerá o proprietário descumpridor da função social, restando a este a desapropriação por interesse social.
O Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
A desapropriação prevista no artigo supracitado faz referência à finalidade para reforma agrária, ou seja, somente assim, a propriedade que em destarte era de apenas um proprietário, se tornará do Estado, para utilidade pública ou destinar-se a um conjunto de pessoas, através da desapropriação para divisão em parcela menores.
O a desapropriação para interesse social é tema amplamente debatido, como se verifica nas descrições de Barros:
Este é um tipo de desapropriação específica - para reforma agrária. Assim, a terra é tomada do proprietário pela desapropriação, por interesse social, e, no momento seguinte, redistribuída em parcelas menores para certos beneficiários catalogados em lei(...).
(WELLINGTON PACHECO BARROS, p. 43, 2009).
Cumpre salientar que a desapropriação será com prévia e justa indenização, mas, não restando à gravidade da perca da propriedade, o pagamento será, em regra, feita através de título da dívida agrária, resgatáveis em até vinte anos, a contar do segundo ano da emissão do título da desapropriação.
As benfeitorias úteis e necessárias deverão ser reparadas em dinheiro, ou seja, da propriedade, somente as benfeitorias – com exceção das voluptuárias - serão pagas em dinheiro, de forma imediata ao proprietário.
Todo processo de desapropriação será cumprida na melhor forma, dentro dos princípios do processo, seja ele o devido processo legal ou ainda o princípio do contraditório, cabendo ao proprietário demonstrar que a propriedade cumpre a função social.
2.4 Características de imóvel rural
2.4.1 O que se compreende por imóvel rural
Para entrelaçar a função social a propriedade, especificamente a imóvel rural, é importante determinar o que se compreende como imóvel rural. Assim, em termos jurídicos, imóvel rural é tratado pela Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964, conhecido como Estatuto da Terra.
Para Diniz[4], até a promulgação da Lei nº 4.504/64, o governo brasileiro ainda não tinha uma organização de cadastros sobre imóveis rurais, conforme elenca em seu magistério:
Assim, até a promulgação do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964, art. 46, regulamentada pelo Decreto n. 55.891, de 31 de março de 1965), o Governo Federal não havia cuidado a organização atualizada de um cadastro de imóveis rurais. E a Lei n. 5.868, de 12 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto n. 72.106, de 18 de abril de 1973, veio criar o sistema nacional de cadastro rural.
Como se pode retirar do contido nas lições da respeitável doutrinadora, o Estatuto da terra foi inovador no âmbito que veio regular, pois tal legislação fita como intenção primordial, regular os projetos de reforma agrária e por conseqüência, dar realce a função social da propriedade, mesmo que sua subida a princípio constitucional se de apenas com a constituição de 1988.
Por sua vez, encontra-se no art. 4º[5] do referido diploma legal, a conceituação de imóvel rural, entre outros conceitos, in verbis:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
Não obstante, no próprio sait do INCRA[6], é encontrado as principais informações a respeito do que se entende por imóvel rural, entre outros, senão vejamos:
O que é Imóvel Rural nos termos da legislação agrária ?
Imóvel rural é uma área formada de uma ou mais matrículas de terras contínuas, do mesmo detentor (seja ele proprietário ou posseiro), podendo ser localizada tanto na zona rural quanto urbana do município. O que caracteriza o imóvel rural para a legislação agrária é a sua “destinação agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial.” Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, artigo 4.º, inciso I).
O termo áreas contínuas significa áreas confrontantes do mesmo detentor, que são consideradas um único imóvel, ainda que cada uma tenha Registro/Matrícula próprios, ou que haja interrupções físicas como estradas, cursos d’água, etc, desde que o tipo de exploração seja o mesmo.
Em síntese, imóvel rural é prédio rústico de área contínua independente de sua localização, mas que se destine à exploração por meio público ou privado.
No que tange a legalidade de um imóvel rural, na orbita jurídica, deve estar registrado no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de localização, e ainda encontrar-se com situação tributária e cadastral em conformidade com as leis que dispuserem sobre os respectivos assuntos[7].
2. 4.2 Módulo fiscal e rural
Doutra banda, para desenvolvimento do assunto, mister distinguir o que é módulo fiscal e módulo rural. Para tanto, deve-se atentar para o preceito do art. 5º da Lei nº 4.504/64[8], no que diz respeito a módulo rural:
Art. 5° A dimensão da área dos módulos de propriedade rural será fixada para cada zona de características econômicas e ecológicas homogêneas, distintamente, por tipos de exploração rural que nela possam ocorrer.
Parágrafo único. No caso de exploração mista, o módulo será fixado pela média ponderada das partes do imóvel destinadas a cada um dos tipos de exploração considerados.
O módulo rural é fixado pelo INCRA, conforme determinação das características econômicas e ecológicas e ainda atentando para os tipos de exploração sobre o imóvel.
Já o módulo fiscal, também fixado pelo INCRA, resta estampado no art. 50º da Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964[9], e, será determinado por município, com característica que deve ser expresso em hectares atentando para os fatores específicos e determinados nos incisos e alíneas do §2º do referido artigo, abaixo descrito:
Art. 50. Para cálculo do imposto, aplicar-se-á sobre o valor da terra nua, constante da declaração para cadastro, e não impugnado pelo órgão competente, ou resultante de avaliação, a alíquota correspondente ao número de módulos fiscais do imóvel, de acordo com a tabela adiante:
§ 1º O imposto não incidirá sobre o imóvel rural, ou conjunto de imóveis rurais, de área igual ou inferior a um módulo fiscal, desde que seu proprietário, titular do domínio útil ou possuidor, a qualquer título, o cultive só ou com sua família, admitida a ajuda eventual de terceiros.
§ 2º O módulo fiscal de cada Município, expresso em hectares, será determinado levando-se em conta os seguintes fatores:
a) o tipo de exploração predominante no Município:
I - hortifrutigranjeira;
Il - cultura permanente;
III - cultura temporária;
IV - pecuária;
V - florestal;
b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;
c) outras explorações existentes no Município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada;
d) o conceito de "propriedade familiar", definido no item II do artigo 4º desta Lei.
§ 3º O número de módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo modulo fiscal do Município.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária[10] (INCRA), também disponibiliza em seu sitio informações a respeito de módulo fiscal e rural e suas diferenças.
O que fica claro na diferenciação entre módulo rural e fiscal, é que aquele é determinado para cada imóvel rural segundo sua localização/região, e este é determinado conforme as características peculiares do imóvel de determinado município, isto é, fica restrito apenas à área municipal.
Há de se salientar que para a compreensão do que é o módulo fiscal, se deve atentar para a definição do que é propriedade familiar, esta por sua vez, estampada no inciso II, do art. 4º da Lei 4.504/64[11], que se entende como imóvel rural que é explorado pessoalmente por agricultor e sua família através da força de trabalho e lhes garanta a subsistência e o progresso social, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração.
Por oportuno, implica salientar sobre algumas das aplicações para o módulo rural e fiscal. As aplicações expostas abaixo também são determinadas pelo INCRA[12], e disponibilizadas em sait:
Qual é a aplicação do módulo fiscal?
O módulo fiscal serve de parâmetro para classificação do imóvel rural quanto ao tamanho, na forma da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.
:: Pequena Propriedade - o imóvel rural de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;
:: Média Propriedade - o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais.
:: Serve também de parâmetro para definir os beneficiários do Pronaf (pequenos agricultores de economia familiar, proprietários, meeiros, posseiros, parceiros ou arrendatários de até quatro módulos fiscais).
Qual é a aplicação do módulo rural?
O módulo rural é utilizado para:
:: Definir os limites da dimensão dos imóveis rurais no caso de aquisição por pessoa física estrangeira residente no País. Neste caso, utiliza-se como unidade de medida o módulo de exploração indefinida (Ver ZTM). O limite livre de aquisição de terra por estrangeiro é igual a três vezes o módulo de exploração indefinida;
:: Cálculo do número de módulos do imóvel para efeito do enquadramento sindical;
:: Definir os beneficiários do Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da Terra, de acordo com o inciso II, do parágrafo único do art. 1º, da Lei Complementar n.º 93, de 4 de fevereiro de 1998.
Quanto à aplicação do módulo fiscal e rural, verifica-se o motivo de suas funções conceituais distintas, isso por que cada uma tem suas características principais de utilização, dentre as quais, a que mais se acentua é a determinação do tamanho de propriedade.
Diante do exposto, cumpre ressaltar que o módulo fiscal é padrão delimitador para liberação determinados recursos/incentivos governamentais e para enquadramento das formas de propriedade – pequena, grande e média - e estas por sua vez, são importantes na medida que expressam.
Tais medidas irão influenciar desde seu registro como bem de família – impenhorável – ou mesmo na obrigatoriedade da realização do georreferenciamento, e ainda, o que vem de encontro como o nosso tema, poderão ter, em detrimento do não cumprimento de sua função social, sua propriedade expropriada pelo Estado, respeitando as determinações legais, dentre as quais, o tamanho da propriedade determinado pelo medulo fiscal.
Já o módulo rural, também é causa informadora de limites, como por exemplo, para a aquisição de áreas por estrangeiros ou mesmo para liberação de benefícios.
Em suma, tanto o módulo fiscal ou rural serão padrões a serem instituídos e observados pelo Estado e que, por ora poderão determinar se a função social da propriedade está sendo cumprida, e a possibilidade de resgate da área pelo Estado para verdadeiro cumprimento de fim social, conforme o caso.
Tal ponto é importante pelo fato de que o art.185 da CF/88[13], regulamentado pela Lei nº 8629/93, de forma expressa dá o conceito do que sejam a pequena e a média propriedade rural, respectivamente aquela entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais, e de 4 (quatro) a 15 (quinze) módulos.
Assim, os imóveis com até 15 módulos fiscais não podem ser desapropriados para fins de reforma agrária, vez que a ementa da lei reguladora se refere expressamente ao art. 185, CF.
Deve-se atentar que a desapropriação de imóvel por necessidade ou utilidade pública, não é estipulado tamanho da área, porém, a indenização deverá ser paga a vista, em valor de mercado e em dinheiro.
2.5 A posse agrária e a função social da propriedade
No direito moderno, a posse agrária ganha importância quase igual à propriedade. Basicamente isso se dá pelo princípio da função social da propriedade, assim se existem obrigações decorrentes da propriedade, também haverá obrigações decorrentes da posse.
A posse disciplinada pelo direito civil se legitima tão somente com o possuidor exercendo o animo de dono, porém, na posse agrária existe a necessidade do possuidor demonstrar que explora uma atividade tipicamente rural, de forma racional e adequada e que respeita o meio ambiente e às relações de trabalho.
Dessa forma não há como não concluir que em nosso ordenamento jurídico aposse agrária está intimamente ligada à função social da propriedade, de onde é possível se auferir que a posse agrária tem uma função social a ser respeitada, quer ela seja criadora da propriedade, como na posse originária, quer ela seja derivada.
A posse agrária originária é instituto de aquisição de propriedade através da usucapião especial rural. Segundo o art. 191 da CF/88 é preciso que a pessoa tenha tornado produtiva por seu trabalho ou se sua família uma fração de área rural, o que nada mais é que dar uma destinação produtiva, cumprindo a função social do imóvel rural.
Por sua vez, a posse agrária derivada é a presente nos contratos agrários de arrendamento e parceria; na desapropriação para fins de reforma agrária e na expropriação por uso de plantas psicóticas; e nos interditos proibitórios.
Desta forma se conclui que qualquer demanda que envolva a posse agrária terá como condição da ação o preenchimento dos requisitos inerentes a função social da posse agrária e que explore o imóvel rural de forma racional e adequada, mantando relações legais de trabalho, conservando o meio-ambiente.
3 CONCLUSÃO
Logrou êxito nossa constituição quando asseverou a função social da propriedade como principio base. Parece que o legislador pré-destinou o fato de que a propriedade fosse um bem tão precioso e que deve exigir de seu proprietário responsabilidades no uso.
Fala-se em necessidade de produção de alimentos, de construção de cidades e ainda e espaços de preservação, assim, em um mundo onde a demografia vem crescendo constantemente, não há mais lugar para uso indevido do solo.
A ingerência do Estado vem aumentando suscetivelmente, fazendo com que a observância aos ditames legais da função social da propriedade passe e ser concretizado de forma mais eficaz para que suas penalidades não ocorram.
Evidente que, em um país de grande extensão como o Brasil, onde ainda se luta por garantias básicas, muitas vezes não há lugar para fiscalizar o uso adequado da propriedade privada, fazendo como que, a guarida a tal princípio seja adiada. Essa realidade vem mudando ao poucos, principalmente pelo crescimento dos grandes centros, conscientização da população e ainda, pressão internacional, principalmente por meio das ONGs, no campo ambiental.
Assim, o Direito vem se moldando à realidade social, alocando os principais valores e fazendo sua efetiva aplicação, muitas vezes por imposição do judiciário.
A função social não passa por despercebido, pois vêm dar força não apenas a proteção à utilização adequada da propriedade, mas também para dar valor ao meio ambiente, ao empregado e ou colaboradores que trabalham na terra e vigência a um sistema que, ao menos em tese, preza pelo crescimento e mantença da sociedade.
4 REFERÊNCIA
BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário, Doutrina e Exercícios. 6. ed. v. 1 ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 de out. de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 29 de fev. 2012.
______. Lei nº 4. 504 de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 nov. 1964, retificado em 17 de dez. de 1964, retificado em 6 de abr. de 1965. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm >. Acesso em 29 de fev. 2012.
_____. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 29 de fev. 2012.
DINIZ, Maria Helena. Sistema de Registro de Imóveis. 9 ed. São Paulo: Saraiva 2010, p. 53.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed. ver.atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.p. 283
[1] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário, Doutrina e Exercícios. 6. ed. v. 1 ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 39.
[2] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário, Doutrina e Exercícios. 6. ed. v. 1 ver. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 39.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed. ver.atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.p. 283.
[4] DINIZ, Maria Helena. Sistema de Registro de Imóveis. 9 ed. São Paulo: Saraiva 2010, p. 53.
[5] Brasil. Lei nº 4. 504 de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 nov. 1964, retificado em 17 de dez. de 1964, retificado em 6 de abr. de 1965. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm >. Acesso em 02 de mar. de 2012.
[6] INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Disponível em: < http://www.incra.gov.br/portal/>. Acesso em: 02 de mar. de 2012..
[7] No sitio do INCRA, pode-se encontrar todas as informações pertinentes à legalização de imóvel rural:
O que é preciso para legalizar um imóvel rural?
Para ser considerado legalizado, um imóvel deve estar com sua situação cadastral, tributária e jurídica em conformidade com o que dispuser as leis sobre cada um destes assuntos. Assim, do ponto de vista cadastral, o imóvel deve estar regularmente cadastrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural apresentando a Declaração para Cadastro de Imóvel Rural sempre que ocorrerem modificações nos dados do imóvel.
Do ponto de vista tributário, deve estar com a Taxa de Serviços Cadastrais quitada. A taxa é paga por meio do CCIR. Deve estar também com o ITR quitado. Como este tributo é de competência da Secretaria da Receita Federal deve ser verificado junto àquela Secretaria a forma de quitação das obrigações quanto ao ITR pelo telefone 0300-78-0300 (RECEITAFONE) ou no site: http://www.receita.fazenda.gov.br/.
Do ponto de vista jurídico, o imóvel deve estar regularmente registrado no Cartório de Registro de Imóveis da comarca em que se situa o imóvel. (INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Disponível em: < http://www.incra.gov.br/portal/>. Acesso em: 23 de mai. 2011.)
[8] Brasil. Lei nº 4. 504 de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 nov. 1964, retificado em 17 de dez. de 1964, retificado em 6 de abr. de 1965. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm >. Acesso em 02 de mar. de 2012.
[9] Brasil. Lei nº 4. 504 de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 nov. 1964, retificado em 17 de dez. de 1964, retificado em 6 de abr. de 1965. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm >. Acesso em 02 de mar. de 2012.
[10] O que é módulo fiscal?
Unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando os seguintes fatores:
:: Tipo de exploração predominante no município;
:: Renda obtida com a exploração predominante;
:: Outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área utilizada;
:: Conceito de propriedade familiar.
O que é módulo rural?
O conceito de módulo rural é derivado do conceito de propriedade familiar e, em sendo assim, é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico.
Qual é a diferença entre módulo rural e módulo fiscal?
Módulo rural é calculado para cada imóvel rural em separado, e sua área reflete o tipo de exploração predominante no imóvel rural, segundo sua região de localização.
Módulo fiscal, por sua vez, é estabelecido para cada município, e procura refletir a área mediana dos Módulos Rurais dos imóveis rurais do município. (INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Disponível em: < http://www.incra.gov.br/portal/>. Acesso em: 02 de mar. de 2012.) (grifo nosso)
[11]À propriedade familiar é dado o seguinte conceito: O que é propriedade familiar? O inciso II, do art. 4º, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), define como propriedade familiar o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantido-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros. O conceito de propriedade familiar é fundamental para entender o significado de Módulo Rural.
[12] INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Disponível em: < http://www.incra.gov.br/portal/>. Acesso em: 02 de mar. de 2012.
[13] Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.