Uma Viagem de Ida e Volta à Índia Com Bartolomeu Dias

Por Julio Cesar Souza Santos | 01/11/2016 | Sociedade

O Que Era o “Comércio Mudo”? Por Que Muitos Diziam Não Ser Possível Contornar a África Pelo Mar? Qual Foi a Origem do Tratado de Tordesilhas? Por Que Comparavam Colombo à Vasco da Gama?

A empresa de descobertas de D. João II – rei de Portugal – era um empreendimento bem planejado e cuidadosamente organizado, com um grande investimento de capital e uma numerosa tripulação. O rei escolheu para comandante Bartolomeu Dias, que comandara uma caravela pela costa africana abaixo. Essa expedição era constituída de duas caravelas de 50 T cada uma e um navio de aprovisionamento, nunca antes acrescentado a uma viagem de descobrimento, que permaneceram mais tempo no mar e navegaram para mais longe.

Bartolomeu Dias levou com ele seis (6) africanos que tinham participado em viagens portuguesas anteriores que, bem alimentados e vestidos ao estilo europeu, foram deixados em vários lugares ao longo da costa com ouro, prata, especiarias e outros produtos africanos para que, à maneira do “comércio mudo”, pudessem mostrar aos nativos que mercadorias os Portugueses queriam.

 

Depois de desembarcarem os navios enfrentaram fortes tormentas, quando as caravelas foram empurradas para longe da costa e depois para alto mar. Em 3 de fevereiro de 1488 ancorou na baía de Mossel a 370 km a leste da atual Cidade do Cabo. Mas, a tempestade fora providencial, pois ela o fez dobrar a ponta sul da África.

Ao desembarcarem, os nativos tentaram repeli-los com pedras e, o próprio Dias, acabou matando um deles pondo fim ao reencontro. Dessa forma, Bartolomeu Dias seguiu a costa para nordeste numa extensão de mais de 500 km e entrou na baía de Algoa. Ele que ria prosseguir até o Oceano Índico e cumprir a esperança de muitos séculos, mas a tripulação nem quis ouvir falar disso. Não era suficiente retornar de uma viagem dessa com a notícia de que era possível contornar a África pelo mar?

Depois de uma reunião com seus capitães eles assinaram um documento declarando sua decisão de voltar, Bartolomeu Dias concordou. No regresso, voltaram ao navio de aprovisionamento que tinham deixado 9 meses atrás – com nove homens a bordo – e constataram que somente três ainda estavam vivos.  Um deles ficou tão abalado ao rever seus companheiros, que morreu subitamente por estar muito debilitado. O navio, que tinha sido comido pelos carunchos, foi descarregado, queimado e as duas caravelas puseram-se a caminho de Portugal em dezembro de 1488 – 16 meses depois da sua partida.

 

Quando as envelhecidas caravelas aportaram em Lisboa estava à sua espera o ainda obscuro Cristóvão Colombo, o qual se encontrava na cidade a fim de convencer D. João II a apoiá-lo numa expedição às Índias, navegando para ocidente através do Atlântico. Em 1484, quando se apresentou pela 1ª vez com esse propósito, o rei expôs o projeto à comissão de peritos que o rejeitou, alegando que o navegador subestimou a distância para ocidente, até às Índias.

Nessa ocasião Colombo impressionara o rei e agora voltava para renovar seu pedido, embora o momento de Bartolomeu Dias tenha sido para ele um período de decepção. Pois, a rota marítima para as Índias pelo oriente, contornando a África, era agora praticável e o projeto dele, Colombo, portanto, se tornara supérfluo. Dessa forma, só lhe restava procurar apoio de uma nação que ainda não tivesse descoberto seu próprio caminho à volta da África.

Bartolomeu Dias nunca fora devidamente recompensado pelo rei e foi esquecido da era dos descobrimentos portugueses. Acabou supervisionando a construção de navios para Vasco da Gama, mas não foi incluído na viagem à Índia. Morreu em 1500, quando desempenhava papel apagado na frota de Pedro Álvares Cabral ao largo da costa do Brasil. Um furacão afundou quatro dos 13 barcos e Bartolomeu Dias foi lançado ao mar daquele grande oceano.

Porém, o passo seguinte foi retardado em pelos problemas ocorridos em Portugal que enfrentava uma sucessão ao trono e especialmente pelas desavenças com a Espanha. Por ironia, as descobertas de Colombo se revelaram a causa principal desses problemas, os quais adiaram por uma década o fato de Bartolomeu Dias ter dobrado o cabo.

Quando D. João II recebeu notícias das descobertas de novas ilhas de Colombo no Atlântico, anunciou que essas novas terras (dada a proximidades dos Açores) pertenceriam por direito a Portugal. As contendas entre Portugal e Espanha pela obtenção do apoio do Papa – que tinha o poder de atribuir a reis católicos a governança de todas as partes recém-descobertas da Terra – deram origem ao Tratado de Tordesilhas (em 1494).

Espanha e Portugal aceitaram uma linha que corria de norte a sul por 1200 milhas náuticas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. Dessa forma, as terras a oeste pertenceriam à Espanha e, as do leste, a Portugal. Ao assegurar a reivindicação do Brasil à Portugal – cuja existência podia ou não ser conhecida – o Tratado afirmava o direito de Portugal ao caminho marítimo para as Índias pelo Oriente.

Ao subir ao trono português em 1495, o ousado D. Manoel I (de 26 anos) herdou tantos grandes empreendimentos que acionou um plano para continuar com os descobrimentos de Bartolomeu Dias, através de nova viagem que seguiria a rota marítima até a Índia, abriria caminho ao comércio e possivelmente também à conquista. Os conselheiros do jovem rei desaconselharam-lhe tal empresa por duas razões:

  • Como poderia um país tão pequeno ser bem sucedido na conquista a uma distância dessa?
  • Será que não suscitaria a inimizade de todas as outras grandes potências (Espanha, Gênova, Veneza e também os Muçulmanos), cujos interesses comerciais ficariam ameaçados?

Ignorando as objeções o rei escolheu para chefiar a expedição um fidalgo – Vasco da Gama – que já havia demonstrado ser um bom marinheiro e diplomata. Como o D. Manoel havia previsto, a experiência do marinheiro talvez bastasse para navegar ao longo do litoral, mas não chegaria para lidar com sofisticados potentados indianos. Porém, os acontecimentos provaram que Vasco da Gama era bem qualificado para tal, pois embora ele tivesse temperamento violento mostrou coragem, firmeza e largueza de visão para lidar com humildes marinheiros e arrogantes sultões.

Após 2 anos de preparação, a frota de 4 navios de Vasco da Gama zarpou de Lisboa em julho de 1497, levando provisões para três anos, fornecidos de mapas, instrumentos astronômicos e tábuas de declinação elaboradas por Zacuto. Os navios transportavam colunas de pedra para assinalar o direito dos Portugueses, um padre e um número de condenados que, por serem considerados dispensáveis, poderiam ser usados sempre que houvesse risco de morte. Ao todo, os tripulantes beiravam cerca de 170 homens.

A fama de Colombo – da perspectiva americana – tem-nos cegado para outras descobertas marítimas tão grandes quanto o seu naquela 1ª “Idade do Mar”. Os efeitos imediatos da viagem de Vasco da Gama foram incomparavelmente mais concretos do que os de Colombo. Este prometeu cidades fabulosas no Japão e na Índia e chegou apenas a incertas praias selvagens. Quando o seu feito deu – finalmente – dividendos, fê-los de modos inesperado. Por outro lado, Vasco da Gama se propôs a alcançar as capitais comerciais da Índia e iniciar um comércio lucrativo, e cumpriu. Ele prometeu restringir os monopólios comerciais asiáticos dos muçulmanos do Levante e dos mercadores de Gênova e de Veneza – e cumpriu.

Colombo tomou a iniciativa, prometeu uma mina de ouro e encontrou apenas um deserto. A iniciativa da viagem de Vasco da Gama não foi dele, mas do rei. Pela magnitude do seu feito e não pelo seu caráter, Vasco da Gama deveria ofuscar Colombo. A 1ª expedição de Cristóvão Colombo seguiu para ocidente com ventos a menos de 4200 km das Ilhas Canárias, rumo às Bahamas e permaneceu 36 dias no mar.

Já a rota de Vasco da Gama levou-o num círculo largo durante quase todo o caminho através do Atlântico sul e depois contra as correntes opostas e ventos contrários. Tomou a decisão de, em vez de navegar perto da costa africana, dar a volta através do meio do Atlântico, das Ilhas do Cabo Verde ao Cabo da Boa Esperança, numa distância de mais de 6000 km, antes de chegar à baía de santa Helena, logo acima da atual Cidade do Cabo, permanecendo no mar 93 dias.

Sendo assim, a sua perícia em navegação, no controle da sua tripulação e no tratamento com os muçulmanos hostis em Moçambique, acabou por levá-lo através do Mar Arábico e do Oceano Índico até chegar a Calecute – seu destino, na costa da Península Indiana – em maio de 1498. Até então, não houvera feito de navegação de igual amplitude.

Infelizmente – ao contrário de Cristóvão Colombo - Vasco da Gama não deixou seus próprios registros e, felizmente, um tripulante escreveu um diário que oferece vislumbres da variedade de problemas resolvidos durante a viagem. Os perigos da natureza pareciam os menos ameaçadores, pois o mar naquelas paragens remotas estava deserto de inimigos humanos e a Natureza não se disfarçava.

Mas, á medida que avançava pela costa africana – onde nenhum barco europeu jamais estivera – Vasco da Gama teve de recorrer a todos os artifícios para conseguir um piloto árabe que o conduzisse através do imenso mar Arábico.

O astuto Vasco da Gama passou 3 meses conversando com o rei de Calecute, tentando convencê-lo que os Portugueses procuravam os reis cristãos que já governaram aquelas terras. Mas, o rei sentiu-se insultado por não ter recebido presentes valiosos e, diante disso, Vasco da Gama tentou explicar-lhe que viera apenas fazer descobertas.

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