Um Paradigma em crise e as novas mudanças da Sociedade Moderna
Por Lígia Carolina Borges Faria | 22/01/2011 | PsicologiaOs Ideais de Racionalidade e Objetividade nas Ciências Modernas
Foi no período do século IV até o século XV que o conhecimento humano foi dominado pelas leis estabelecidas pela Igreja Católica. Todo e qualquer estudo, naquela época, ou qualquer tipo de livro que fosse lido deveria passar pelo consenso dos padres e monges medievais. Este conhecimento não deveria partir dos sentidos e sim da fé, da crença que está fora e não depende dos mesmos. Entretanto, é no fim da idade média (também chamada de idade das trevas) que alguns pensadores como Tomás de Aquino, inovaram e tentaram uma leitura menos ortodoxa entre sentidos, razão e fé, ocorrendo então a virada que o conhecimento humano deu em direção ao empirismo, derrubando a partir daí a concepção medieval do mundo.
Com o advento da modernidade surgem duas correntes: o Racionalismo e o Construtivismo. A primeira calcava-se no anseio de partir da experiência sensível enquanto que a segunda se baseava na necessidade de lidar com conceitos racionais. Todavia, o pensamento científico se iniciou com René Descartes e o seu método experimental dedutivo ou método Cartesiano, que resgatou o pensamento humanista e propôs um conhecimento pautado na dúvida metódica como início do trabalho científico.
A síntese do método científico é chamada de Determinismo, que se inicia nas ciências naturais e foi apoiado pelas ciências humanas como a "Física Social" de Auguste Comte, precursor do positivismo. "Comte leva o determinismo mecanicista das ciências naturais até as ciências humanas e sociais completando o modelo moderno de fazer ciência." O modelo de Auguste Comte entrou em crise com as várias descobertas de Einstein na física e Gödel na matemática, entre outros.
Ciência, Senso Comum, Religião e Filosofia
O senso comum se designa por conhecimentos adquiridos ao longo da vida que independem de um treinamento científico, sem um embasamento notável de tal ordem. No entanto o próprio embasamento científico inexiste sem o senso comum. Segundo Boaventura de Souza Santos
Deixado a si mesmo, o senso comum é conservador e pode legitimar prepotências, mais interpenetrado pelo conhecimento científico pode estar na origem de uma nova racionalidade. (p 90)
Este e aquele partem do mesmo princípio que é a busca incessante do homem por conhecimento de si e do mundo que o rodeia. Entretanto a ciência busca cada vez mais se afastar de pensamentos ditos como "populares" ou "míticos", aqueles que estão muito presentes na sabedoria popular; É através de métodos rigorosos, para produzir um conhecimento sistemático, preciso e objetivo que garanta prever acontecimento e agir de forma mais segura que a cientificidade moderna se pauta, desprezando qualquer tipo de conhecimento que não seja este estipulado.
Outra forma de pensar o mundo e que bate de frente com a ciência é a religião. Durante muitos anos ela foi um empecilho para a ciência e é a partir de então que o dilema entre as duas começa. A religião propõe um conhecimento e principalmente uma fé em afirmações subjetivas da proposta de que existe um ser transcendental, extra empírico que criou e governa o mundo e, sendo assim, todos os seres humanos devem seguir as leis deste "governante", sendo fiéis e adoradores, entretanto, a religião que não caminha de mãos dadas com a ciência está nas trevas da superstição e da ignorância. Como a ciência se baseia em algo racional com evidências concretas e sistemáticas há esse embate que geralmente existe quando um dos dois pretende responder às questões atribuídas ao outro. Segundo o historiador Jacques Barzun a ciência é como "uma fé tão fanática como qualquer outra na história".
Unidas na mesma necessidade de pensar o mundo, por meio da razão, também surgem questionamentos a respeito da ciência e filosofia. Esta que possui em sua essência o significado de "amor à sabedoria" se contrapõe em alguns aspectos em relação aquela. Contudo o nascimento da ciência se deu a partir da filosofia que desde os gregos indagava a existência humana e assim como a cientificidade moderna foi contrária aos "mitos" que explicavam a realidade com base em deuses e castigos. A visão da filosofia é um conjunto, isto é, a questão nunca é examinada de modo parcial, mas sempre relacionando um aspecto com outro do contexto em que está inserido.
Paradigma Dominante X Paradigma Emergente
Para que se possa analizar as duas formas de paradigmas existentes primeiro é necessário entendermos o significado desta palavra. "Um paradigma é um modelo, uma referência uma diretriz, um parâmetro, um rumo, uma estrutura, ou ate mesmo ideal. Algo digno de ser seguido. Podemos dizer que um paradigma é a percepção geral e comum - não necessariamente a melhor - de se ver determinada coisa, seja um objeto, seja um fenômeno, seja um conjunto de idéias."
Boaventura de Souza Santos na sua imponente obra denominada "Um discurso sobre as ciências", distingue e relaciona dois tipos de paradigmas: o dominante e o emergente.
O primeiro constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido calcado nas bases das ciências naturais e só então no século XVIII é que ele alcança as ciências de ordem sociais emergentes. É um modelo totalitário, negando o caráter racional a todas as formas de conhecimento se não os pautados pelas suas regras metodológicas. Este paradigma não conseguiu responder a todas as questões que surgiram e começa a declinar nos dias atuais começando com Einstein e a mecânica quântica e continuando com o grande avanço no conhecimento do novo paradigma científico moderno.
O segundo paradigma, emergente, ainda se inicia nos dias que se seguem e alguns ainda o consideram como uma via especulativa pelos sinais de crise do paradigma dominante. Este novo modelo que se apresenta ao mundo é como afirmou Boaventura de Souza Santos "o paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente" (p 60). Sendo ele um modelo científico (conhecimento prudente) e também social (para uma vida decente).
O Processo de Industrialização da Ciência
De acordo com Santos (1999) atualmente a ciência ganhou em rigor e perdeu em auto- regulação. A industrialização da ciência se dá pela associação entre as instituições econômicas, sociais e políticas que estabelecem o que e como deve ser pesquisado e aprimorado para o avanço científico. Os países ricos ditos de "primeiro mundo" dominam o conhecimento científico e acabam manipulando os países de terceiro mundo com suas inovações tecnológicas acabando por explorá-los cada vez mais em troca de um conhecimento que deveria ser do domínio de todos.
Sobre este assunto foi lançado recentemente um filme chamado "Decisões Extremas" (Extraordinary Measures), em que um pai de duas crianças com uma doença congênita encontra um cientista que já conhece os procedimentos adequados para a manipulação de um medicamento adequado para curar essa patologia, mas que enfrenta uma série de burocracias por parte de outros cientistas e do governo envolvendo também o financiamento da pesquisa para a concretização da droga. As chamadas decisões extremas que observa-se no filme acontecem, na maioria das vezes, no âmbito profissional. E mesmo quando tomadas por interesses emotivos elas não apresentam carga dramática. Um pai tentando defender os interesses em salvar a vida dos filhos. Cientistas lutando para que seja o seu nome o grande expoente na cura da doença, e muitos, muitos empresários buscando o máximo de lucro com a pesquisa. Este filme retrata a realidade científica nos dias atuais em que, por um lado, a estratificação da comunidade científica tornou-se autoritária e desigual, tornando o papel do cientista como "proletarizado", confinados nos laboratórios e centros de investigação.
Com base nisso é importante que a sociedade contemporânea se fixe nas questões relacionadas ao conhecimento científico para que este não fique nas mãos de poucos prejudicando e explorando a maioria, sendo a realidade do nosso atual sistema vigente, o capitalismo, que é o principal agente da industrialização da ciência moderna.
CONCLUSÃO
Com o nascimento do pensamento científico moderno se instaurou formas de pensar sobre o mundo pautadas unicamente nas ciências naturais, tal ideia foi seguida por muitos estudiosos como Auguste Comte. Porém, atualmente vive-se uma crise no modo de ver e compreender o conhecimento humano, o que cede espaço para novas correntes e para um cientificismo pós moderno denotado pela ascensão de um novo paradigma, o emergente.
Não que o ensino pautado nas ciências naturais tenha se dissipado de nossa sociedade ainda, pois ele ainda permanece em muitas instituições de ensino que tem como objetivo a formação de novos "pensadores" para agora e futuramente. Porém, com base no exposto, chega-se numa conclusão de que é neste momento que se necessita de uma conciliação de todas as ciências, as ditas naturais, humanas e sociais para que a busca do conhecimento seja amplo e universal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SANTOS, Boaventura de Souza. Um Discurso Sobre as Ciências. 2ª São Paulo: Cortez, 1999.
MARIGUELA, Márcio. Epistemologia da Psicologia. São Paulo: Unimep, 1995.
SANTOS, Carlos Alberto Barros; VARELA, Paulo Fernando Oliveira. A Evolução da Ciência. Disponível em: <http://www.ipv.pt/forumedia/6/17.pdf>. Acesso em: 30 out. 2010.
Filme: Decisões Extremas (Extraordinary Measures)
Ano: 2010
Direção: Tom Vaughan