UMA TEORIA DA JUSTIÇA SOB OS ASPECTOS DE HANNAH ARENDT

Por Vinícius Custódio Rios | 14/02/2017 | Adm

Vinícius Custódio Rios

Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Assistente do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em

Direito Contratual da COGEAE da PUC/SP.

 

Salete de Oliveira Domingos

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Professora do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Contratual da COGEAE da PUC/SP, FMU e UNIP.

 

RESUMO

O artigo objetiva estudar os aspectos da Teoria da Justiça – John Rawls, evidenciando a mudança da sociedade em decorrência do processo socio-histórico com base na obra da Hannah Arendt – A Condição Humana. Tal artigo fará referência ao modo de como nossa sociedade baseou-se na concepção de transformações como fator de compreensão aos padrões humanos. Para atingir a sua finalidade, utilizar-se-á o método científico-dedutivo de pesquisa bibliográfica.

 

PALAVRAS-CHAVE: Teoria da Justiça, John Rawls, Condição Humana, Liberdade.

 

ABSTRACT

This article focuses on the study of the aspects of the theory of justice – John Rawls, showing a society change due to the base process with historical socio-work in legal on the work of Hannah Arendt - The Human Condition. Article will refer as the mode that our society based in the conception of culture as a factor of human understanding standards. To achieve its purpose, it will be appreciated the scientific deductive method of bibliographical research.

 

KEYWORDS: Theory of Justice, John Rawls, The Human Condition, Freedom.

 

  1. CONSIDERAÇÕES PRINCIPIAIS: TEORIA DA JUSTIÇA

 

No ensaio de organizar a vida em sociedade para promover a sobrevivência, o homem prontamente buscou partilhar as suas experiências e até mesmo sua propriedade, reunindo forças para atingir um bem comum e suprir as necessidades da coletividade. No entanto, a consciência de que a sociedade é a reunião de pessoas que reconhecem a existência de regras de condutas imperativas para realizar o bem comum, não extirpa o conflito de interesses entre as pessoas, pois estas podem concordar ou dissentir pelos mais variados interesses, quanto às formas de repartição dos benefícios e das restrições gerados no convívio social, gerando assim a necessidade de um pacto social.

Além da necessidade de regras de convivência, os limites do poder[1] também precisaram ser estimulados, a simples consciência do pacto social não é suficientemente forte para limitar atuação humana e resolver os conflitos (DUGUIT, 2009, p.47). Nesse sentido, Márcio Pugliesi recorre a Sociologia para elucidar a temática:

“A Sociologia, dita clássica, voltava-se ao estudo da ordem social, ao consensus universalis apresentado por uma, teoricamente, existente consciência coletiva e mesmo, por influência da psicanálise, num inconsciente coletivo”. Essa pretensão ao consenso se estendia mesmo as diferenças substantivas entre as sociedades organizadas, algumas mercê de estruturas de clero, outras por efeitos de uma ordem bicameralista de origem feudal, outras burocratizadas, secularizadas e com redes ocupacionais especializadas. Por efeito de esperar-se do consenso a formulação de um pacto social onicompreensivo e capaz de assegurar os direitos sociais e individuais com um mínimo de custo social, os teóricos ligados a essa linha de pesquisa, tradicional, por assim dizer, realçavam conceitos como adaptação social; mobilidade social vertical individual; papel, status, e todas as noções relativas à inserção e a integração do indivíduo numa determinada, ressalte-se, estrutura social dada. (PUGLIESI, 2009, p.3).

 

Assim, analisando que haverá conflitos de interesses na convivência em sociedade, o poder é uma necessidade, até mesmo de sobrevivência “Contudo, é preciso ressaltar, essas antagônicas visões podem, sem muito esforço, sofrer uma compatibilização” isso se deve porque “no limite, a análise que privilegia o conflito sabe, e muito bem, que a decisão de conflitos pode levar a estados transitórios de consenso até para permitir a efetiva prática das decisões tomadas sobre os conflitos.” (PUGLIESI, 2009, p.3).

O poder citado nada mais é que uma ferramenta para concretizar ou legitimar a expressão da vontade da maioria de indivíduos de determinada sociedade, por meio da lei que valida o exercício do poder em consonância com essa vontade expressa. Numa análise de Max Weber o poder expressa a possibilidade de impor a vontade própria sobre outrem em uma relação social e para a realização deste escopo é possível utilizar-se dos mais diversos meios e, mesmo se houver resistência daquele que ao poder será submetido, este comportamento poderá ser minado. Nas palavras de Max Weber:

“A lei existe quando há uma probabilidade de que a ordem seja mantida por quadro específico de homens que usarão a força física ou psíquica com a intenção de obter conformidade com a ordem, ou de impor sanções pela violação. A estrutura de toda ordem jurídica influi diretamente na distribuição do poder, econômico ou qualquer outro, dentro de sua respectiva comunidade. Isso é válido para todas as ordens jurídicas e não apenas para a do Estado. Em geral, entendemos por “poder” a possibilidade de que um homem, ou grupo de homens, realize sua vontade própria numa ação comunitária até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação.

[...]

Sociologicamente (o Estado), pode ser definido, em uma última análise, como um meio específico que lhe pertence como a toda associação política: a força física.” (WEBER, 1982, p.210).

 

Basicamente não há relação humana sem poder, seja ele por dominação ou qualquer outro instrumento equivalente, assim como não há sociedade sem Estado, uma vez que o Estado é a manifestação da pretensão da maioria, através de um contrato. Essa disposição é embasada na ideia de que a origem do Estado está no contrato social, pois foi constituído a partir de um contrato firmado entre os indivíduos, esse era o pensamento de Hobbes, Locke e Rousseau.

 

Para Thomas Hobbes o egoísmo e as paixões são intrínsecos ao homem (homo homini lúpus), o que significa dizer que o homem é um “lobo” para o seu par, ou seja, sua natureza humana gera guerra e diante disso, seria necessário um contrato social para constituir uma entidade estatal que iria conter o “lobo” e impedir a destruição mútua. (HOBBES, 1974, p. 91). Para ele o Estado é absoluto e irrevogável, que concentraria todos os poderes nas mãos do governante intenso o suficiente a ponto de impedir a natureza humana, garantir a segurança e a paz a todos e distanciar o estado de guerra, ou seja, um pacto que obrigaria o homem a submeter-se a um governo:

“O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante, e suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.

Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Estado, é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz em seu próprio país, e da ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros.

É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim definida: Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.

Aquele que é portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os restantes são súditos.” (HOBBES, 1974, p.195)

 

Já para John Locke (1973, p.49), existia a necessidade de um contrato, mas não absoluto, pois poderia ser desfeito, assim como qualquer outro contrato, se houvesse descumprimento por uma das partes, em especial pelo Estado ou pelo Governo. Na ausência de um governo seriam todos contra todos no “estado de natureza”, pois a liberdade absoluta gera a insegurança jurídica.

Asseverava, ainda, que o homem no estado natural é livre, mas para garantir a sua propriedade precisa impor limites à própria liberdade. Embora, para ele os homens nasçam livres e iguais, sem se sujeitarem ao poder de outro homem, a falta de um Estado geraria insegurança no tocante à propriedade de tal sorte que seria necessário constituir um Estado para garantir o exercício da propriedade, um direito natural, tal qual a vida e a liberdade.

Jean Jacques Rousseau partilhava que os homens são naturalmente felizes, virtuosos e todos nascem livres e iguais, mas ficam presos pela civilização. Para ele existe um contrato social no qual o Estado é o bem comum:

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto senão a si mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente. Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo contrato social.

As cláusulas deste contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte que, conquanto jamais tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas em todas as partes, em todas as partes tacitamente admitidas e reconhecidas, até que, violado o pacto social, reentra cada qual em seus primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual ele aqui renunciou.” (ROUSSEAU, 1983, p.25).

 

Nessa mesma trilha é importante destacar que os traços contratualistas ficam evidentes anos após as colocações de Hobbes, Locke e Rousseau, conforme segue:

Identificam-se na obra de Hugo Grócio evidentes traços contratualistas, que se manifestariam com mais contundência anos depois em Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778), para explicar os motivos que levaram o homem a viver em sociedade.

Seu contratualismo, no entanto, não tem nada de individualista, já que ele acredita que os homens se associam voluntariamente, motivados por uma necessidade mútua de se transferirem direitos e deveres provenientes de seu próprio estado natural.

Há uma notória semelhança com o pensamento de Aristóteles, que considerava o homem um animal político, na medida em que obtém sua realização somente no âmbito da polis. A justificativa desta relação de obrigatoriedade está no fato de que a sociedade precede ao indivíduo, e aquele incapaz de se sociabilizar é um bruto ou uma divindade; e, uma vez que passe a viver em sociedade, o indivíduo tende a desenvolver outras potencialidades que não apenas aquelas que dizem respeito às suas necessidades imediatas. (CARISTINA; DOMINGOS, 2013. p. 9-10)

 

Um ponto comum perpassa o pensamento desses três filósofos - Hobbes, Locke e Rousseau - a fundamentação do Estado está no contrato social.

Sob outro aspecto, ainda na ideia de um contrato social, surge a Teoria da Justiça adotada por John Rawls[2], nessa seara, o pensador dedicou grande parte de sua vida, tentando assim conjugar dois valores supremos (princípios), a liberdade (o valor supremo da vida humana) e igualdade (valor fundamental na convivência política).

Como se pode observar, John Rawls é um contratualista e segue a mesma tradição de John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant. Em 1971, na primeira edição da obra “Uma Teoria da Justiça”, John Rawls apresenta a sua concepção de justiça e diferenciando sua teoria do utilitarismo definido por Jeremy Bentham e Stuart Mill.

John Rawls foi um dos primeiros pensadores a fornecer uma alternativa sistemática ao utilitarismo. John Rawls relaciona o conceito de justiça com o conceito de equidade, remetendo a posição inicial de igualdade humana ao estado de natureza da teoria tradicional do contrato social. Nas palavras de John Rawls “meu objetivo é apresentar uma concepção de justiça que generalize e eleve a um grau superior de abstração a conhecida teoria do contrato social, como encontrado, em Locke, Rousseau e Kant” (RAWLS, 2002, p.11). Assim, John Rawls delimita que o objetivo do contrato é determinar princípios de justiça a partir de uma posição de igualdade.

John Rawls define sua teoria como deontológica, na mesma tradição de Kant, o que é o oposto da tradição teleológica, que visa atingir um fim ou objetivo.

Não devemos pensar no contrato original como um contrato que introduz  uma sociedade particular ou que estabelece uma forma particular de governo. Pelo contrário, a ideia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original. São esses princípios que pessoas livres e racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam numa posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação. Esses princípios devem regular todos os acordos subsequentes; especificam os tipos de cooperação social que se podem assumir e as formas de governo que se podem estabelecer. A essa maneira de considerar os princípios da justiça eu chamarei de justiça como equidade. (RAWLS, 2002, p. 12)

 

Assim, é válido consignar que o utilitarismo tem por objetivo propiciar a máxima satisfação ao maior número possível de pessoas e o mínimo de dor para o menor número possível de pessoas. Dessa forma, a satisfação e a felicidade estavam relacionadas ao prazer, ao passo que a infelicidade e frustração estavam diretamente relacionadas à dor. Necessário se faz realizar o cálculo dos prazeres de acordo com Jeremy Bentham e saber diferenciar entre prazeres superiores e inferiores conforme ensina Stuart Mill.

Dessa feita pode se aferir que o utilitarismo se refere a um tipo de ética normativa segundo a qual uma ação é moralmente correta se busca promover a felicidade e condenável se sua tendência é produzir a infelicidade, considerada não apenas a felicidade do agente da ação, mas, também, a de todos afetados por ela. Essa teoria rejeita o egoísmo, opondo-se a que o indivíduo deva perseguir os seus próprios interesses, mesmo à custa dos outros, e se opõe também a qualquer teoria ética que considere ações ou tipos de atos certos ou errados, independentemente das consequências que eles possam ter.

O utilitarismo difere-se radicalmente das teorias éticas que fazem o caráter de bom ou mal de uma ação depender do motivo do agente, por que, de acordo com a teoria utilitarista, é possível que um resultado positivo seja produzido a partir de uma motivação negativa do indivíduo.

John Rawls ensina que “o utilitarismo é uma teoria teleológica ao passo que a justiça como equidade não o é. Por definição, portanto, a segunda é uma teoria deontológica, que ou não especifica o bem independentemente do justo, ou não interpreta o justo  como maximizador do bem” (RAWLS, 2002, p. 32).

Para John Rawls, a sociedade pré-jurídica seria uma sociedade de cooperação para a vantagem recíproca, sendo que ainda faltam regras para essa cooperação e para a distribuição dos produtos da cooperação. Não utiliza para esta situação a denominação “estado de natureza”, expressão comum nos contratualistas, mas sim cria um novo termo, a “posição original”, que significa a posição hipotética pré-social em que os indivíduos livres e racionais podem escolher os princípios da justiça da futura sociedade política.

A posição original é, portanto, o estado teórico em que as pessoas estariam antes de poderem escolher entre a justiça como equidade de John Rawls e o utilitarismo de Jeremy Bentham e Stuart Mill. O “véu de ignorância”, outro termo criado por John Rawls, impossibilita a pessoa de saber sua posição original e suas qualidades e potencialidades.

A escolha que homens racionais fariam nessa situação hipotética de liberdade equitativa, pressupondo por ora que esse problema de escolha tem uma solução, determina os princípios da justiça. Na justiça como equidade a posição original de igualdade corresponde ao estado de natureza na teoria tradicional do contrato social. Essa posição original não é, obviamente, concebida como uma situação histórica real, muito menos como uma condição primitiva da cultura. É entendida como uma situação puramente hipotética caracterizada de modo a conduzir a uma certa concepção de  justiça. Entre as características essenciais dessa situação está o fato de que ninguém conhece seu lugar na sociedade, a posição de sua classe ou o status social e ninguém conhece sua sorte na distribuição de dotes e habilidades naturais, sua inteligência, força, e coisas semelhantes. Eu até presumirei que as partes não conhecem suas concepções do bem ou suas propensões psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos sob um  véu de ignorância. Isso garante que ninguém é favorecido ou desfavorecido na escolha dos princípios pelo resultado do acaso natural ou pela contingência  de circunstancias sociais. Uma vez que todos estão numa situação semelhante e ninguém pode designar princípios para favorecer sua condição particular,   os princípios da justiça são o resultado de um consenso ou ajuste equitativo. Pois dadas as circunstâncias da posição original, a simetria das relações mútuas, essa situação original é equitativa entre os indivíduos tomados como pessoas éticas, isto é, como seres racionais com objetivos próprios e capazes, na minha hipótese, de um senso de justiça. (RAWLS, 2002, p. 13)

 

Logo, o véu de ignorância, garante, na posição original, as condições para a aplicação da justiça. Para tanto John Rawls identifica três condições necessárias.

A primeira condição diz que os indivíduos na posição original são relativamente similares em poderes físicos e mentais de modo que tendo suas capacidades comparáveis, ninguém dentre eles pode dominar os demais.

A segunda condição refere-se ao caso da escassez moderada, na qual os homens apresentam pretensões concorrentes à divisão de vantagens sociais, mas são levados à cooperação.

Já a terceira condição de aplicabilidade da justiça, diz respeito à existência de interesses concorrentes, ou seja, o conflito causado, principalmente pela liberdade de ação.

John Rawls descreve um sistema de justiça e analisa se ele é válido a partir da apresentação desses termos. “Todos os valores sociais - liberdade e oportunidade, renda e riqueza, a as bases sociais do autorrespeito - devem ser distribuídos igualitariamente, a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores seja vantajosa para todos” (RAWLS, 2002, p. 66). A injustiça, portanto, se constitui simplesmente de desigualdades que não beneficiam a todos. Esse, na verdade, é o primeiro princípio geral.

Enquanto o utilitarista estende à sociedade o princípio da escolha  feita por um único ser humano, a justiça como equidade, sendo uma visão contratualista, sustenta que os princípios da escolha social, e portanto os princípios da justiça, são eles próprios o objeto de um consenso original. (RAWLS, 2002, p. 31)

 

A partir dessa definição terminológica John Rawls propõe um novo contrato social, diferente do proposto por Hobbes, Locke e Rousseau, ele busca harmonizar a liberdade individual e a justiça social. Assim são dois os princípios da justiça social:

  1. a) Todos devem ter igualdade de liberdade, cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais;
  2. b) Existem desigualdades sociais e econômicas e devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo consideradas como vantajosas para os menos favorecidos e dentro dos limites do razoável, bem como igualdade de condições e cargos acessíveis a todos.

Esses princípios, acima enunciados, segundo Rawls pressupõem a sociedade, presidem a atribuição de direitos e deveres e regem as vantagens sociais e econômicas advindas da cooperação social.

Ainda na seara da teoria de Rawls, os princípios de justiça social têm um nítido caráter substancial, e não formal, uma vez que a justiça verificada na atribuição de direitos e liberdades fundamentais às pessoas, assim como a existência real da igualdade de oportunidades econômicas e de condições sociais nos diversos segmentos da sociedade. Assim, o objeto primário da justiça “é a estrutura básica da sociedade, ou mais exatamente, a maneira pela qual as instituições sociais mais importantes distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação social”.  (RAWLS, 2000, p. 97).

2 A CONDIÇÃO HUMANA E OS SEUS PRINCIPAIS DITAMES:

No prefácio de A Condição Humana, Hannah Arendt menciona que seu propósito não era fornecer respostas teóricas às perplexidades do nosso tempo, mas pensar o que estamos fazendo, a partir de nossas novas experiências e temores mais recentes. 

O especifico de algumas inquietações humanas não consiste em responder todas as perguntas, mas sim, aprender a conviver com elas.

Ao começar sua obra, “A Condição Humana”, Hannah Arendt alerta que a condição humana não é a mesma coisa que natureza humana. A condição humana diz respeito às formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. São condições que tendem a suprir a existência do homem. As condições variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem é parte.

Nesse sentido todos os homens são condicionados, até mesmo aqueles que condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de condicionar. Somos seres condicionados, por duas maneiras:

Pelos nossos próprios atos, aquilo que pensamos, nossos sentimentos, em suma os aspectos internos do condicionamento.

Pelo contexto histórico que vivemos, a cultura, os amigos, a família; são os elementos externos do condicionamento.

Na obra Hannah Arendt sintetiza a condição humana em três aspectos:

  1. Trabalho
  2. Obra
  3. Ação

“O trabalho assegura não apenas a sobrevivência do individuo, mas a vida da espécie”. Adriano Correia - O trabalho é o modo como resolvemos permanentemente o fato de sermos viventes, como os outros animais e as plantas, que têm de saciar as necessidades permanentemente repostas do processo vital.

 

 

“A obra e seu produto, o artefato humano, conferem uma medida de permanência e durabilidade à futilidade da vida mortal e ao caráter efêmero do tempo humano”. A obra diz respeito ao legado não-natural do passado, ao mundo, que clama por conservação e renovação e ao mesmo tempo confirma nossa singularidade ante os outros viventes.

“A ação responde à condição humana da pluralidade. A política que dela decorre é o artifício por meio do qual os indivíduos buscam articular a pluralidade testemunhada por suas singularidades com a dignidade assegurada na afirmação da liberdade.

Apesar dessas três categorias, são duas as variações na esfera humana: a do homo faber (aquele que faz, que fabrica o que é durável) e a do animal laborans (aquele que se esforça para produzir objetos que possam ser consumidos e assimilados). 

Hannah Arendt discute o que move e quais são as condições do ser humano. O eixo dessa análise são as atividades por ela chamadas de vida ativa, ou seja, a capacidade humana de ação. Tanto ação, obra e trabalho estão relacionados com o conceito de “Vita Activa”. Para os antigos, a “Vita Activa” é ocupação, inquietude, desassossego. O homem, no sentido dado pelos gregos antigos, só é capaz de tornar-se homem quando se distancia da “vida activa” e se aproxima da vida reflexiva, ou seja, contemplativa.

Dentro dessa lógica só é homem aquele que tem tempo para pensar, refletir, contemplar.

Uma mudança central que Hannah Arendt trabalha é a nossa transição do contemplativo para o ativo. O homem antigo tem um ideal de contemplação e o homem moderno possui um ideal de atividade. Podemos reparar isso na própria identificação, pois a ligação estava relacionada a polis: Heráclito de Éfeso (cidade da Jônia), Parménides de Eleia (cidade da Magna Grécia). Atualmente, somos lembrados pela nossa atividade (trabalho).

O tema central do livro é a diminuição do status do ser humano de ser político (que age) para homo faber (que cria) até animal laborans (que se reproduz). A teoria que a Hannah Arendt realiza é basicamente voltada em cima de um postulado, pois ela possui um projeto teórico politico. Ela tenta compreender a evolução humana dentro dos seus movimentos políticos e dentro da política no século 20.

 

A autora se questiona de que como ficaremos se o mundo está dado na mão desse animal laboral, já que a história nos dá esperança de futuro. Porque se formos nesse caminho, a qual trilhamos (totalitarismo, nazismos) o mundo irá se autodestruir, e o homem é realmente capaz de se extinguir através de suas ações. Outro grande questionamento que a autora realiza no livro é a posição do que é publico e privado, entre e a antiguidade e o mundo contemporâneo. Um dos grandes questionamentos que fazemos no século 19 é a posição do que é privado, que está ligado ao significado da intimidade, que é diferente dos Gregos, pois não entendem a ideia de privado com intimidade, mas sim como privação.

 Na Grécia Antiga a esfera privada estava ligada a esfera da casa (oikos), da família, e daquilo que é próprio do homem. Ou seja, um universo fechado. E existe uma hierarquia entre as pessoas, o pai é mandatário, provavelmente cidadão, mas dentro da casa ele é o chefe. A casa é um espaço onde necessita de serviços, precisamos comer para sobreviver, é a vida em si mesma.

No mundo antigo a liberdade é de tal ordem ligada à cidade que ela não tem nenhum sentido individual. A polis nos remete a condição de liberdade. A possibilidade de liberdade humaniza, já que a liberdade se dá por conta da possibilidade de estar sendo cidadão.

Nesse sentido, vemos que dentro desse espaço e cheio privação, o trabalho está ligado ao serviço, ou seja, estamos falando de uma condição de segunda categoria, já que muitas vezes o serviço é dado a um escravo. Hannah aponta uma grande modificação entre escravo de serviço entre a Grécia e Roma.

Em Roma o espaço político, dentro desse ambiente familiar tinha outro significado exatamente pelos romanos tinham muito apego a legislação escrita, e das algumas vezes o escravo era tido como um serviçal de categoria melhor, quando ele estava no plano das ideias, quando ele estava apegado a este tipo de função. No entanto, não deixava de ser escravo. Ou seja, quando se fala em labor, trabalho nessa circunstância estamos falando de um ambiente de privação, e aí sim estamos falando na necessidade da vida, que é um pouco diferente de gozar a vida, porque o ambiente é outro, então você vê, para falarmos de trabalho, temos que nos localizar dentro dos espaços a qual estamos inseridos.

O espaço diferenciado, onde se goza a vida, onde se tem liberdade é na polis. Para Aristóteles a polis é local de liberdade, é a vitória sobre a necessidade, já que é o ambiente a discussão a partir de uma determinada contemplação dos objetos e das coisas e da própria vida tem espaço de discussão. Contudo, é um espaço biopolítico. De repente a polis é um ambiente biopolítico, pois a contemplação tem a ver com a sua relação de ambientes de artesãos. Porque a Ágora não é um espaço político puro, não é uma plenária, é um espaço de mercado, onde essas relações entre o trabalho e determinado tipo de trabalho que tem haver com fabrico, que está ligado com um espaço de liberdade.

Na banalidade do mal, Hannah Arendt culpa o totalitarismo nazista exatamente pela perspectiva moderna de que isso foi dado pelo individualismo do mundo. As pessoas estão pensando nelas, nos ganhos que elas promovem, na vida que elas podem ter, naquilo que ela quer usufruir, na satisfação particular. Não existe mais espaço para a política. Houve a suprema individualidade, a qual você só é sujeito na massa.

O modo a qual nos tornamos está bem de acordo com o pensamento de Zygmunt Bauman – “Vivemos em tempos líquidos. Nada é para durar”.

A palavra/discurso perdeu força e com isso a ação política também, pois era nela que o cidadão tinha poder de expressão e se sentia livre. Ao longo do tempo, o grau de importância das três divisões da vida ativa (o labor, o trabalho e a ação) sofreu alterações. Se em um primeiro momento é a religião que aliena, na sociedade moderna a alienação aumenta ainda mais por causa das chamadas “forças de produção”. Uma das grandes queixas da autora é que os campos de concentração causaram a “cultura do descarte humano”, pois ali houve a matança toda a espontaneidade dos homens. Foi ali que houve a inserção do trabalhador ideal para as funções de produção. Temos a ideia de que a divisão do trabalho se dá na transição do séc. 19 para o séc. 20, de maneira acentuada e que é a divisão do trabalho pelo terrorismo.

A Hannah Arendt faz um viés de que isso é um processo, mas há também outro elemento, que é o elemento de que cada pessoa pode ser descartada na atuação de produção de serviço. E já que há elementos (pessoas) suficientes para a atividade, potencialmente todos os demais também seriam. Com essa classificação surge o fenômeno do genocídio. Onde há a decisão de alguém de eliminar todos aqueles que se achavam úteis.

Assim o homem, que já havia perdido seu lugar no campo político da ação, deixa de ser reconhecido como homo faber e é reduzido na sociedade industrial a mera função de sobreviver. O resultado é um isolamento que o separa do mundo dos objetos e da sociedade. Em resumo, a ação passou a ser concebida em termos de fazer e fabricar (homo faber), o que é apenas outra forma de labor (animal laborans).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

John Rawls e Hannah Arendt desenvolveram suas obras a partir de uma situação fática. Destacamos em John Rawls a liberdade de consciência e a tolerância aos intolerantes, desde que esta tolerância não represente prejuízos à maioria. John Rawls ainda afirma que as religiões e os dogmas não deveriam participar da discussão e da construção de um estado democrático, igualitário, já que se tratam de decisões pessoais.

É relevante também citar a tolerância para com as minorias, que deve ser respeitada, evidenciando a diferença entre a liberdade de opinião e o possível discurso de ódio.

Conclui-se, então, que a obra de John Rawls, é muito concreta e oponível a todos os níveis de discussão jurídica, sociológica e histórica que possamos ter na atualidade. Por tratar de temas complexos e de grande relevância na atualidade, ainda são passíveis de reflexão e discussão.

A condição humana de Hannah Arendt abarca mais do que as condições sob as quais a vida foi oferecida ao homem. A condição humana realiza uma reconstrução da natureza da existência política a qual o homem está inserido. Esta busca de Hannah Arendt se concretiza apresentando claramente a influência exercida por Heidegger e Jaspers.

Contudo, há muito que se discutir para um ideal de justiça. A sociedade guarda relações profundas com a política, a religião e própria cultura, que impedem que alguns direitos, conquistados, inclusive, juridicamente, sejam efetivados socialmente e é por isso que a obra de John Rawls se faz tão atual.


REFERÊNCIAS 

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ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé. São Paulo: Saraiva, 2005.

ROSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

 

[1] Sobre poder é válido consignar “Entre todas as sociedades chamadas de Estado, das mais primitivas às mais complexas, encontramos sempre um fator comum: indivíduos mais fortes que querem e podem impor a sua vontade aos restantes e, nesse caso, pouco importa que esses grupos estejam ou não fixados em um território, que sejam ou não reconhecidos por outros grupos, com estrutura homogênea ou diferenciada. A imposição dessa vontade reveste-se de variadas expressões: força exclusivamente material, força moral e religiosa, força intelectual ou força econômica. O poder econômico não constitui o único vetor do poder político, conforme pretendia a escola marxista (teoria do “materialismo histórico”), mas desempenhou, certamente, na história das instituições políticas, um papel de primeira ordem. Assim, em todos os países e em todos os tempos, em qualquer das modalidades de força, acima elencadas, os mais fortes quiseram e conseguiram impor-se aos outros.” DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Tradução de Márcio Pugliesi. São Paulo: Martin Claret, 2009, p.47.

[2] John Rawls, filósofo político norte-americano, falecido aos 81 anos, em 2002, escreveu a obra Uma Teoria de justiça (A Theory of Justice, 1971).