Uma análise do instituto das Sociedades de Responsabilidade Limitadas

Por hanne patricia sousa de almeida | 20/10/2017 | Direito

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.2 SURGIMENTO, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA. 3 REGISTRO EMPRESARIAL. 3.1 Constituição das Sociedades Limitadas. 3.2 Alteração das Sociedades Limitadas. 3.3 Distrato das Sociedades Limitadas. 4 RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. 4.1 Desconsideração da personalidade jurídica. 5 DIREITOS DO SÓCIO. 5.1 Participação nas deliberações sociais. 5.2 Fiscalização da gestão da empresa. 5.3 Participação nos resultados empresariais. 5.4 Preferência na subscrição de quotas. 5.5 Cessão de quotas. 5.6 Retirada da sociedade. 6 DEVERES DO SÓCIO. 6.1 Realizar o capital subscrito. 6.2 Dever de lealdade. 7 ADMINISTRAÇÃO. 7.1 Administrador. 7.2 Conselho fiscal. 7.2.1 Vedações. 7.2.2 Representante dos sócios minoritários. 7.2.3 Posse. 7.2.4 Remuneração. 7.2.5 Deveres. 7.2.6 Responsabilidade. 7.2.7 Assistência de contabilista. 7.3 Balanço patrimonial e resultados. 7.3.1 Balanços patrimoniais. 7.3.2 Resultados

1 INTRODUÇÃO

Antes de adentrar ao estudo das Sociedades Limitadas é imperiosa uma introdução ao direito societário com a disseminação dos conceitos de empresa, empresário e sociedade empresária.

Do ponto de vista comercial a Revolução Industrial, que eclodiu no século XIX, alavancou as transações negociais. Com o rompimento do feudalismo, o crescimento abrupto da economia capitalista e a inovação dos meios de produção, as regras aplicáveis dos Atos de Comércio se tornaram insuficientes.

Houve a necessidade de sistematizar as regras, que até então eram escassas, com diversas lacunas nos Atos de Comércio. No Brasil, o Direito Comercial é regido pelo Código Civil, lei 10.406/2002, adotando a Teoria da Empresa. Também chamado de Direito Empresarial, traz as inovações e dinamicidade necessárias à sociedade brasileira.

Regulamenta o conceito de empresários e sociedades, as formas e procedimentos de constituição, alteração e dissolução, além do instituto da desconsideração de personalidade jurídica, dentre outros, delimitando a matéria sobre o tema.

A circulação e produção de bens ou serviços, exercida com habitualidade e profissionalismo, é atividade típica de empresário, conforme conceitua o artigo 966 do Código Civil. Enquanto empresário é aquele que exerce a empresa, através da exploração dos fatores de produção (extração de matéria-prima, industrialização e manipulação de produtos ou a prestação de serviços stricto sensu), a empresa é o complexo de atos realizados pelo empresário. A atividade empresarial será exercida pelo empresário individual ou pela sociedade empresária.

O empresário individual é a pessoa física que se inscreve no registro de empresas com firma individual, no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (CNPJ/MF). Deve possuir capacidade jurídica e a inexistência de impedimentos legais ao exercício da empresa. Exerce em nome próprio e sob sua responsabilidade o complexo de atos que integram a atividade empresarial, vinculando seu patrimônio ao cumprimento das obrigações contraídas.

Outra possibilidade de exercício individual da empresa se dá com a EIRELI (lei 12.441/2011). Tanto os empresários como a sociedade empresária estão sujeitos ao regime de recuperação judicial ou extrajudicial, estabelecido pela lei 11.101/2005.

A sociedade empresária é a reunião de pessoas, físicas ou jurídicas, que compactuam com a contribuição recíproca de bens ou serviços para o exercício da atividade econômica, com a divisão dos resultados auferidos. Constituída com o elemento fundamental affectio societatis, que nada mais é do que a união voluntária e consciente de vínculo societário.

Divididas em sociedades empresariais e sociedades simples, pelo modo de exploração do objeto social com ou sem a organização dos fatores de produção (empresarialidade). Sua distinção é articulada pelo art. 967 do Código Civil, onde, “salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício da atividade própria de empresário sujeito a registro” e as demais, sociedades simples.

Ainda no que diz respeito à sociedade empresária, pode-se classificá-las pelo tipo societário, conforme estabelecido nos arts. 1.039 a 1.092, do Código Civil: a) sociedade em nome coletivo; b) sociedade em comandita simples; c) sociedade limitada; d) sociedade por ações; e, e) sociedade em comandita por ações.

O artigo vai adentrar na análise das sociedades de responsabilidade limitada (LTDA), desde a sua criação até a dissolução, abordando seus conceitos. O objetivo do artigo é analisar esses elementos, a fim de exaurir o tema e transmitir ao leitor conhecimento sobre suas características intrínsecas, trazendo informações pertinentes como dados quantitativos e jurisprudências.

O tema é relevante visto que as empresas são elementos-chaves que transformam a sociedade. O sistema capitalista adotado incetiva o auferimento de lucro e a iniciativa privada. Desta forma, as empresas são responsáveis pela circulação de riquezas, mercado de consumo, geradoras de emprego e renda, e ainda atuam indiretamente na urbanização e na cultura e costumes do local em que se instalam.

 

 

2 SURGIMENTO, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

 

A introdução da Sociedade Limitada no Brasil ocorre com o Decreto n.º 3.708 de 1919, do deputado Joaquim Luis Osório. Mantidos os seus artigos pelo Código Civil e disciplinados nos artigos 1.052 a 1.087.

Observa José Waldecir Lucena¹:

Em suma, embora não tenha obrado o legislador com a críbia ao redigir o Decreto, não obstante às vezes atécnico, em alguns pontos omisso, em outros obscuro, certo é que os elementos essenciais da sociedade (denominação social, responsabilidade limitada, administração, sócios, objeto social, capital, princípio majoritário, etc.) foram disciplinados. (LUCENA, 2005, p. 23)

 

A sociedade empresária de responsabilidade limitada é aquela formada por duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, sob firma social ou denominação, com affectio societatis, que possuem capacidade jurídica e inexistência de impedimentos legais à atividade, para o exercício da atividade empresária e divisão dos seus resultados. É o tipo empresarial organizado por quota, caracterizado pela limitação de responsabilidade do sócio a sua quota parte diante das obrigações contraídas pela sociedade.

Conceitua Fran Martins² que:

Sociedades limitadas são aquelas formadas por duas ou mais pessoas, cuja responsabilidade é identificada pelo valor de suas quotas, porém todos se obrigam solidariamente em razão da integralização do capital social. Há uma responsabilidade solidária pelo total do capital social. (MARTINS, 2005, p. 250)

 

O capital social é o valor descrito no contrato social correspondente aos bens móveis, imóveis e dinheiro a que os sócios se obrigaram, transferindo a titularidade para a empresa. A forma de integralização está indicada no contrato e o prazo para integralização, com parcela inicial não inferior a 10% do valor total, não sendo admitido integralização pela prestação de serviços.

Em suma, a sociedade de responsabilidade limitada apresenta as seguintes características: a) pluralidade de sócios; b) firma social ou denominação, acrescido de limitada ou LTDA; c) sócios respondem solidariamente pelo capital social e durante 5 (cinco) anos da data do registro da sociedade pelos bens conferidos ao capital social; d) capital social divido em quotas; e) proibição de integralização de capital social com prestação de serviço; f) contrato social por escrito; e, g) aplicação supletiva da Lei das S/A.

Tem natureza contratual, portanto é regida pela Teoria dos Contratos. Onde serão estabelecidos os termos e o vínculo entre as partes em prol do objetivo em comum. Se trata de um contrato plurilateral, visto que, pode ocorrer a alteração das partes ao longo de sua vigência, como a entrada ou retirada das partes a ele vinculadas. Na constituição do contrato deve ser observada a cogência ou não das cláusulas, visto que existem as ius cogens e as ius dispositivum

Difere dos demais contratos do direito civil, porque enquanto eles pressupõem vontades antagônicas, o contrato social é voltado a unificação, já que as partes possuem interesses convergentes, voltados a um objetivo.

São princípios básicos da teoria dos contratos, aplicados aos contratos sociais a) a liberdade contratual e b) a obrigatoriedade do contrato “pacta sunt servanda”.

 

 

3 REGISTRO EMPRESARIAL

 

O Registro Público de Empresas Mercantis é regido pela lei n. 8.934/1994, e seus serviços são exercidos pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (SIREM).

É estruturado por órgãos federais e estaduais e objetiva dar publicidade, veracidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis. O SIREM é composto pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) e as Juntas Comerciais.

O DNRC tem função de supervisão, orientação, coordenação e normativa, sendo o órgão central do SIREM. É incumbido de estabelecer normas e diretrizes gerais para o registro, além de realizar a interpretação das leis e orientas as Juntas Comerciais. É órgão integrante do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.

Já as Juntas Comerciais tem função de execução e administração dos serviços de registro. Assim, o Registro Empresarial é realizado pela Junta Comercial (JUCEB) da respectiva sede da empresa. É um órgão da administração pública estadual vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE). Subordinada administrativamente ao Governo do Estado, e tecnicamente, ao DNRC.

Obedecendo o princípio da publicidade, determina a lei a publicação no Diário Oficial.

Art. 31. Os atos decisórios da junta comercial serão publicados no órgão de divulgação determinado em portaria do presidente, publicada no Diário Oficial do Estado e, no caso da Junta Comercial do Distrito Federal, no Diário Oficial da União³.

 

 

3.1 Constituição das Sociedades Limitada

 

Conforme a Junta Comercial do Estado da Bahia é necessário o Pedido de Viabilidade para que seja realizada a abertura de uma empresa. Se dá através do preenchimento de formulário, disponível no site, com dados como endereço, atividade econômica e natureza jurídica da empresa.

Tem por objetivo se verificar a viabilidade de abertura da respectiva empresa. A avaliação do formulário é realizada pelo órgão de Registro. Serão analisados os procedimentos obrigatórios; referentes ao Nome Empresarial, a descrição e adequação do seu objeto social conforme a codificação do CNAE fiscal, o tipo de atividade a ser desenvolvida e sua conformidade com o que é requerido pela Prefeitura.

Após o deferimento do Pedido de Viabilidade, são obrigatórios o preenchimento do Documento Básico de Entrada (DBE) do CNPJ e o formulário do Requerimento Eletrônico. Disponíveis nos sites da Receita Federal e da JUCEB, respectivamente.

Assim, serão disponibilizados os seguintes documentos: Requerimento de Empresário; Declaração de Enquadramento em ME e EPP; Capa do processo, assinada pelo administrador, sócio/ titular ou procurador; Recibo/ Protocolo de entrega; Capa de Enquadramento; Recibo/ Protocolo de entrega da Declaração de Enquadramento; Boleto de pagamento do Documento de Arrecadação Mercantil (DAM); Boleto de pagamento do Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF).

Além desses, serão necessários o Contrato Social (em três vias); original ou cópia de procuração com poderes específicos para o ato quando for o procurador que assinar a capa do processo; cópia autenticada do Documento de Identidade e CPF dos sócios, administradores e do signatário do requerimento; Cópia da Identidade do Administrado e Declaração de Desimpedido; e o Documento Básico de Entrada (DBE) do CNPJ, devidamente assinado, ou o Protocolo de transmissão do CNPJ. Os documentos devem ser levados à Junta Comercial

 

 

3.2 Alteração das Sociedades Limitada

 

A alteração também se dá, obrigatoriamente, por Pedido de Viabilidade ou de forma presencial.

Compreendidas por pedido de viabilidade as alterações de quadro societário e administradores (QSA), do Nome Empresarial, da atividade econômica e CNAE, de endereço para mesmo município ou para outro município do Estado da Bahia, do Capital Social e sua distribuição, do enquadramento, do reenquadramento e desenquadramento.

As demais alterações não compreendidas acima, devem ser feitas de forma presencial. Serão realizadas mediante escritura pública ou particular. Conforme o art. 53 da Lei de Registro, veja: As alterações contratuais ou estatutárias poderão ser efetivadas por escritura pública ou particular, independentemente da forma adotada no ato constitutivo”.

O Pedido de Viabilidade deve obedecer procedimento específico, com o preenchimento do formulário disponibilizado no site, com as informações necessárias à alteração. Após o deferimento do pedido, é necessário preencher o Documento Básico de Entrada (DBE) do CNPJ e o Formulário de Requerimento.

Por fim, é necessário comparecer à Junta Comercial com os documentos gerados pelo sistema, além de cópia das alterações (em três vias), cópia autenticada dos documentos dos sócios/ titular, administradores e signatários. Semelhante ao procedimento de criação.

 

 

 

3.3 Distrato das Sociedades Limitada

 

Trata das extinções de Sociedade Empresária Limitada, e assim como as criações e alterações, deve ser observado o procedimento, onde se preenche o Documento Básico de Entrada (DBE) do CNPJ e o Formulário de Requerimento. Será utilizado o código 003, em Novo Requerimento de Extinção. O sistema vai gerar os documentos necessários, para que, com o distrato (em três vias), procuração do signatário e comprovante de pagamentos, se dirija a Junta Comercial respectiva.

 

 

4 RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS

 

Os sócios são aqueles que estruturam, bem como, compõem uma sociedade empresarial. Aos mesmos são elencados direitos, obrigações e responsabilidades condicionadas a sua qualidade de sócios e ao que se estipulou no contrato social, para que possam agir de maneira plausível, permitindo o equilíbrio e desenvolvimento paulatino da sociedade empresária.

Dispõe o art. 1.052 do Código Civil que “na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”.

Quanto a integralização do capital social todos respondem solidariamente pela parte que falta, até o prazo de 5 (cinco) anos contados do registro da sociedade. Desta forma, os sócios são responsáveis solidários pelo valor do capital social da empresa não integralizado à sociedade, de modo que, pode ser exigido de qualquer sócio o valor referente à integralização das quotas do sócio remisso. E em detrimento deste, é assegurado o direito de regresso.

Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

 

Não há que se falar em responsabilidade solidária quando o capital social da empresa já estiver integralizado. O que não se confunde com a responsabilidade de cada sócio pelas obrigações contraídas pela sociedade, pois estes assumem as obrigações até o limite de suas quotas.

Com relação as dívidas tributárias a responsabilidade é apenas daqueles que exercem a administração da empresa. Portanto são responsáveis os diretores, gerentes, sócio-gerente ou representantes da sociedade, que resultem de atos praticados com excesso de poderes ou infração a lei, contrato social ou estatuto. Nesse sentido o REsp 86439/ES

TRIBUTARIO – SOCIEDADE LIMITADA – RESPONSABILIDADE DO

SOCIO PELAS OBRIGACOES TRIBUTARIAS DA PESSOA JURIDICA (CTN, ART. 173, III).

I - O SOCIO E A PESSOA JURIDICA FORMADA POR ELE SAO PESSOAS DISTINTAS (CODIGO CIVIL, ART. 20). UM NAO RESPONDE PELAS OBRIGACOES DA OUTRA.

II - EM SE TRATANDO DE SOCIEDADE LIMITADA, A RESPONSABILIDADE DO COTISTA, POR DIVIDAS DA PESSOA JURIDICA, RESTRINGE-SE AO VALOR DO CAPITAL AINDA NAO REALIZADO. (DEC. 3.708/1919 - ART. 9.). ELA DESAPARECE, TAO LOGO SE INTEGRALIZE O CAPITAL.

III - O CTN, NO INCISO III DO ART. 135, IMPOE RESPONSABILIDADE, NAO AO SOCIO, MAS AO GERENTE, DIRETOR OU EQUIVALENTE. ASSIM, SOCIO-GERENTE E RESPONSAVEL, NAO POR SER SOCIO, MAS POR HAVER EXERCIDO A GERENCIA.

IV - QUANDO O GERENTE ABANDONA A SOCIEDADE, SEM HONRAR-LHE O DEBITO FISCAL, E RESPONSAVEL, NAO PELO SIMPLES ATRASO DE PAGAMENTO. A ILICITUDE QUE O TORNA SOLIDARIO E A DISSOLUCAO IRREGULAR DA PESSOA JURIDICA.

V - A CIRCUNSTANCIA DE A SOCIEDADE ESTAR EM DEBITO COM OBRIGACOES FISCAIS NAO AUTORIZA O ESTADO A RECUSAR CERTIDAO NEGATIVA AOS SOCIOS DA PESSOA JURIDICA.

 

Já as dívidas trabalhistas, na hipótese de o capital social não ser suficiente para saldar as dívidas dos empregados, poderão ser de responsabilidade de seus sócios, com a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. É esse o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme a decisão no ROAR 545348, qual seja:

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – SÓCIO COTISTA – TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES DA SOCIEDADE SEM QUITAÇÃO DO PASSIVO LABORAL.

Em sede de direito do trabalho, em que os créditos trabalhistas não podem ficar a descoberto, vêm-se abrindo uma exceção ao princípio da responsabilidade limitada do sócio, ao se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (“disregard of legal entity”) para que o empregado possa, verificando a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução os bens dos sócios individualmente considerados, porém solidária e ilimitadamente, até o pagamento integral dos créditos dos empregados, visando impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos pela sociedade.

 

4.1 Desconsideração da personalidade jurídica

 

A pessoa jurídica através de uma gestão inadequada, pode ser objeto utilizado para fachada de empresa, lavagem de dinheiro, fraude a credores, simulações, contratos leoninos, além de fraudes contra a Receita Federal dentre outras formas de desvirtuar sua finalidade e prejudicar a sociedade.

Para evitar esse dano dentro da estrutura econômica e social, a jurisprudência evoluiu no sentido de permitir a reparação aos atos danosos, ocasionados pela má gestão, mediante a expropriação dos bens dos sócios. Assim, ignora-se a autonomia patrimonial da empresa, responsabilizando pessoal, direta e ilimitadamente os sócios pelas obrigações originárias da sociedade. Desta forma, o Código Civil determina que:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

 

Nesse sentido, o Recurso Especial 86502/SP determina a “Desconsideração da pessoa jurídica – Pressupostos – Embargos de devedor. É possível desconsiderar a pessoa jurídica usada para fraudar credores”

 

 

5 DIREITOS DO SÓCIO

 

Com a constituição da Sociedade Limitada, o sócio que adquire quotas passa a ser o titular de uma série de direitos, quais sejam: a) participar das deliberações sociais; b) fiscalização da gestão; c) participar dos resultados empresariais; d) tem preferência na subscrição de quotas (direito de preferência); e) cessão de quotas; e, f) de retirada da sociedade.

Os limites e as condições de exercícios dos direitos é estipulado pelos sócios e estabelecidos em contrato. Assim, os sócios gozam desses direitos devido a sua participação no capital social.

 

5.1 Participação nas deliberações sociais

 

Consiste no direito de voto em assembleias e reuniões, observado o art. 1.072 do Código Civil. Não estipulado no contrato social, aplica-se supletivamente o disposto na Lei das S/A.

Nas deliberações sociais, discute-se as matérias referentes à aprovação das contas da administração, a designação ou a destituição dos administradores, bem como sua remuneração; modificações no contrato social; transformações, como fusão, cisão ou incorporação, dissolução ou cessação do estado de liquidação; e, pedido de concordata. Além dessas matérias elencadas, o contrato pode designar outras como objeto de deliberação.

Os sócios detém o direito de decisão sobre os negócios da empresa, se o contrato não dispuser expressamente nada em contrário. As demais decisões podem ser tomadas pela maioria dos votos, que são contados segundo o valor de das quotas de cada sócio, e, em caso de empate será tomada a decisão por maior número de sócios. Se permanecer o empate, será decidido pelo judiciário.

O sócio deve votar visando o interesse da sociedade, é vedado pela lei o voto abusivo, pois o interesse social prevalece sobre o privado.

 

5.2 fiscalização da gestão da empresa

 

Como explicitado no art. 1.021 do Código Civil, consiste no direito de examinar os livros empresariais, os documentos e o estado da caixa e da carteira da sociedade, que podem ser requeridos a qualquer tempo pelos sócios, salvo estipulação em contrário no contrato social, ao determinar época própria.

As demonstrações contábeis e prestação de contas devem ser disponibilizadas aos sócios pelo prazo de até 30 dias antes de reunião ou assembleia.

 

5.3 Participação nos resultados empresariais

 

Trata do lucro (resultado positivo) e do prejuízo (resultado negativo) da empresa. A possibilidade de obtenção de lucro é o grande atrativo para se ser sócio. Assim, se não houver disposição contratual diversa, o lucro é distribuído na proporção das suas quotas partes. Portanto, é vedada a distribuição do lucro em favor de alguns sócios, e privando os demais.

A lei sanciona com responsabilidade ilimitada e solidária dos administradores em relação a distribuição de lucros fictícios ou ilícitos aos que receberem e dos que conhecia ou devesse conhecer a infração.

 

5.4 Preferência na subscrição de quotas

 

O direito de preferência consiste na preferência de subscrição, quando houver deliberação referente ao aumento de capital (só é permitido se o capital social estiver integralizado). Assim, o sócio que tiver interesse, tem o direito de preferência em relação a terceiros não sócios. Cada sócio tem direito de preferência na proporção de suas quotas.

Logo, a preferência deverá ocorrer perante a administração da empresa, no prazo de 30 dias seguintes a deliberação do capital. No contrato social pode ser previsto a preferência dos demais sócios com relação a subscrição das sobras de cotas, de acordo com o prazo estabelecido para que haja a manifestação de uma nova preferência.

Na hipótese da omissão do contrato em relação a cessão desse direito a terceiros não sócios, só poderá ser aceito se mais de 25% dos sócios titulares não forem contra.

 

 

5.5 Cessão de quotas

 

Pode ser realizada em favor de outros sócios ou de terceiros. O contrato social deve estabelecer sobre o modo de disposição e os critérios que devem ser observados, logo, é permitido a fixação do direito de preferência aos sócios na medida da titularidade de suas respectivas quotas.

Caso não o faça, o sócio cedente poderá transferir suas quotas a outro sócio, sem necessidade do consentimento dos demais. E a terceiros, com concordância dos sócios, no que represente pelo menos 75% (setenta e cinco por cento) do capital social.

A anuência poderá ser de forma escrita ou tácita, sendo que esta última ocorrerá quando os sócios não se manifestarem em relação a preferência dentro do prazo estipulado.

 

5.6 Retirada da sociedade

 

Consiste no reembolso do valor de sua quota parte, com base no patrimônio líquido da sociedade conforme o balanço levantado após a manifestação quanto ao interesse de retirada.

Esse direito é conferido nas hipóteses de discordância de deliberação referente à: a) modificação do contrato social; b) fusão da sociedade; c) incorporação de outra sociedade ou da sociedade em outra; d) transformação ou cisão, que embora não estejam previstas, são alterações contratuais; e e) nas sociedades por prazo indeterminado, sem necessidade de justificar-se, ou nas sociedades por prazo determinado, com comprovação judicial

É necessário salientar que caso o contrato não estabelecer e não houver a oposição dos demais, o reembolso será em dinheiro e no prazo de 90 dias a contar da data do balanço especifico da manifestação de retirada.

 

6 Deveres do sócio

 

O sócio tem a obrigação de a) realizar o capital subscrito e b) dever de lealdade.

Essa matéria suscita debates calorosos, em face da complexidade das relações decorrentes dos contratos sociais, dos conflitos entre os sócios e destes com terceiros, uma vez que as Sociedades Limitadas constituem o tipo societário com maior percentual de constituição no Brasil.

 

6.1 Realizar o capital subscrito

 

A obrigação de realizar o capital subscrito diz respeito ao pagamento do valor de sua participação na sociedade, por exemplo de aumento de capital. Observando sempre os prazos, formas ou critérios previstos no contrato social ou na sua alteração.

Se não houver o cumprimento da obrigação, estará o sócio inadimplente em relação ao pagamento da sua parte à sociedade, prejudicando na formação do capitão social. Caso não realize o pagamento, será considerado sócio remisso. Neste caso, se não adimplir a obrigação até 30 (trinta) dias após a notificação da sociedade, poderá constituir o devedor em mora e responder por perdas e danos.

A sociedade poderá ingressar com ação contra o inadimplente. Já os sócios, tanto para excluir o remisso quanto tomar para si as quotas deste e transferir para terceiros, conforme os art.1.004,1.031 e 1058 do Código Civil.

 

6.2 Dever de lealdade

 

O dever de lealdade é uma obrigação do sócio para com a sociedade e com os outros sócios. É intrínseco ao affectio societatis e se estabelece com condição primária à realização do objeto da sociedade.

Assim, qualquer falta grave, relacionada a interesse contrário ao da sociedade terá por consequência, além das perdas e danos, a sua exclusão do quadro social, por meio do judiciário, com a iniciativa da maioria, conforme estabelecem os artigos 1010, § 3º e 1030 do Código Civil.

 

 

7 ADMINISTRAÇÃO

 

Na sociedade limitada a administração, também conhecida por gerência, é o órgão que manifesta a vontade da pessoa jurídica, respondendo pela empresa.

Preceitua o art. 1.060 que a administração poderá ser realizada por um ou mais pessoas, físicas ou naturais, que podem ou não ser sócias da empresa. Ocorreu aqui uma alteração, visto que, o antigo Código Civil definia que apenas os sócios poderiam exercer a gerência.

 

7.1 Administrador

 

Administrador é a pessoa física ou natural responsável pela atuação da empresa, visto que pratica os atos para o seu desenvolvimento e o alcance do seu objeto social.

É aquele que gere os negócios, com base em objetivos organizacionais, com estratégias visando o futuro crescimento da empresa. A sua atuação será definida por contrato social, e limitada inclusive pela própria atividade da empresa.

Para CHIAVENATO, na gerência realizada pelo administrador é essencial a presença dos seguintes requisitos: a) capacidade de selecionar e escolher talentos; b) definir os resultados assertivos a serem alcançados; c) foco nas fortalezas (potencializar os pontos fortes); e, d) adequação de toda a base organizacional aos requisitos do negócio da empresa.

Sua designação ocorrerá através do contrato social no seu ato constitutivo, por meio de adição posterior ao contrato social e ainda através de ato em separado originado por decisão de reunião ou assembleia, por exemplo.

Há uma peculiaridade quanto à não se estender a administração ao sócio que ingresse posteriormente à sociedade. Assim, deve ser feita a alteração do quadro social que os sócios ingressantes possam fazer parte da administração.

 

7.2 Conselho fiscal

 

O Conselho fiscal não é órgão obrigatório na sociedade ltda.. O contrato social pode instituí-lo. Deverá ser composto por três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no país, eleitos na assembleia anual.

 

7.2.1 Vedações

 

Não podem integrar o conselho fiscal: a) os impedidos por lei de exercer funções administrativas; b) os membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra por ela controlada; c) os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores; e, d) o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau.

 

7.2.2 Representante dos sócios minoritários

 

Protege-se a minoria societária, assegurando-se aos sócios minoritários, que representarem pelo menos 1/5 do capital social, o direito de eleger, separadamente, um dos membros do Conselho Fiscal e o respectivo suplente.

Entendemos que o legislador pretendeu que a representação minoritária no Conselho Fiscal deva ser de 1/3 do colegiado. É que o órgão pode ser composto por mais de três membros. Se por exemplo, for integrado por seis membros, parece-nos que a minoria poderá eleger dois membros do Conselho Fiscal com os respectivos suplentes.

Se assim não for, ou seja, a representação da minoria for sempre de um conselheiro fiscal, qualquer que seja o número de integrantes do órgão, a proteção da minoria societária poderá converter-se em mera retórica.

 

7.2.3 Posse

 

O membro ou suplente eleito, assinando termo de posse lavrado no livro de atas e pareceres do conselho fiscal, em que se mencione o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência e a data da escolha, ficará investido nas suas funções, que exercerá, salvo cessação anterior, até a subsequente assembleia anual. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes ao da eleição, esta se tornará sem efeito.

 

7.2.4 Remuneração

 

A remuneração dos membros do Conselho Fiscal será fixada, anualmente, pela assembleia dos sócios que os eleger. Portanto, o mandato e o valor da remuneração são anuais.

 

7.2.5 Deveres

 

Além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato social, aos membros do Conselho Fiscal compete individual ou conjuntamente, os seguintes deveres: a) examinar pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; b) lavrar no livro de atas e pareceres do Conselho Fiscal o resultado dos exames realizados; c) examinar no mesmo livro e apresentar à assembleia anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o de resultado econômico; d) denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências uteis à sociedade; e) convocar a assembleia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes; e, f) praticar, durante o período de liquidação da sociedade, os atos descritos, tendo em vista as disposições especiais reguladoras da liquidação.

 

7.2.6 Responsabilidade

 

O regime de competência do Conselho Fiscal é insuscetível de transferência a outro órgão societário. Suas atribuições e poderes são conferidos por lei.

A responsabilidade de seus membros obedece à mesma regra alusiva aos administradores. Assim dispõe o art. 1.016, onde “os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”.

 

Não é, apenas, o Conselho Fiscal o único custo da administração societária. O direito de fiscalização decorre da condição cotista.

 

7.2.7 Assistência de contabilista

O conselho fiscal poderá escolher para assisti-lo no exame dos livros, dos balanços e das contas, contabilista legalmente habilitado, mediante remuneração aprovada pela assembleia dos sócios.

7.3 Balanço patrimonial e resultados

 

Ao término de cada exercício social, proceder-se-á à elaboração do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico, que serão apresentados aos sócios através da assembleia ou da reunião.

Nesse sentido:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS – Primeira fase – Sociedade limitada – Administração exercida por ex-funcionário – Dever de prestação de contas à sociedade – Inteligência do art. 1.020 do CC – Petição inicial recebida – Apelação provida para este fim Dispositivo: dão provimento.

 

 

7.3.1 Balanços patrimoniais

 

A Lei que hoje rege as Sociedades Limitadas é a Lei n. 10.406, de 10/01/2002, ou seja, o novo Código Civil, onde não existe nenhuma obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras para as sociedades limitadas, independente do porte das mesmas.

As sociedades limitadas são obrigadas a fazê-lo, mas não a publicá-lo, pois o resultado da empresa só interessa aos sócios, que são poucos.

 

7.3.2 Resultados

 

De acordo com a Resolução CFC nº 1.255/2009, as sociedades limitadas e demais sociedades comerciais, desde que não enquadradas pela Lei nº. 11.638/07 como sociedades de grande porte, também são tidas, para estes fins, como pequenas e médias empresas.

 

 

Referências:

¹ LUCENA, José Waldeci. Das sociedades limitadas. 6ª ed. Rio de Janeiro: Inovar, 2005.

² MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 30 ed. Rio de Janeiro: Forence, 2005.

³ Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994.

http://www.juceb.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=190

 

Junta Comercial do Estado da Bahia

Av. Estados Unidos, 558 – Edf. Citibank – Comércio.

CEP 40010-020 – Salvador – Bahia.

REsp 312.269/ES, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22.05.2001, DJ 25.02.2002 p. 224

TST - ROAR - nº 545348/1999 - DJ: 14.05.2001. Relator Min. Ronaldo Leal.

STJ – Resp. 86502/SP, 4ª T, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 21-5-96, DJU 26-8-96.

 

TJ-SP – APL: 0059153-04.2012.8.26.0564, Relator: Ricardo Negrão, Data de julgamento: 03/08/2015, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Data da publicação: 06/08/2015.