Uma Necessária Consciência de Pobreza

Por Paulo de Aragão Lins | 20/11/2008 | Filosofia

UMA NECESSÁRIA CONSCIÊNCIA DE POBREZA

Não sou economista nem sociólogo, mas também não sou burro. Tenho observado uma tragédia que me deixa simplesmente triste e desesperançado com minha geração e com a futura.

A tragédia é uma ilusão, uma alucinação, uma fantasia, um fingimento, uma utopia, um engano, um devaneio e, por que não dizer – um blefe.

Vou colocar em números, porque segundo o pequeno príncipe de Exupéry, os adultos só entendem a linguagem dos números.

Refiro-me ao fato observável por qualquer um que nosso povo (e meu filho Héber, que mora na América informou-me que também o povo de lá), repetindo: que nosso povo quando ganha R$415,00, faz compromissos da ordem de R$800,00 a R$1.000,00.

Imagine quando ganha em torno de R$1.200,00! Meu Deus do céu! Vira uma parafernália de lindos cartões de crédito, alguns até com chip, e o bruto gasta todo o limite dos cartões e fica com um compromisso médio de R$3.000,00 a R$4.000,00, mora em casas de aluguel alto ou em apartamentos de condomínios caros.

Atrasa conta de luz, atrasa conta de água e, pasme, ainda manda instalar uma linha telefônica em casa, que também atrasa.

Não se submete a viver em um bairro mais popular. Não se conforma em usar roupas mais simples. Tem que colocar os filhos em colégios particulares e entra na lista dos inadimplentes. Chegam a prejudicar os filhos com isto.

Não se submetem a andar de ônibus. Minha cidade, por exemplo (João Pessoa, Pb.) tem uma frota de ônibus que chega às raias da perfeição. Pontuais, rápidos, confortáveis, atendendo a todos os bairros e subúrbios mais distantes.

Por que morar em casas de aluguéis caros em bairros mais chics, quando poderiam morar em uma casa que serviria perfeitamente para suas necessidades, em lugares mais em conta?

Porque não está existindo em nosso meio uma necessária consciência de pobreza. Ui, sai prá lá! Tá amarrado! Isto é moda agora.

Temos hoje igrejas que vivem somente para pregar prosperidade enlatada e instantânea. É só botar no microondas que pipoca tudo. Parece até que não usam a mesma Bíblia que uso. Minha Bíblia diz que "os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína" (1Timóteo 6.9).

Quando João Batista estava pregando, alguns soldados o interrogaram, dizendo: E nós que faremos? João Batista respondeu: "A ninguém trateis mal nem defraudeis, e contentai-vos com o vosso soldo (Lucas 3.14).

Aquele grande paladino da fé e precursor de Jesus Cristo não procurou induzir ninguém a se tornar rico, nem a dar ofertas astronômicas, nem a "sonhar os sonhos de Deus". Prá começar, Deus não sonha.

Agora, pergunto novamente: Por que viver na ilusão, no engodo, na fantasia, no fingimento, na utopia, no engano, no devaneio e no blefe. Olhe, não fique me odiando não, porque agora vou dizer a palavra mais correta: Por que viver na mentira?

Será, caboclo, que sua Bíblia é diferente da minha? A minha diz em Hebreus 13.5 as seguintes palavras inspiradas, abençoadas e verdadeiras: "Sejam vossos costumes sem avareza, contentando-vos com o que tendes; porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei".

Será que ser pobre é abominação e maldição, como muitos estão pregando por aí? O que Jesus pensava dos pobres? Ele disse que ia acabar com a pobreza? Ele afirmou que todo cristão tem que ficar rico e que isto é uma prova de salvação e comunhão com Deus como pregava o famigerado João Calvino?

Vamos conferir nas Escrituras? Leia, por favor:

João 12:8 - Porque os pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes.

Lucas 6:20 - E, levantando ele os olhos para os seus discípulos, dizia: Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus.

Tiago 2:5 - Ouvi, meus amados irmãos: Porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?

Vamos esquecer os Estados Unidos e a Europa e vamos falar com franqueza – nosso país está uma vergonha de inadimplência, de corrupção, de desejo de dinheiro fácil, de tanta safadeza, de velhacaria e outras mazelas semelhantes.

Veja, não estou dizendo que um pobre não pode melhorar de vida e até ficar rico, não! Não estou fazendo aqui a apologia da miséria. Não estou procurando induzir ninguém. Só estou dizendo que você precisa ser realista, verdadeiro, correto. Comece a disciplinar essa vontade desenfreada por aparência, donaire, ar superior, aspecto exterior, feição falsa, falsidade, fingimento, embuste, aleivosia, lorota, mentira...

Como escreveu o poeta Raimundo Correa: "Quanta gente que ri, talvez existe, cuja ventura única consiste em parecer aos outros venturosa!"

Transcrevo este genial soneto de Bastos Tigre que tão bem esclarece a situação que aqui apresento:

MAL DISCRETO

 

Se a prontidão, a pinda, a quebradeira

E os vários males nesta mesma classe,

Tudo o que punge a tísica algibeira

Sobre o rosto do "pronto" se estampasse

 

Se eu pudesse a crise financeira

Ler através da máscara da face

Quanta gente, talvez, que da primeira

Fila, para a última passasse...

 

Quanta gente nós vemos, quanta gente

Cujo largo plastrão, discretamente

Uma camisa enxovalhada esconde...

 

Quanto moço elegante e perfumado

Que anda, imponente, de automóvel fiado

Porque lhe faltam os níqueis para o bonde!

Aceitar a presente situação, não é conformismo. Entender que é pobre, não é covardia. Adaptar-se a um orçamento racional e realista, não é se entregar. Ao contrário, só daí pode partir para uma vida mais promissora. Por quê? Porque estará mais tranqüilo para pensar, imaginar, projetar, empreender algo e realmente prosperar.

Mas, voltando ao pequeno príncipe, prosperar não é pular do centavo para o milhão. Prosperar é viver de acordo com o que consegue, deixando sempre uma sobra, por pequena que seja para o mês seguinte.

Antes de me xingar, dizendo que ganha salário de miséria, procure se adaptar, colocar os pés no chão e um dia todos que lhe rodeiam vão ver como tudo melhorou em sua vida.

E para concluir, que você já entendeu muito bem, vou citar uma frase do meu pai José Ratz Lins: "Todo trabalho dignifica o homem".

Quantos estão passando reais dificuldades, porque não são humildes o bastante para aceitarem um trabalho de acordo com sua própria suficiência.

E aí, amigo, vamos viver a verdade?