UMA ANÁLISE DO RETROCESSO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL EM RELAÇÃO AO AGRONEGÓCIO

Por Antonio Costa de Souza Neto | 15/05/2017 | Direito

RESUMO 

A discussão se baseia no fato do Novo Código Florestal Brasileiro (Lei nº 12.651) ser visto por um lado da doutrina como retrocesso ao desenvolvimento sustentável, uma vez que foram diminuídas áreas de preservação ao meio ambiente, tais como as Áreas de Preservação Permanente e as Áreas de Reserva Legal, surgindo assim a crítica dos ambientalistas contra os argumentos sustentados pela bancada ruralista. Nesse contexto, o trabalho baseia-se no debate entre ambientalistas e ruralistas, dando margem ao estudo quanto à relação entre os latifundiários e o meio ambiente.

Palavras-chave: Código Florestal Brasileiro; Retrocesso; Desenvolvimento Sustentável; Meio Ambiente; Ambientalistas; Ruralistas; Latifundiários. 

INTRODUÇÃO

O trabalho vem abordar os retrocessos da Lei nº 12.651 que entrou em vigor em 25 de maio de 2012. O enfoque dos estudos se baseia no questionamento se o novo Código Florestal Brasileiro foi feito para beneficiar o meio ambiente ou, principalmente, para alcançar objetivos dos latifundiários.

Dessa forma, o trabalho demonstra, através do código anterior de 1965, os pontos que o novo Código Florestal é um retrocesso, não só para a natureza, mas para a sociedade. Uma vez que a natureza envolve a humanidade, os sujeitos coletivos e individuais, a defesa da natureza envolve a sobrevivência de toda espécie de ser vivo e de todo ecossistema existente no planeta.

Com base nessa defesa à biodiversidade, é mais que importante entender a questão do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável em face do novo Código Florestal. Ora, uma vez que desenvolvimento sustentável é aquele desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades, não se pode em qualquer hipótese haver leis, nem mesmo alguma emenda à Constituição Federal, que restrinja tal aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável, uma vez que seria até mesmo um atentado contra a vida, na qual é tutelada como direito fundamental na Constituição Federal.

Por fim, ao estudar o novo Código Florestal e o conceito de direito sustentável, nada mais lógico que aplicar o produto desse conhecimento a casos concretos do Brasil, tais como o agronegócio, representado pelos latifundiários. Nesse contexto, falar-se-á do que se entende por Área de Proteção Permanente, mais especificamente à Área de Reserva Legal, uma vez que foram amenizadas pela Lei 12.651/2012 e dessa forma, desfavoreceu agricultores e alcançou ideal dos grandes latifundiários.

1 APRESENTAÇÃO DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL

O estudo do novo Código Florestal ligado ao conhecimento da economia e da história do Brasil traz como produto a conclusão que há mais retrocesso que avanço em seus dispositivos. Para fundamentação de tal afirmação, deve-se entender do que se trata o novo Código Florestal, seu contexto histórico, suas características e o que o legislador tinha por objetivo com a aprovação do mesmo.

1.1 Noções gerais

O novo Código Florestal é fruto da aprovação legislativa da Lei Federal 12.651/12.  Como contexto histórico, o Código Florestal Brasileiro surgiu em 1934, inicialmente visando garantir a preservação das florestas, uma vez que estavam sendo muito desmatadas pela crescente produção de café e de cana, além da utilização de lenha, que durante toda a metade do século passado foi a principal fonte de energia do país.[1] A partir disso, teve ainda o Código de 1965 (reelaboração do de 1934) e o do que se trata no presente trabalho, de 2012, o novo Código Florestal Brasileiro.

Os principais temas abordados no Código Florestal, ao falar sobre imóvel rural, tratam-se de três diferentes áreas: as Áreas de Preservação Permanente (APP), Áreas de Reserva Legal (ARL) e as áreas remanescentes (LEHFELD, 2013, p. 1).

As áreas remanescentes são tidas por exclusão. Se não for Área de Preservação Permanente nem de Reserva Legal, então é remanescente, como o próprio nome já aduz. Como diz o artigo 3º, inciso II, do novo Código Florestal:

Para os efeitos desta Lei, entende-se por Área de Preservação Permanente: II – área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Dessa forma, como salienta Paulo Machado (2012, p. 863, apud, LEHFELD, 2013, p. 32), o uso da expressão “Áreas de Preservação Permanente” tem sua razão “pois é um espaço territorial em que a floresta ou a vegetação devem estar presentes. (...). A idéia de permanência não está vinculada só à floresta, mas também ao solo, no qual ela está ou deve estar inserida, e à fauna (micro ou macro)”.

O fato é que a APP visa proteger o patrimônio ambiental, isto é, rios, lagos, lagoas, solo, fauna e flora, em geral, toda a biodiversidade e qualidade ambiental já tão castigadas nos últimos séculos pelas atividades humanas desenfreadas e irresponsáveis. Tanto é verdade que no artigo 225 da Constituição Federal diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, isto é, deve o Poder Público:

[...] preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos (...); exigir, na forma da Lei, para instalação de obra ou atividade causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; e, proteger a fauna e flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. (FERNANDES, 2013, p. 1231)

Bom que se saiba que a inovação do novo Código Florestal em relação às APPs é o que se trata das áreas urbanas, nas quais serviam de dúvidas entre os doutrinadores quanto à sua tutela relacionada às APPs, uma vez que no parágrafo único do artigo 2º do antigo Código Florestal (1989) dizia que “no caso de áreas urbanas, (...), em todo território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo”, ou seja, não deixa clara a tutela jurídica quanto às áreas urbanas como no atual Código Florestal. Eis um avanço.

Quanto às Áreas de Reserva Legal, esta está alocada no artigo 3º, inciso III, do atual Código Florestal quando diz que Reserva Legal é a:

área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.

Dessa forma, diferente de uma APP, a Área de Reserva Legal consiste em “uma das formas de restrição à exploração econômica da propriedade, restrição esta justificada pela necessidade de se garantir o atendimento de interesses ecológicos específicos” (MILARÉ, 2007, p. 703). Em outras palavras, o que se afirma é que há um condicionamento do exercício de direitos pelos particulares devido às exigências do interesse público (LEHFELD, 2013, p. 33).

2.2 Lei 12.651/12 e suas características

A tramitação do processo legislativo baseada na aprovação da Lei 12.651/12 levou anos e foi marcada por um profundo debate entre ambientalistas e ruralistas. Após aprovação, houve ainda o veto parcial da presidenta Dilma Rousselff  na qual editou a Medida Provisória nº 571/2012, Medida esta que converteu-se na Lei 12.727, de 17 de outubro de 2012, com nove vetos tendo por polêmica o decreto nº 7.830, expedido no mesmo dia, que regulava a matéria da Lei 12.727/2012, com normas dirigidas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) e aos Programas de Regularização Ambiental (LEHFELD, 2013, p. VIII).

Diante disso, os que lucram com o agronegócio, os ruralistas, foram (e são) os que mais ganharam (e ganham) com o novo Código Florestal. Como diz o ambientalista Francisco Milanez (2012)[2] “quem está promovendo a alteração do Código Florestal são os especuladores rurais do agribusiness, que desobedeceram a lei e praticaram crimes ambientais de todos os tipos, em particular, o desmatamento”. Assinala ainda o ambientalista que “a aprovação do novo texto é um movimento para intensificar a exportação de grão, é um disfarce para exportar fertilidade e água”.

Claro que há avanços com o Novo Código Florestal, no entanto, o que se procura enfatizar com o trabalho são os retrocessos. Com o novo Código, por exemplo, as áreas protegidas pelas APPs e ARLs foram diminuídas, consequentemente, a influência sobre o clima é evidente, uma vez que nos estudos colegiais de geografia aprende-se que são as florestas que regulam o clima. Por isso que, com ironia, salienta o ambientalista Francisco Milanez (2012) que “as manifestações climáticas vão se inverter, e teremos chuvas de pedra no verão com mais frequência, calorão durante o inverno, e, quando começar a brotação das culturas agrícolas, vai esfriar e queimar a produção”. Além disso, tem ainda o fato de tornar isentos os proprietários rurais das multas e demais sanções previstas na lei por utilização irregular, até 22 de julho de 2008, de áreas protegidas e, no caso do produtor se inscrever no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e aderir o programa de regularização fundiária, pode até mesmo não sofrer as sanções administrativas.[3]

2 DO AGRONEGÓCIO NO BRASIL

Por conceito, entende-se que o agronegócio é um conjunto de atividades que se inter-relacionam, tendo a agropecuária  como eixo principal no elo produtivo[4], em outras palavras, trata-se de atividades econômicas relacionadas à agricultura e à pecuária.

O agronegócio no Brasil, seguindo a lei da economia em que tudo que é feito no Brasil possui um preço mais baixo, fez com que o preço de alimentos como o arroz, a soja e café ficassem mais acessíveis ao consumidor final, no entanto, e é isso que importa ao estudo, o agronegócio possui uma relação não muito harmônica com o meio ambiente.

O fato é que os recursos naturais do planeta têm sido cada vez mais afetados em função da demanda que cresce a cada dia por alimentos e outros produtos vindos da terra, como por exemplo, fibras, combustível, frutas e flores. Dessa forma, a natureza não é inesgotável, e para, isso deve haver maior zelo em sua preservação e o Poder Público não pode se ocultar dessa realidade.

Ainda que seja verdade que o crescimento populacional não seja mais o mesmo como há décadas atrás, ainda há um avanço. E, consequentemente, a demanda só tende a aumentar. Observa-se através de pesquisas que a população cresce em uma velocidade muito maior do que a expansão de área agrícola, ou seja, em 1965 o mundo tinha uma disponibilidade de 1,4 hectares de área agrícola/habitante e em 2005 a relação é de 0,7 hectares de área agrícola/habitante, ou seja, em curto espaço de tempo houve uma redução de 50% na área agrícola por habitante.[5] Diante disso, uma das conclusões da Avaliação Ecossistêmica do Milênio (2005), foi: “Alterações sem precedentes estão acontecendo nos ecossistemas para atender demanda de alimentos, água, fibra e energia”.[6]

Dessa forma, o agronegócio é essencial para a alimentação de quase 200 milhões de habitantes no Brasil, não podendo frear a qualquer momento. No entanto, isso não quer dizer que deve diminuir a defesa ao meio ambiente, como foi feito no novo Código Florestal, diminuindo as APPs e ARLs. Nesse ponto, havendo um debate acirrado entre ambientalistas e ruralistas, os ambientalistas possuem grandes e fundamentadas críticas ao texto da Lei 12.651/2012, sendo uma delas o fato de só ser beneficiado pela Lei os latifundiários, os líderes do agronegócio, uma vez que, como visto, terão mais terras para explorarem. Assim, ainda que tenham (os ruralistas) o fundamento que a diminuição das APPs e ARLs é em prol do sustento da população devida a grande demanda, sabe-se que o meio ambiente também é essencial para a sobrevivência humana. Diante disso, tem-se a perfeita fala de Hannah Arendt (2000, p. 10, apud SIRVINSKAS, p. IX):

“A Terra é a própria quintessência da condição humana e, ao que sabemos, sua natureza pode ser singular no universo, a única capaz de oferecer aos seres humanos um habitat no qual eles podem mover-se e respirar sem esforço nem artifício. O mundo – artifício humano – separa a existência do homem de todo ambiente meramente animal; mas a vida, em si, permanece fora desse mundo artificial, e através da vida o homem permanece ligado a todos os outros organismos vivos”.

Ainda que o Brasil esteja sempre à frente das discussões ambientais (SIRVINSKAS, 2006, p. 22), com a colaboração de grandes juristas e ambientalistas, a realidade e a concretização das teorias ainda parecem distantes, uma vez que os interesses capitalistas ainda dominam grande parte da sociedade. A realidade é que o dilema maior está no desinteresse do Estado em investir em reflorestamento, em áreas de preservação permanente e reservas florestais, uma vez que o que é mais rentável é investir em fábricas, indústrias, mineradoras ou exploradoras de petróleo, gerando assim, cada vez mais uma maior poluição e devastação do meio-ambiente. No que tange ao lucro, bom ter como informação que no ano de 2004 o agronegócio movimentava 458 bilhões de reais por ano, ou seja, um quarto do PIB do Brasil, gerando 17,7 milhões de empregos e rendendo mais de 30 milhões de dólares em exportação, como bem alertou Celso Antonio Fiorillo (2007, p. 502). Diante disso, ressalva Rogério Portanova na obra Direito Ambiental Contemporâneo (2004, p. 636):

Estamos no limite de uma nova barbárie, pois o capital e a economia não se sujeitam a nenhum ordenamento jurídico, pois, para tanto, como diria Kelsen, é necessária uma norma fundamental hipotética e esta, em termos jurídicos, se daria apenas com a existência de um Estado cuja materialidade se consolidaria na Constituição soberana.

Continua a sua fala aludindo: “a sociedade contemporânea não vive mais o dilema dos anos 50: socialismo ou barbárie, mas sim outro dilema: sustentabilidade ou barbárie”.

O grande problema é que esse pensamento progressista e de crescente produção não é fruto da sociedade contemporânea, mas de séculos atrás. Dessa forma:

Como já foi dito, o paradigma da modernidade foi construído segundo altas promessas de progresso, justiça e bem-estar para toda a humanidade. Algumas promessas foram cumpridas além das expectativas: o progresso tecnológico, por exemplo, alcançou pujança sem precedentes. Entretanto, a realidade tomou um caminho diametralmente oposto a outras, como a de bem-estar econômico e social para todos. O fato é que as características da modernidade supra delineadas desenham arranjos contraditórios em essência e, por isso, os pilares do “mercado”, do “estado” e da “comunidade” que deveriam funcionar de forma harmônica acabaram por funcionar de forma totalmente desconexa, competitiva entre si, tendo, ao final, o pilar do mercado se sobreposto ao do estado e ao da comunidade em alguns sistemas (como na doutrina neoliberal) e, em outros, o pilar do Estado se sobressaído aos demais (como no estado comunista). (MONTEIRO, 2011, p. 31)

Em outras palavras, o que Isabella Monteiro alerta é que o homem sempre buscou por crescente produção e exploração do meio ambiente e, ao falar em desenvolvimento sustentável, logo soa aos ouvidos de alguns como freio ao avanço da sociedade. Na verdade, deve haver um freio sim, porém, no crescimento exacerbado e desenfreado da exploração do homem ao meio ambiente, porém, jamais ao crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). E isso envolve o agronegócio.

Na mesma linha de pensamento de Rogério Portanova (2004, p. 636) e Isabella Monteiro, Leonardo Boff chama atenção que:

Estamos numa encruzilhada da história humana. Ou se criarão relações multipolares de poder, equitativas e inclusivas, com pesados investimentos na qualidade total da vida para que todos possam comer, morar com mínima dignidade e apropriar-se de cultura com a qual possam se comunicar com seus semelhantes, preservando a integridade e beleza da natureza, ou iremos ao encontro do pior, quem sabe ao mesmo destino dos dinossauros. (...). Faz-se urgente mais sabedoria que poder e mais espiritualidade que acúmulo de bens materiais. (BOFF, 2002, p. 49)

3 NOVO CÓDIGO FLORESTAL E O AGRONEGÓCIO

Falado do agronegócio e de sua relação com o capitalismo e meio ambiente, antes da discussão se adentrar basicamente só em torno dos dispositivos do novo Código Florestal, é necessário o entendimento do que se entende por meio ambiente, uma vez que sua definição é ampla de forma proposital, a fim de se tornar o mais abrangente possível (FIORILLO, 2007, p. 21). Diz o artigo 3º, I, da Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) que se entende por meio ambiente “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Dessa forma, fica claro que o desmatamento para o agronegócio afeta o meio ambiente e, portanto, necessita de uma tutela por parte do Estado.

Como já dito, em torno da tramitação do processo legislativo para aprovação da Lei 12.651/2012 houve uma grande disputa argumentativa entre os ruralistas e ambientalistas. De um lado, os ruralistas, em prol dos interesses dos latifundiários defendiam que as Áreas de Proteção Permanente e Reservas Legais deveriam ser diminuídas para que houvesse o aumento da produção-exploração devido ao aumento da demanda do consumidor final. De outro lado, os ambientalistas, os quais defendiam e ainda defendem que não é necessária tal diminuição, uma vez que tem como aumentar a produção sem que ocorra desmatamento ou outro ato devastador do homem que comprometa biomas das regiões visadas pelos agricultores.

3.1 A Boa Governança e a relação entre a Lei 12.651/2012 e o agronegócio

Fazendo elo entre o novo Código Florestal e a boa governança, percebe-se o surgimento de algumas incoerências entre as mesmas se relacionadas ao agronegócio. Para isso, deve-se entender do que se trata a nova governança. Isabella Monteiro (2012, p. 4) fala que a boa governança está intimamente relacionada ao que se entende por justiça, diz que “reduzir a injustiça e incrementar a justiça” são os objetivos de uma boa governança. Para a referida autora, os princípios da boa governança são o fim de justiça, eficiência, coerência, responsabilização e democracia participativa-deliberativa.

Tem-se a análise de cada princípio:

Fim de justiça- vem como o princípio basilar de ordem material, o qual serve de guia e razão última a todos os que vêm a seguir. (...); Eficiência- uma gestão eficiente dos recursos disponíveis, de forma que a tais recursos seja dada a melhor destinação possível e que deles se tirem os melhores resultados possíveis. (...) Coerência – (...)é cada vez maior a necessidade de coerência nas decisões e ações políticas, é cada vez mais necessária uma abordagem comum para as mesmas, de forma a estabelecer, assim, segurança jurídica no quadro de governança. Responsabilização– (...) Tal princípio de responsabilização é o que permite, por exemplo, tornar os políticos e demais gestores públicos responsáveis pelos atos de flagrante má governança (ou a má governança em geral) cometidos no exercício de suas funções políticas e de gestão pública. Trata-se, portanto, de uma nova modalidade de responsabilidade, a responsabilidade política, para além das clássicas responsabilidade penal, civil e administrativa. Democracia participativa-deliberativa - um sistema democrático que, para além da existência dos elementos clássicos da democracia contemporânea (o voto livre e universal e as eleições periódicas), possibilite também uma constante e ampla participação deliberativa da população em outros espaços e momentos da vida política e social do país/região/município. Entendemos que se enquadram aqui, portanto, os princípios da abertura, da informação, da transparência e, propriamente, os princípios da participação popular e o da deliberação pública. (MONTEIRO, 2012, p. 5-6)

Dessa forma, percebe-se que não há consonância entre os princípios da boa governança com o novo Código Florestal, uma vez que não há, por exemplo, com a presente Lei, eficiência, coerência e a democracia participativa-deliberativa. Ora, os recursos ambientais protegidos diminuídos pelo novo Código Florestal que serão utilizados para o agronegócio, não serão a melhor destinação que poderia se dar, uma vez que as áreas que já possuíam para exploração já bastava, não sendo necessária a diminuição das APPs e ARLs. Além disso, não há coerência, uma vez que é incoerente diminuir vários hectares de proteção ambiental, possibilitando o aumento do desmatamento de florestas, diminuição da fauna e da flora, pondo em jogo o equilíbrio climático do país, por apenas um argumento: necessidade do consumidor. E seria realmente essa a necessidade do consumidor? Também não há o que se entende por democracia participativa-deliberativa, uma vez que não houve em hipótese alguma a deliberação da população no processo legislativo, apenas a colaboração de alguns ambientalistas na deliberação na tramitação para a aprovação do projeto de lei para a aprovação da 12.651/2012, ou seja, não houve uma integração do cidadão nem mesmo uma democracia material, apenas formal (MONTEIRO, 2012, p. 10).

3.2 Reserva Legal x Desmatamento x Novo Código Florestal

Sabe que “Reserva Legal é a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos” (MACHADO, 2007, p. 755) além de ser necessária “à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas” (MP 2.166-67/2001, art. 1º, §2º, III).

Também já se sabe que, de certa forma, o novo Código Florestal permitiu que surgisse um número maior de desmatamento uma vez que houve a diminuição das Reservas Legais. Diante disso, tem-se o artigo da Science[7]e que aponta retrocessos da nova Lei, sendo um destes a diminuição da área florestada desmatada de forma ilegal que deveria ser reflorestada em 58%, isto é, de 50 milhões de hectares (500 mil km²) para 21 milhões de hectares (210 mil km²). Dessa forma, por matemática básica, conclui-se que a lei permite, nada mais e nada menos, que o desmatamento totalmente legalizado e aparado pela Lei de mais de 88 milhões de hectares, isto é, um choque ao equilíbrio ambiental e totalmente contra o que se entende por Desenvolvimento Sustentável.

3.3 Direitos Humanos x Desenvolvimento Sustentável x Novo Código Florestal

Já foi dito que a relação entre o novo Código Florestal e desenvolvimento sustentável não é condizente. Diante disso, surge a questão do direito ao meio ambiente como direito inerente ao ser humano e, portanto, devendo ser visto como tal.

Como assevera Rogério Portanova no livro Direito Ambiental Contemporâneo (2004, p. 621), “podemos constatar que além da legislação específica sobre o tema que se refere ao meio ambiente temos também um aperfeiçoamento tanto processual como doutrinário para abordar as questões relativas ao Direito Ambiental”

Continua sua fala o referido autor:

Se a globalização é um processo inevitável, queremos que ela se dê, principalmente, na esfera humana, com o rompimento das fronteiras para os estrangeiros, com o respeito global à natureza, com o pagamento digno a qualquer trabalhador, independentemente do país que ele esteja. Enfim, dar as condições de sobrevivência digna não só para as pessoas, mas para o próprio planeta, que parece que foi tomado de assalto por alguns privados, (...). (LEITE, BELLO FILHO, 2004, p. 637)

Após a conferência de Estocolmo-Rio, com mais de 103 países participantes, o mundo viu surgir mais um direito de 3º geração: o direito ao meio ambiente (MONTEIRO, 2011, p. 113).  Sobre o tema, assevera Isabella Pearce Monteiro (2011, 115):

Realizando uma comparação de tal conceito com aquele do desenvolvimento sustentável, podemos observar que os primeiros direitos aí citados (direitos de 1º e 2º gerações: os direitos políticos, cívicos, econômicos, sociais e culturais) fazem referência à vertente da equidade intrageneracional, ou seja, ao desenvolvimento econômico e social na presente geração. O último direito citado, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de 3º geração, faz relação direta com a vertente da equidade intergeneracional, ou seja, ao compromisso com as gerações futuras, eis que tal compromisso porta em seu âmago a necessidade de preservação ambiental (pois se preocupa com os pontos da qualidade e da diversidade, na doutrina de Edith Brown Weiss). Ao final, concluímos que a doutrina dos direitos humanos apenas traduz, em outras palavras, o conceito de desenvolvimento sustentável.

Em outras palavras, falar em desenvolvimento sustentável é ter como base sempre a justiça intrageracional e intergeracional, isto é, justiça para a geração presente visando desenvolvimento equitativo e integral e a preservação da base natural, cultural e artificial do planeta para as gerações futuras. Estas justiças sempre ligadas à boa governança já mencionada no presente trabalho. Percebe-se, portanto, que o novo Código Florestal e não só ele, mas outras condutas dos políticos e da sociedade em geral, vão contra a dignidade da pessoa humana, vão contra direitos humanos, vão contra o desenvolvimento, em suma, vão contra o meio ambiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de não ser claro a população brasileira, as contradições do agronegócio são marcantes se vistas pessoalmente ou através de relatos de quem já viu ou viveu como minifundiários ou latifundiários. No Maranhão, por exemplo, o índice de trabalho escravo ainda é grande nos latifúndios. Assim, pleno século XXI, o modelo de produção muito se assemelha aquela marcada entre os séculos XV e XVIII, baseado em desvalorização do trabalho humano, da pessoa humana e na devastação de florestas (pouco se importando com o impacto ambiental). O agronegócio é, portanto, incompatível com a justiça social e com o conceito de desenvolvimento sustentável explicitado no relatório Brundtland.

Diante disso, este trabalho teve como objetivo esclarecer do que se trata o retrocesso do novo Código Florestal Brasileiro, no que tange à relação entre os latifundiários e o meio ambiente. Visto que os latifundiários com o crescente anseio de crescimento ilimitável por áreas de exploração buscam sempre por uma liberdade e diminuição do valor da natureza, gerando assim, um país mais pobre em biodiversidade e, consequentemente, injusto com as gerações futuras.

Considerou-se como mais adequada a visão dos ambientalistas, defendida em especial por Édis Milaré (2007), Paulo Affonso Machado (2007) e Lucas de Souza Lehfeld (2013) nos quais contribuíram com o conceito de Áreas de Preservação Permanente, Reservas Legais, além dos princípios gerais do direito ambiental.

Por fim, pode-se concluir, com base nas leituras dos citados autores que o Direito Ambiental tem muito o que avançar se depender do pensamento dos legisladores e de muitos cidadãos, visto que se aplicasse na prática o conceito de desenvolvimento sustentável, cada um contribuindo para a justiça intrageracional e intergeracional, aí sem dúvida a sociedade estaria dando um passo largo em prol da sustentabilidade e tutela do meio ambiente.

REFERÊNCIAS 

BOFF, Leonardo. -1938. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade / Leonardo Boff. – Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. – 5.ª ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPodivm, 2013.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro / Celso Antonio Pacheco Fiorillo. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2007.

LEHFELD, Lucas de Souza. Código florestal comentado e anotado (artigo por artigo) / Lucas de Souza Lehfeld, Nathan Castelo Branco de Carvalho, Leonardo Isper Nassif Balbim. – 2.ª ed. rev. e atual. – Rio De Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.

LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ambiental contemporâneo / José Rubens Morato Leite, Ney de Barros Bello Filho.- Barueri, SP: Manole, 2004.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. – 20.ª ed. rev., atual. e ampl. –São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. / Édis Milaré. Prefácio à 5. ed. Ada Pellegrini Grinover. 5. ed. ref., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

MONTEIRO, Isabella Pearce de Carvalho. Direito do Desenvolvimento Sustentável: Produção Histórica Internacional, Sistematização e Constitucionalização do Discurso do Desenvolvimento Sustentável. Tese de Mestrado. Universidade de Coimbra: Faculdade de Direito, 2011.

____________________.  Governança Democrática para o Desenvolvimento Sustentável. Mestrado. Universidade de Coimbra: Faculdade de Direito, 2012.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental / Luís Paulo Sirvinskas. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2006.

VALENTE, Ivan. Novo Código Florestal Brasileiro: Meio ambiente e biodiversidade brasileira desprotegidos. Publicação do mandato Popular e Socialista. Brasília – DF, 2012.

Agronegócio x meio ambiente: barreira ou oportunidade. Disponível no site: http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/sustentabilidade/agronegocio-x-meio-ambiente-barreira-ou-oportunidade-video-slides-e-artigo-56770/

Modificações do código florestal para benefício dos latifundiários. Disponível no site: http://www.ecodebate.com.br/2010/09/03/modificacoes-do-codigo-florestal-para-beneficio-dos-latifundiarios-artigo-de-luiz-zarref/

O interesse do agronegócio sobre o código florestal. Disponível no site: <http://envolverde.com.br/sociedade/entrevista-sociedade/o-interesse-do-agronegocio-sobre-o-codigo-florestal/>, acessado em 30/04/2014.

Principais diferenças entre a legislação atual e o texto aprovado na câmara. Disponível no site: http://www12.senado.gov.br/codigoflorestal/infograficos/principais-diferencas-entre-a-legislacao-atual-e-o-texto-aprovado-na-camara 

[1] Informação disponível no site: <http://www.ecodebate.com.br/2010/09/03/modificacoes-do-codigo-florestal-para-beneficio-dos-latifundiarios-artigo-de-luiz-zarref/>, acessado em 30/04/2014

[2] Entrevista concedida à IHU On-Line, disponível no site: < http://envolverde.com.br/sociedade/entrevista-sociedade/o-interesse-do-agronegocio-sobre-o-codigo-florestal/>, acessado em 30/04/2014.

[3] Informação disponível no site: <http://www12.senado.gov.br/codigoflorestal/infograficos/principais-diferencas-entre-a-legislacao-atual-e-o-texto-aprovado-na-camara>, acessado em 30/04/2014.

[4] Informação disponível no site: <http://www.infoescola.com/economia/agronegocio/>, acessado em 30/04/2014

[5] Informação disponível no site: <http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/sustentabilidade/ agronegocio-x-meio-ambiente-barreira-ou-oportunidade-video-slides-e-artigo-56770/>, acessado em 30/04/2014

[6] Informação disponível no site: <http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/sustentabilidade/ agronegocio-x-meio-ambiente-barreira-ou-oportunidade-video-slides-e-artigo-56770/>, acessado em 30/04/2014

[7] Informação disponível no site: <http://www.issoenoticia.com.br/brasil/artigo-da-science-aponta-avancos-e-retrocessos-do-novo-codigo-florestal/12622>, acessado em 01/05/2014