Uma Análise Médico Legal Do Caso Pc Farias

Por Aquiles da Costa Mauriz Júnior | 23/05/2008 | Direito

Introdução

           

Através deste trabalho, temos a pretensão de analisar as perícias realizadas no caso “PC Farias”, dando certa ênfase e um maior destaque, às contradições, erros e dissonâncias existentes entre os laudos realizados pela Equipe do Dr. Badan Palhares, referindo-nos assim à primeira e segunda perícias e pela equipe que fez a contestação frente aos laudos anteriores, que foi nomeada pelo Ex. Sr. Dr. Juiz de Direito, Alberto Jorge Correia de Barros Lima, nos referindo a terceira perícia.

 

De maneira geral, gostaríamos de advertir que o presente trabalho não fora elaborado por especialista da área de perícia médico-legal. Sendo então o mesmo, passível de conter erros em relação às especificidades do conhecimento médico. Apesar disso, consultamos um profissional da área médica, que de forma pertinente, nos ajudou a interpretar alguns documentos que foram colhidos para a realização do presente trabalho e que nos levam a crer que temos razão em nossas conclusões.

 

Mais importante ainda é salutar, que não se pretende aqui, descrever, fazer indagações, ou mesmo dar uma solução divergente, da que foi elaborada pelas três equipes de legistas, mas tão somente realizar uma análise crítica e pessoal do caso. Logo porque, presume-se que o leitor-corretor deste trabalho, possui o conhecimento dos acontecimentos que ocorreram no caso em tela, que trata do homicídio de Paulo César Farias e que foram determinantes para a ocorrência dele.

 

Este trabalho contém tópicos, que são de relevante citação para a devida compreensão do mesmo que são eles:

 

I) Análise das divergências produzidas nos laudos periciais;

II) Verificação das lesões produzidas e a respectiva classificação de acordo com os conhecimentos de Medicina Legal;

III) Posicionamento dos Peritos;

IV) Posicionamento do autor.

 

Análise das divergências produzidas entre os laudos periciais

 

Para alcançarmos a tese mencionada na p. 06, pela terceira perícia, temos que entender que a mesma divergiu da primeira e segunda perícias, em relação ao corpo de delito, em acordo com a consulta realizada aos profissionais supracitados, esta tese sustentada pelos mesmos, parte de dados, que ao nosso mero entende, tem fundamentação questionável e frágil, já que, seguirmos a opinião dos mesmos, seria ir à contramão em relação a toda ciência médica já vista e pacificada.

 

A principal divergência entre ambas as teses, é a altura de Suzane, sobre a qual, a primeira e a segunda equipe pericial, afirmam de forma veemente e categórica, ser a altura da moça 1,67m e que o cadáver de forma rotineira e comum, nas práticas de exames médico-legais, havia sido medido por uma mesa milimetrada, que todos os IMLs em funcionamento no país possuem .

 

No laudo apresentado pela terceira perícia, à mesma afirma que a altura de Suzane era de 1,58m, para se chegar à obtenção do resultado usaram tabelas (Trotter & Gleser) que se baseiam no comprimento dos ossos, no entanto, o uso destas tabelas é questionável e poderíamos dizer desnecessário, pelo fato de se encontrarem disponíveis não só o esqueleto de Suzane, como também o caixão no qual a mesma foi enterrada.

 

No trabalho supracitado, também houve divergência, em relação ao trajeto da bala, que é o percurso do projétil no interior do corpo, e também, a respectiva trajetória que a mesma percorre, que de maneira geral, é o percurso do projétil no ambiente externo, o que nos leva a perceber, que o laudo contestante trás consigo hipóteses totalmente diversas dos outros expedidos pelas equipes anteriores, já que o mesmo reformula e questiona pontos centrais que embasam a outra tese.

 

Outra divergência importante e de grande relevância, é a distância entre o 3º e o 4º ARCOS-COSTAIS e o PÚBIS. Para podermos entender esse dado, primeiramente precisamos saber como se é feita a contagem destes arcos-costais. De acordo com o profissional consultado, os arcos-costais são contados da parte superior do corpo para a parte inferior, concluímos então, que o primeiro arco-costal é mais distante do púbis do que o terceiro. Estes dados, não são partes dos fornecidos por nenhuma das perícias realizadas e sim conhecimentos básicos de anatomia dos quais fizemos estudo para a analise do caso.

 

Disse então a terceira perícia, que o terceiro arco-costal distava 40cm do púbis e o quarto 43cm. Sendo assim, não precisamos ser autoridades em anatomia e nem em perícia-criminal para percebermos a dissonância da interpretação e da medida que é dada de um arco ao outro, o que nos leva a questionar, tiro ocorreu em um espaço inexistente?

 

As demais discordâncias e diferenças de um laudo para o outro, é valido salientar, só foram encontradas por conseqüência das já apontadas acima. Portanto, não sendo mais necessário descrevê-las, bastando apenas apontá-las.

 

Podemos citar aqui, a discordância entre trajeto e trajetória, pela posição de Suzane no momento de seu suicídio ou homicídio (conforme a perícia adotada), nas primeiras perícias ela estava em posição de lótus, na segunda ela estava em posição de defesa. No entanto, a terceira perícia não definiu, nenhuma das posições como margens razoáveis de probabilidade, sendo assim, fica o seu resultado totalmente comprometido e diríamos até desconexo.


Nas fotos a seguir fazemos à verificação das lesões produzidas e sua respectiva classificação, de acordo com os conhecimentos acerca da Medicina Legal:

 

 

 

Na foto de número 1, podemos visualizar o ferimento de entrada do projétil no corpo de PC, que pelo que podemos constatar trata-se de ferimento causado por arma de fogo. Tem por caracterização, um tiro dado à distância (100 cm, com margem de erro de 20cm para + e para -. Conclui-se então que só o projétil atingiu a vítima, não havendo zona de tatuagem, esfumaçamento e nenhum tipo de chamuscamento.

 

 

Na foto de número 2, vemos Suzana com sangue escorrido, analisemos com base nos textos já vistos, que a boca do cano da arma se encontrava numa distância a cerca de 3,0cm da superfície da pele, o que explica a presença de zonas de chamuscamento e esfumaçamento ao redor do orifício do tiro desferido e não como acontece no fenômeno denominado "boca de mina" ou "mina de Hofmann", que é um dos diferenciais na comparação das perícias.


 

Orifícios de Entrada - Zonas

 

Zona de Tatuagem: em linhas gerais, é a que é resultante da impregnação de partículas de pólvora incombustas, que alcançam o corpo da vítima no trajeto que é feito do cano da arma pela bala até o alvo atingido por ela;

 

Zona de Esfumaçamento: é a área que é produzida pelo projétil no ferimento, em resultado do depósito de fuligem da pólvora ao redor do orifício de entrada;

 

Zona de Chamuscamento: tem como fator e ato responsável, à ação superaquecida dos gases que atingem e queimam o alvo, em geral é mais visível em armas de maior calibre;

 

Mina de Hofmann: é uma camada de dilaceração dos tecidos, produzida pelos gases explosivos que após o orifício de entrada, se segue até o depósito da bala, ou mesmo o orifício de saída da mesma.

 


Posicionamento dos peritos

 

Após a longa discussão e todo o estardalhaço dos meios de comunicação, em torno das teses que foram sucitadas pelas perícias e consequentemente seus laudos, constatou-se e se deu maior relevância e credibilidade, às teses da primeira e da segunda equipes, nas quais os peritos chegaram à conclusão, que de acordo com o corpo delito e todos os traços encontrados no local do crime, que houvera um homicídio seguido de suicídio, neste caso, Suzana havia matado PC e em seguida ceifado sua própria vida, o que para terceira perícia, com base na vida pregressa e em todo os histórico de PC, sustenta-se a tese de duplo homicídio, como disse alguns, apenas “queima de arquivo”.

 

A polícia deu maior credibilidade e mais atenção ao entendimento das primeiras equipes supracitadas, e em acordo com os fatos apontados pelas investigações, disse o delegado, “que haviam várias razões”, para que a presente tese tivesse um forte contexto fático e maior concatenidade com as questões sucitadas, entretanto, várias perguntas que serão aqui elencadas pois as mesmas, ainda permanecem sem respostas.


Posicionamento do Autor

 

Ao perito cabe, como é sabido e devido pelos operadores do Direito, pelo menos em tese, o caráter de imparcialidade e a fé de ofício, que lhe é concedida para dar credibilidade ao seu labor. Sendo assim, seu único e maior pressuposto utilizado como ponto de partida em suas perícias, é o corpo delito e os objetos tidos como provas, que são encontrados nos locais do crime. Deve ele então, tentar ao máximo desprender-se de teses pré-concebidas.

 

Com esse entendimento, analisamos e julgamos que a terceira perícia é falha e diríamos até viciada, pois aos nossos olhos, esta tentou apenas vender uma estória, para criar estardalhaço e chamar a atenção sensacionalista da mídia, que para dar caução às idéias de corrupção e de desvio financeiro que assolavam aquele momento do país, dos quais a vítima esteve supostamente envolvida, corroboraram os meios de comunicação, lançando assim ao vento esta tese, criando com isso uma verdadeira teoria da conspiração.

 

Sendo ainda mais radicais e técnicos em nossa analise, descobrimos que as tabelas utilizadas pela terceira equipe pericial, já estão defasadas, desvaloradas e há muito não são levadas em consideração por Universidades Norte Americanas, em especial The University of Tennessee, Knoxville, desde 1992, a qual é responsável pela formação de verdadeiras autoridades no ramo da perícia criminal, o que nos leva a constatar, a enorme dissonância que há entre os laudos e, portanto, os métodos de avaliação das perícias.

 

Concluindo então nosso raciocínio, é mais que necessário constatar, que se deve considerar uma margem de erro relativamente grande, até para valorar os dados, logo porque nada, nem na medicina legal, é possível se fazer afirmações com total segurança, alguns estudos apontam algo em torno de 4,5cm, em 95% dos indivíduos, outra grande questão é essa margem que também é derivada de estudos probabilísticos, em 5% dos casos, essa margem se acentua mais ainda. Sendo assim, o uso de tabelas e teses comuns é subsidiário, se existir outros meios disponíveis não é recomendável a sua utilização, pois a mesma deve ser feita caso a caso.

 

Em conseqüência disso, não é possível obter-se dados concretos e totalmente precisos em relação ao trajeto e a trajetória dos projéteis, pois se partiria de pressupostos errados. Constata-se então, que a tese da terceira perícia estaria digamos “prejudicada”, apesar de não ser parte das divergências entre os laudos, há alguns questionamentos nas primeiras perícias que no nosso entender não ficaram bem elucidados, como por exemplo:

 

1-PC costumava efetuar disparos em sua residência? (treino de tiro ou alvo ou coisas do gênero, por exemplo);

2-É possível, de acordo com as situações fáticas, crer na versão dos seguranças que não escutaram o tiro, já que não foi usado nenhum tipo de silenciador para a efetuação dos disparos?

3-Foram realizados testes periciais para comprovar tal versão, ou mesmo, algum tipo de interrogatório mais eficiente para se alcançar a realidade dos fatos?

4-Os seguranças afirmaram que entraram no quarto pela janela, não havia nenhuma outra entrada comum aberta, estaria então a casa estava totalmente fechada?

5-Não havia outros empregados no interior da casa, e se deveriam haver, porque só os seguranças estavam na residência?

6-Suzana e PC tinham um sono pesado, seria essa a explicação para a suposta demora, no levantar seguinte que aconteceria, se não ocorridos os fatos?

 

É bem provável que tais questionamentos tivessem sido respondidos se a tese defendida nas primeiras perícias não tivesse tantas lacunas e obscuridades. Outra questão que deveria ter sido mais bem discutida nestas perícias é em relação ao posicionamento da cadeira, pois a sua utilização da maneira em que foi encontrada, não seria adequada, posto isso, se os empregados haviam transitado pela sala, conseqüentemente o tapete, em que a cadeira estava posicionada, não estava em sua posição original, seria óbvia esta constatação.

 

Mesmo com todas essas lacunas e obscuridades, e com elas, muitos dos itens deste caso terem ficado sem resposta, a tese de homicídio seguido de suicídio é mais defensável e a mais plausível, pois havia sinais de luta. Além disso, a terceira perícia defendeu que Suzana teria “lutado” com seu agressor. De posse dessa informação, qualquer um de nós sabe que é difícil “lutar” sem deixar marca alguma no corpo, mesmo que use proteções específicas (nos braços, pernas ou no rosto) sempre fica algum vestígio da agressão.

 

Constata-se então, que numa pessoa morre em combate, sem recuar, o seu corpo cairá para frente, pois é para essa direção que está voltado o centro de gravidade. O corpo de Suzana estava na posição contrária e sem sinais de luta, o revólver foi encontrado longe do corpo, denotando então, a probabilidade de que os empregados tenham alterado, mesmo que acidentalmente, a posição da arma.

 

Rememorando esta questão, paira neste o detalhe a restauração da maior dúvida deste caso, que motivou as sucessivas revisões da tese de homicídio seguido de suicídio, mas que no nosso entendimento, não devemos nos prender só a esse fato questionável, porque foram encontrados vestígios de pólvora na mão de Suzana, que supostamente dão a certeza de que a mesma efetuou o disparo fatal em PC e nela própria, e fechando essa idéia, não haviam marcas de outros disparos no recinto, que dariam indícios de uma simulação feita pelo suposto assassino,  o que dá caução a tese das primeiras perícias.


Referência Bibliográfica

 

 

http://terra.com.br/istoe/1590/1590datas.htm/acessado em: 13/11/2006 às   19hs;

 

Lima e Silva, Mauro Marcelo de. É evidente que Suzana matou PC Farias e se suicidou http://conjur.estadao.com.br/stati, 1 Feeling policial /acessado em: 11/11/2006 às   14hs;

 

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Palhares, Fortunato Badan http://www.badanpalhares.med.br; acessado em: 10/11/2006 às 23hs;

 

França, Genival Veloso de. Medicina Legal. 7ª ed. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro 2004;