Uma análise sociolinguística em NELL

Por Samara de Souza Freitas | 07/07/2011 | Educação

SINOPSE Criada por sua mãe, que em função de um derrame, ficou afásica, ou seja, com distúrbios na fala devido a uma paralisia de um dos lados do corpo por conta de vários problemas do coração, Nell (Jodie Foster) vive até os 30 anos afastada de qualquer contato social, exceto o de sua mãe e sua irmã gêmea que falece ainda criança. Após a morte da mãe, Nell desperta o interesse do Dr. Lovell (Liam Neeson), médico encarregado de zelar por sua integridade e da Dra. Paula (Natasha Richardson), psicóloga que insiste em adequá-la à realidade. Mas será certo civilizar uma pessoa selvagem, sem que ela deseje realmente isto? Vivendo completamente isolada, Nell desenvolveu uma linguagem própria. Por isto, ela só consegue comunicar-se através da dança, da mímica e de um conjunto de expressões bem peculiares. Nell procura ser feliz com as pequenas coisas. E consegue. Um filme comovente e inesquecível, num cenário exuberante, em meio a florestas, lagos e montanhas, onde a inocência está acima de tudo e que abre também uma discussão sobre as necessidades do convívio social na aquisição da língua. Embora não tenha domínio da língua Inglesa, os médicos chegam à conclusão de que ela fala uma variação do Inglês. Variação esta que se refere ao convívio com sua mãe, que era falante nativa de Inglês, porem apresentava dificuldades na fala. ABORDAGEM TEÓRICA Segundo Tânia Maria Alkimim (2004, p. 21), "Linguagem e sociedade estão ligadas entre si de modo inquestionável. Mais do que isso, podemos afirmar que essa relação é a base da constituição do ser humano." Sociolingüística é uma vertente da lingüística que tem como objetivo o estudo da fala em situação de uso que estuda exatamente as associações entre Língua e Sociedade, e como a interferência da sociedade em que estamos influencia na nossa maneira de falar. Alkimim, (apud Maillet) afirma que "[...] a linguagem é, eminentemente um fato social." Segundo BORTONNI-RICARDO (2010 apud Cagliari,1999. p. 3): "[...] as peculiaridades que a língua vai adquirindo com o tempo em função do seu uso por comunidades específicas. ?Todas as variedades, do ponto de vista estrutural lingüístico, são perfeitas e completas entre si. O que as diferencia são os valores sociais que seus membros têm na sociedade. ?" No caso NELL, a personagem não apresenta deficiências mentais, ou alguma dificuldade de aprendizado explícita. Ela adquiriu a língua através do convívio social no qual estava inserida, nesse caso, uma variação do Inglês. Conclui-se então após um período de observação, que a deficiência na linguagem de NELL caracteriza-se como um fenômeno sociolingüístico. Para que pudesse ser feita uma decodificação da linguagem de NELL foi necessária a utilização de convenções de contextualização que são as pistas de natureza sociolingüística que utilizamos para sinalizar as nossas intenções comunicativas ou para inferir as intenções conversacionais do interlocutor. São pistas lingüísticas, como dialeto ou de estilo; pista paralinguísticas; pausa, o tempo da fala, as hesitações; e ou pistas prosódicas como a entonação, o acento e o tom, construídas de vários sistemas de sinais culturalmente estabelecidos. Também há pistas não-vocais tais como o direcionamento do olhar, o distanciamento entre os interlocutores, suas posturas e gestos. Somente após essa contextualização e decodificação é possível estabelecer alguma comunicação com NELL. Só assim que o processo de alfabetização poderá ser efetivado. ATUAÇÃO EM SALA DE AULA COM ALUNOS COMO NELL O processo de ensino do Inglês propriamente dito seria feito como uma alfabetização utilizando-se dos mesmos meios de ensino de Língua Estrangeira. Slama-Cazacu (1979, p. 93) destaca que: "A LE poderia ser considerado como parte da lingüística aplicada e, deste ponto de vista, trata de melhorar o estudo da língua materna ou de encontrar métodos mais adequados para levar a aprendizagem de uma ou de outras línguas estrangeiras." Aplicando esse conceito ao caso NELL, destacam-se dois pontos: "melhorar o estudo da língua materna" ou "encontrar métodos mais adequados para levar a aprendizagem de uma ou de outras línguas estrangeiras" Nell fala Inglês, no filme isso é observado pela Dra. Paula. Ao observar a maneira de Nell se comunicar por dias, ela compreende que ela fala o Inglês, mas de uma forma particular através de palavras como: KAY - CRY BIN - BEEN SPEE - SPEAK AF - AFTER GA? INJA - GUARD ANGEL T'EE - TREE EVA'DUR - EVILDOERS Entretanto, Nell não tem consciência de que sua língua precisa ser melhorada, nesse caso entraria o processo de aprendizado de uma nova língua. "A linguagem é uma ferramenta social, pelo que, para aprender a comunicar, [...] necessitam de: sentir essa necessidade; ouvir os outros a falar e ser ouvidas; ter oportunidade para imitar sons e palavras; ter um ambiente estimulante, com reação ajustada às suas respostas" (COSTA, 2010) Podemos observar no filme, que o convívio com Jerry e Paula faz com que Nell aprenda a maneira que eles se comunicavam. A necessidade da comunicação, e a convivência deram a ela a oportunidade de aprender a se comunicar na língua que eles falavam. E este estímulo é necessário para o aprendizado. Com certeza, para um professor, ensinar um aluno com as dificuldades que NELL apresenta é desafiador. Em Inclusão: um guia para Educadores, Susan e William Stainback (1999, p. 354) acreditam que no ensino desafiador, como seria o caso de Nell, é necessário que: "Antes de tomar decisões sobre a melhor maneira de abordar um aluno com comportamento desafiador, é importante, em primeiro lugar, observar cuidadosamente como pensamos e falamos sobre tal comportamento. Isso é muito importante, pois a maneira como enxergamos o comportamento do aluno determina como. ? Estruturamos ou definimos o problema ? Selecionamos os objetivos ? Escolhemos os procedimentos de intervenção adequados ? "Definimos o sucesso." Nell não apresenta problemas cognitivos de aprendizado. Apresenta um comportamento desafiador, que é respaldado pela maneira como viveu por 30 anos. É necessário para o professor entender essa situação e a partir daí traçar os objetivos de aprendizado, nesse caso, que ela conheça e passe a se comunicar de maneira que possa entender e ser compreendida no meio. Para abordar Nell de maneira a conseguir esses objetivos, o professor pode seguir mais esses passos dados por Susan e William Stainback ( 1999, p. 359) fazendo o aluno compreenda que: "É seguro estar comigo pode confiar em mim." Assim como Jerry e Paula fizeram com Nell, a ponto de Nell reconhecer Jerry como anjo da guarda. Mostrar que ela pode confiar no professor. "Será interessante, divertido, envolvente e de alguma maneira compensador cooperar e trabalhar comigo." Mostrar que não é algo forçado, mas algo que ela vai gostar de fazer. "Será benéfico fazer uma modificação no comportamento, aprender uma nova habilidade, adquirir competência ou reduzir o comportamento problemático." Mostrar a Nell, que o convívio social é uma coisa boa, e que adquirir a habilidade de se comunicar bem a ajudaria a estar mais segura na sociedade. Nell como adulta deve ser alfabetizada em uma turma para alfabetização de adultos. O convívio social e a interação com os colegas e o professor são indispensáveis na aquisição de uma L2. (L2, dado que ela conviveria no meio em que a língua é falada.) Para alcançar a confiança de Nell, o professor terá que interagir com ela. A observação do seu comportamento, diz muito a respeito do que ela quer comunicar. Nell é muito expressiva. Nesse caso, um conhecimento, obtido por meio de observação da sua linguagem não verbal, ajudaria a estudar a linguagem verbal dela, assim, ensiná-la a expressar esse mesmo sentimento em L2. "O conhecimento adquirido sobre a linguagem não-verbal pode servir ao estudo da linguagem verbal." (Correa, 2003, p. 19) Conclusão Concluimos, assim, que a tarefa de alfabetizar Nell não seria fácil. Contudo o professor em questão deve levar em conta os fatores explicitados acima e assim interagir de forma correta com o aluno. De forma que este venha a se sentir seguro em relação ao ambiente escolar, professor e colegas. Notamos então que toda e qualquer pessoa é passível de aprendizado em conjunto; e que esta interação social certamente faz a diferença quando se tratando de alcançar o objetivo esperado. Referências: BORTONNI-RICARDO, Stella Maris. Métodos de alfabetização e consciência fonológica: o tratamento de regras de variação e mudança. Disponível em: Acesso em 21 set 2010. CAVALCANTE, Maria Auxiliadora da Silva. Procedimentos Metodológicos para abordar questões de Variação Lingüística em uma turma da Educação de jovens e adultos. Disponível em: Acesso em 21 set 2010. CORREA, Manoel Luiz Gonçalves. Linguagem e Comunicação Social: Visões da Lingüística Moderna. Ed. Parábola, São Paulo, 2002 COSTA, Sandra. Perturbações da Linguagem (Parte I) disponível em acesso em 02 set . 2010 NELL . Direção: Michael Apted. Produção: Renee Missel e Jodie Foster. Protagonistas: Jodie Foster, Liam Neeson e Natasha Richardson. FoxVideo, 1995. 115 min. MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Anna Christina; et al. Introdução a Linguística. Domínios e Fronteiras. Cortez. 4 ed, São Paulo, 2004. SLAMA-CAZACU, Tatiana. Pscicologia Aplicada ao Ensino de Línguas. Ed. Pioneira. São Paulo, 1979 SOUZA, Maria Alves de. Oralidade e Aquisição da Linguagem Escrita. Disponível em: Acesso em 21 set 2010 STAINBACK, Susan; STAINBACK, William. Inclusão: Um guia para educadores. Ed. Artmed, porto alegre, 1999.