Uma conversa amigável

Por Romano Dazzi | 17/06/2009 | Crônicas

183  -  UMA CONVERSA AMIGÁVEL

De Romano Dazzi

 

A cama branca e fofa parecia um nuvem ; um arzinho agradável soprava no rosto do José. E de repente ele sentiu que estava muito longe de casa, e sabia perfeitamente onde estava. Uma grande paz se espalhou no seu ser, e não havia lembranças amargas, nem sensações desagradáveis.

- Finalmente, estou aqui, Senhor, disse ele.

-  Bem vindo, meu filho ! Estamos contentes com a sua chegada

- Obrigado, Senhor, eu também estou feliz e, se devo confessar, aliviado.

-  Por que ?  De que Você tinha medo ?-     

- Da viagem, da distância,  do Desconhecido,  ao longo do caminho...

-  Se você estava comigo, nada deveria temer.

- Sim, mas a minha fé sempre foi fraca e vacilante...

-  Explique-me direito isso, meu filho.

- Bom, sou um homem, e como todo homem,  tenho dúvidas, temores, incertezas.

  Nunca sei para onde estou indo, nem porque. Acredito nas pessoas que  falam  bonito.

   Escuto  as  que gritam mais, obedeço aos mais fortes.

 -  Mas Eu mandei o meu Filho, para lhe mostrar a Verdade. .

- Sim, mas há tantas verdades !  E cada um conta a sua própria.

-  Bem, creio que teremos muito tempo para discutir isso. Mas me diga, como anda

    o mundo ? Sabe, com “el niño” há tantas nuvens que não consigo enxergar o que

    acontece lá embaixo

- Oh, Senhor, é até bom, às vezes, que o Senhor não veja; está tudo uma grande    

   confusão;  as pessoas estão incertas, as nações estão perdidas.

   A guerra, o ódio, a  traição espalham-se por todas as almas;

  as antigas marcas que indicavam o caminho, foram arrancadas pelo progresso e cada

  um tenta seguir por sua própria estrada, pisando no que for e em quem for, para

  chegar.       

 . -  Mas chegar onde, meu filho ?

- Pois é. Este é o problema. Ensinaram-me, há muitos anos , que a vida é apenas  uma 

   passagem  por   um  vale de lágrimas;. um momento de provação e  dificuldade, que logo será superado. Precisamos agir bem, apesar das dificuldades,  porque seremos julgados pelo que fizemos aqui e ganharemos a vida eterna ou a   morte .

- Sim, esta é uma interpretação simplista, mas no fundo, é  correta.

-  Certo, mas agora tudo foi posto em dúvida; não há mais um texto, uma história: apenas  “interpretações”, cada uma levando para um caminho diferente. Confesso que estou feliz por estar aqui,  verificando que o Senhor existe mesmo.

- Como ? Você duvidava ?

- Sim, Senhor, me perdoe, mas eu tive dúvidas  o tempo todo: primeiro, se o senhor

  existia ou não; depois, se seria bom, e se seria justo, e se realmente estaria interessado em  nós .  Duvidei  mesmo, porque são tantas as nossas desgraças e as nossas dores ,  que nos sentimos desamparados, perdidos. E às vezes,  para aliviar  e encurtar o sofrimento, chegamos a renunciar à vida.

-    Fico muito triste, ao ouvir isso, meu filho; Eu fiz um mundo rico e bonito, fiz o sol e  a lua, os mares e as montanhas, e o calor e o frio; fiz do homem o mais inteligente e o mais sensível dos seres,  dei-lhe  pernas e pés, para que ele pudesse andar, e se aventurar e procurar os lugares que mais lhe agradassem; troquei as  asas de anjo, que lhe tinha dado, por  braços e mãos, para que  pudesse colher os frutos e alimentar a si e aos seus irmãos;

-                Sim, meu Deus, mas aí o homem inventou a clava e o machado e a atiradeira; e de lá para cá, só melhorou na arte de se livrar dos seus irmãos, de dominá-los, de escravizá-los.  Há momentos em que parece que todos os males se juntam no homem e o tornam um animal raivoso, bruto, violento...

-                Mas muitos dos que  aqui chegam  contam histórias  lindas, sobre os homens: espírito de sacrifício, solidariedade ,  desprendimento , ajuda mútua;  o amparo aos velhos e às crianças, a mão estendida aos doentes, o socorro aos desamparados....

-                Sim, Senhor, sei que eles existem, é verdade, mas são tão poucos, trabalham em silêncio,  ninguém  os nota, não estão na TV  e parece que realizam tão pouquinho.......

-                Não, não, eles fazem mais, muito mais do que você pensa. São eles a minha face verdadeira . Eles  são os meus olhos,  as minhas mãos. É através deles que me manifesto e convivo com as pessoas.

-                Mas os homens nascem bons ou ruins, generosos ou avarentos, inteligentes ou incapazes; eles  são feitos para abraçar o bem ou para se dedicar ao mal ...Não existe meio termo, não existe escolha.

-                Não, não: diante de mim, todos os homens são iguais; não há melhores,  nem piores. O mal e o bem estão em cada homem em quantidades iguais  É ele que decide quem vencerá. E ele sempre sabe se está do lado do bem ou do mal.

-                O que você não notou nos homens, é o quanto eles precisam de líderes, de pastores, de guias. Como você, todos correm atrás de quem grita mais, de quem fala melhor.

Eles precisam de exemplos; este é o ponto essencial; o exemplo

 Antes de cada ação, o homem deveria  perguntar-se  se o que ele vai fazer será  um

 bom exemplo;   o que aconteceria se  todos fizessem o mesmo ? isto melhoraria o

 mundo, as pessoas, as nações ? ou as pioraria  ?

-                Bom, Senhor, é uma boa idéia; mas eu já estou aqui, e então para mim este conselho  não vale mais...

-                Errado, meu filho; eu só quis ter  uma conversinha com você. Agora você vai voltar, e me ajudará a espalhar esta idéia. Dar exemplos. Dar exemplos.   Sei que posso contar com você.... Vá em paz.

 

José sentiu-se pousando suavemente naquela cama fofa e confortável, suspirou e abriu os olhos.

O médico examinou-o com cuidado e por fim disse:

- “ Graças a Deus, nada de grave, apenas uma boa pancada; você teve sorte, desta vez... podia ter morrido, ! 

“ Vou lhe dar  alta hoje, mas não abuse... 

“ E principalmente, não atravesse a rua correndo, só para ouvir o comício do seu candidato.....”