Uma pedagogia do capital?
Por NERI P. CARNEIRO | 14/02/2009 | FilosofiaO mundo e as relações sócio-econômicas sofreram muitas alterações nesses últimos tempos e continuam mudando muito rapidamente. E com isso o perfil do trabalhador, solicitado pelas empresas se altera. Qual o papel da escola diante dessas novas exigências?
Essas mudanças estão provocando um intenso processo de reorganização do trabalho e das relações no ambiente de trabalho. Embora não se altere a conflitiva relação capital-trabalho, as novas tecnologias e teorias estão superando o modelo taylorista-fordista, baseado na linha de montagem, na produção em série, na grande divisão do trabalho.
Hoje, para fazer frente a essa nova realidade o trabalhador também precisa desenvolver novas características tanto no seu modo de pensar como no modo de agir e encarar o trabalho. Já não cabe mais, para o atual modelo, o comportamento do trabalhador que sabe apenas cumprir ordens e não tem espírito de equipe, iniciativa, criatividade; e que não está disposto a aprender constantemente. O trabalhador, diante deste novo modelo, precisa desenvolver novas habilidades tanto do ponto de vista operacional como cognitiva e atitudinais. Precisa ser flexível, possuir maior capacidade de concentração no trabalho, nas decisões, na resolução de problemas inesperados. As novas máquinas, os novos desafios, a aceleração constante das inovações pedem um trabalhador versátil.
Para que esse novo trabalhador apareça no mercado de trabalho, exige-se uma nova postura escolar. Dentro dessa lógica fica reservada ao sistema escolar a tarefa de dotar os trabalhadores de boa formação, fazê-los capazes de desenvolver novas habilidades proporcionando-lhes novos conhecimentos técnicos e teóricos, tão necessários neste momento. Para dar conta dessas exigências também a escola deveria passar por um processo de mudanças e adequar-se às necessidades deste novo trabalhador.
Aqui, entretanto entra um problema. O que se tem observado, historicamente, é que a escola não tem dado conta de produzir o novo. E mais ainda, quando a escola percebe que há um novo modelo de trabalhador sendo exigido pelo mercado, tenta se adaptar a isso, mas o faz sempre atrasada. E, quando se organiza para responder à exigência do mercado, o modelo oferecido já não serve mais: o mercado já se adiantou e tem novas exigências.
Aliás, nunca é demais lembrar o porquê do nascimento da escola. O processo de aprendizagem, durante muitos milênios, acontecia não na escola, mas no convívio entre o aprendiz e seus familiares ou os membros mais velhos da tribo. Somente com a estratificação social e com a necessidade de mão-de-obra qualificada para manter a estrutura social e para preservar os privilégios da classe dominante é que se organizou a instituição escolar. A escola, portanto, nasceu não como anseio popular, mas como estratégia de manutenção da estrutura social. A escola nasceu como forma de capacitar os indivíduos que serão os burocratas ou os tecnocratas da sociedade estratificada.
Hoje a instituição escolar encontra-se num dilema. De um lado vem a exigência do mercado: formar mão-de-obra qualificada e com o perfil dinâmico que caracteriza o mundo atual. E por outro lado lhe é pedido que dê educação aos estudantes, esquecendo-se que essa é uma atribuição da família e não da escola. Com isso a instituição escolar, que já tem dificuldade de capacitar o estudante para o mercado de trabalho, está ainda maisimpotente, pois não tem como educar e qualificar.
E assim volta a questão: qual seria o perfil do trabalhador exigido pelo mercado, neste início de século XXI?
O perfil que se exige neste início de século é bastante diferente daquele que existia, e ainda existe, em muitos trabalhadores. As empresas estão valorizando outras formas de comportamentos. Exige-se um perfil empreendedor. Não há mais espaço para o cumpridor de ordens. É necessário que o trabalhador seja dinâmico, eficiente e criativo. Tem que ser polivalente, flexível, com ampla possibilidade e capacidade de adaptação. O trabalhador deste início de século XXI tem que ser versátil, culto, antenado (ou, melhor ainda, conectado) em tudo o que está acontecendo. E isso ainda é insuficiente. Pode-se inclusive fazer uma pequena lista de algumas capacidades que deve possuir o trabalhador deste início de século. Capacidade estas que deveriam ser desenvolvidas pela instituição escolar naqueles que dela se beneficiam e que deveriam procurar desenvolver aqueles que desejam vencer no mercado de trabalho:
Capacidade de sonhar e de acreditar no diferente
Capacidade de empreender e de fazer o diferente
Capacidade de improvisar e de adaptar-se ao novo
Capacidade de argumentar e de ouvir argumentos
Capacidade de agir em equipe e de valorizar o grupo
Capacidade de fazer escolhas e de tomar decisões
Capacidade de ser flexível e de acolher alternativas
Capacidade de se sensibilizar e de se emocionar
Capacidade de se solidarizar e de cooperar
Esse é, portanto, um dos dilemas de uma possível pedagogia do capital: responder às exigências do mercado de trabalho e participar do processo de educação do cidadão. E, mais do que isso: promover o processo de qualificação e saber que depois de qualificados os cidadãos não poderão contar com a disponibilidade de postos de trabalho.
Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.
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