Uma Profissão e o Capitalismo
Por Fernanda Lapenda Silveira | 17/05/2009 | EducaçãoNo final da década de 1970, iniciaram-se as discussões sobre a profissionalização e a proletarização docente, a organização escolar e a feminização do magistério. Para alguns pesquisadores, a entrada massiva da mulher no magistério provocou no imaginário social e na constituição profissional da categoria, uma crescente desvalorização social e salarial, muito devida à crescente desqualificação e fragmentação do seu trabalho, "popularização" do ato de ensinar, ao desprestígio social da ocupação, à baixa remuneração e à presença dos especialistas na escola.
Mesmo sofrendo essa desvalorização, assim como o trabalhador fabril, ainda se afirma que o docente deve ser analisado de forma diferenciada, pois não é um trabalhador submetido à lógica capitalista. Será mesmo?
A discussão sobre o docente ser um trabalhador produtivo ou não aparece em algumas pesquisas, onde Hypólito (1994), Nunes (1990) e Wenzel (1991) discutem o trabalho docente a partir de uma análise sobre a natureza deste trabalho na sociedade capitalista.
Enguita (1991), também busca compreender a natureza do trabalho docente começando por apresentar e diferenciar os profissionais e os proletários. Este mesmo autor apresenta os semi-profissionais, uma categoria de trabalhadores que permanece numa posição intermediária, classificando-os como "grupos que estão submetidos à autoridade de seus empregadores mas que lutam por manter ou ampliar sua autonomia no processo de trabalho e suas vantagens relativas quanto à distribuição da renda, ao poder e ao prestígio. Um destes grupos é o constituído pelos docentes". (p. 43)
Em uma forma genérica, pode-se compreender o trabalho como a utilização da força, na relação com a natureza, para a produção de valores de uso necessários à vida humana. O processo simples de trabalho, que resulta na produção de valores de uso para satisfação das necessidades humanas, difere do processo de produção capitalista, o qual tem como finalidade a produção de mais-valia e de capital.
Tendo diversas situações possíveis de trabalho docente, tomemos como exemplo para análise um professor que trabalha na rede privada de ensino. Nesta situação, ele vende sua força de trabalho ao proprietário da escola, produz uma mercadoria – ensino -, que pertence a este último e, ao fazê-lo,produz mais-valia e, consequentemente, capital, o que o caracteriza como um trabalhador produtivo. Já um professor que trabalha na rede pública de ensino, vende sua força de trabalho do mesmo modo, gera uma valor, mas não uma mais-valia.
A atividade de ensino já foi vista como função de alto valor social, interpretada como um "dom", um "sacerdócio", valorizada por todos os cidadãos e assumida pela sociedade como uma atividade pública. Mas asmodificações promovidas pelas novas formas de compreender a prestação de serviços, dentre eles a educação, orientaram-se, sobretudo, pela lógica do modo de produção capitalista.
Neste sentido, a educação tornou-se um dos setores mais lucrativos (investimento de retorno imediato; desencadeado a partir do desmoronamento gradual da educação pública e gratuita). Assim, se é possível aplicar à atividade de ensino a lógica da produção capitalista, é também possível gerenciar aqueles que produzem essa mercadoria (os professores), tal qual se gerenciam os trabalhadores de uma fábrica.
Na época da Revolução Industrial, a escola se constituiu com a função de preparar o aluno para realizar atividades na linha de montagem; para formar a massa de trabalhadores fabris . Na modernidade, ela se estabeleceu como instrumento de formação de trabalhadores aptos a realizar as atividades mecânicas exigidas pela Revolução Industrial. Atualmente, reivindica-se a educação como meio para aquisição de habilidades necessárias para o mundo eletrônico, o que, de certo modo, enfatiza o papel domesticador da escola.
Portanto, vê-se que o crescimento do capitalismo apresenta proporções inversas à da atuação docente no Brasil: enquanto o primeiro ganhou todas as esferas da economia, o segundo perdeu espaço no âmbito social e profissional.
Não posso (ou não quero) enxergar a escola particular apenas como um setor da economia, como uma aplicação ou investimento, como um negócio do qual o lucro seja o único objetivo.
Prefiro enxergar as exceções, se for o caso, onde ainda exista a percepção de escola como sendo um lugar privilegiado de ensino, capaz de formar cidadãos críticos e reflexivos, aonde se oportunize a convivência com a micro-sociedade que a envolve e aonde ocorra a real preparação para "o mundo aqui de fora".
Sinceramente, espero que o capitalismo não seja mais forte que os professores, que as instituições e que os professores. Espero que os valores construídos no decorrer da História não sejam corrompidos ou sufocados pela busca desenfreada do lucro e do poder a qualquer preço. Espero que a busca pela (verdadeira) educação continue sendo a força motriz para chegarmos a um mundo onde o Homem e o sentimento se sobressaiam à máquina e ao dinheiro!