Uma breve perspectiva sobre as controvérsias da atuação dos transexuais no âmbito esportivo, sob um enfoque do Direito Constitucional brasileiro

Por Julia Fabricia Boff | 16/05/2018 | Direito

            1. Introdução        

            O presente artigo tem como objetivo apresentar uma breve perspectiva a respeito do conceito da transexualidade, bem com os princípios constitucionais que podem ser aplicados a essa esfera; focalizando todos esses elementos no que concerne os transexuais no âmbito esportivo – Trazendo à tona possíveis controvérsias e reflexões que essa pauta causa e pode vir a causar. 

            2. Os transgêneros e os princípios constitucionais

            A Carta Magna brasileira, promulgada em 1988, traz, de forma clara, a defesa e proteção a igualdade, liberdade, a dignidade da pessoa humana e ao pluralismo de várias esferas aos indivíduos que habitam nesse território, como aponta o autor José Afonso da Silva.  

            Contudo, mesmo havendo tais garantias, é possível observar que determinados grupos sociais não possuem acesso pleno a essas proteções – Como é o exemplo dos Transexuais que, embora tenham conquistado seus direitos em alguns aspectos, ainda sofrem com discriminação, ou com a existência de determinadas garantias que não os protegem integralmente.

            Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), a transexualidade é considerada um transtorno, tendo inclusive Código Internacional de Doença (CID), devendo o indivíduo, portanto, passar por um tratamento antes de sua transição. Por sua vez, a Comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) entende essa questão como uma discordância que há entre o sexo biológico e a identidade de gênero do indivíduo.

 

            3. Controvérsias entre a atuação dos transexuais no âmbito esportivo, sob um enfoque constitucional

            Em 2016, o Comitê Olímpico Internacional (COI) - concedeu aos atletas transexuais a autorização para que estes pudessem participar de competições oficiais. No caso das transexuais femininas, o Comitê exige que antes das mesmas estiverem em condições aptas para competir, as jogadoras devam passar por 12 meses (um ano) pela hormonioterapia (com estrogênios ou bloqueadores) – Para que assim reduzam o nível de testosterona (inclusive atingindo um nível de testosterona a menos que o de mulheres cis); com o intuito da competição ocorrer forma equiparada.

            Como um evento notório, após essa decisão do COI, tem-se o caso da jogadora Tifanny Abreu, que foi a primeira transexual a atuar num time de vôlei brasileiro de elite. No entanto, mesmo que embora essa circunstância possa ser vista como uma conquista, esse fato gerou grandes discussões – Isso porque, a atleta Tifanny recebeu um grande destaque em razão de sua alta performance, situação essa que levou parcela das demais competidoras e parte do público a questionar se era justo ou não a participação de uma transexual no jogo.

            Os indivíduos que são contra essa decisão do COI expõem que embora a transexual passe por cirurgia e faça a devida hormonização regularmente, ainda restam resquícios da anatomia masculina em seu corpo. Por isso, parcela da população que discorda dessa autorização, afirma que esse conjunto todo se manifesta de forma injusta para com as demais competidoras – que a princípio “não possuem” o mesmo desempenho de uma transexual feminina.  

            Entretanto, a partir do momento em que um indivíduo se assume transexual, é dever do Estado e dos cidadãos, respeita-los como tal - aceitando sua nova identidade de gênero, lhe dando um suporte digno. Independentemente do órgão genital que este tenha fruído em sua concepção, no momento atual - este se apresenta como um homem ou uma mulher, devendo ser resguardado seu direito de ser tratado de forma igualitária.

            Essa é uma garantia prevista na Constituição Federal de 1988, no artigo 3°, inciso IV, que determina como sendo objetivo fundamental da República Federativa Do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

            E apesar de existir essa garantia de ampla abrangência - dentre algumas outras atribuições que protegem a específica condição da população trans; a aplicação desses direitos, bem como sua fruição, parecem não ser integrais. Pois a partir do momento que se concede um direito aos transexuais, é comum se observar que a veracidade dessa concessão é questionada; ou em alguns casos, sua aplicação é parcial.

            Nesse caso, é possível concluir que a dignidade da pessoa humana dessa parcela social é totalmente violada, visto que nem seus direitos básicos e fundamentais são fruídos de forma completa.  

            Inclusive, de acordo com a moral kantiana, a dignidade possui um valor incondicional e incomparável. De sorte que Kant traduz a sua ideia com a seguinte sentença: “Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”.

            4. Conclusão

            Por fim, é importante salientar que, quando se concede um direito para um indivíduo, essa garantia deve ser aplicada de forma completa, e não de modo segmentário e volátil.

            Não se pode conceder o direito de transição sexual e, após a sua concretização, não enxergar o indivíduo a partir de sua nova identidade. Não se pode conferir o direito de participar de uma competição esportiva, por exemplo -  E depois retirar essa concessão, por não aceitar a realidade sexual do indivíduo trans. A população transexual é digna de usufruir seus direitos de maneira íntegra- de forma a ter sua dignidade devidamente respeitada.

                                    Bibliografia

ANDRADE, André Gustavo Corrêa. O Princípio fundamental da dignidade humana e sua concretização judicial.  Disponível em: Acessado em 13 de Abril de 2018.

ANDRADE, André Luis Morales. Direitos e garantias fundamentais dos transexuais. Disponível em:  Acessado em 17 de abril de 2018.

BIANQUE, Guilherme Fajardo. O Transexual e o Direito brasileiro. Disponível em: Acessado em 13 de Abril de 2018.

COMITÊ OLÍMPICO INTERNACIONAL – COI. Reunião de consenso sobre reatribuição do sexo e hiperandrogenismo. Disponível em: <http://www.olympic.org/Documents/Commissions_PDFfiles/Medical_commission/2015-11_ioc_consensus_meeting_on_sex_reassignment_and_hyperandrogenism-en.pdf> Acessado em 12 de Abril de 2018.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martin Claret. 2003.

NARRICK, Hugo Vieira Melonio; Thomaz Décio Abdalla Siqueira. O transgênero no esporte. Disponível em <www.even3storage.blob.core.windows.net> Acessado em 12 de abril de 2018.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

VIEGAS, Cláudia de A. R.; RABELO, Cesar L. De A.; POLI, Leonardo M. Os Direitos Humanos e de Personalidade Transexual: Prenome, Gênero e a Autodeterminação. Disponível em . Acessado em 17 de Abril de 2018.