Um Exercício de Geopolítica

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 24/06/2024 | Política

Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho

Artigo Escrito e Publicado em 2024

Uma das mais famosas Leis de Isaac Newton é a de que toda ação comporta, necessariamente, uma reação numa idêntica intensidade e sentido contrário. Tendo em vista a agressividade, inerente aos seres humanos e fruto de milhões de anos de evolução, com o fim de perpetuar a espécie, surgiram grupos artificialmente tidos como nacionais, raciais, étnicos ou religiosos, que defendiam e defendem seus territórios, assim demarcados para lhes garantir recursos possibilitadores da sua perpetuação.

Ocorre que já atingimos um estágio evolutivo e tecnológico que nos permite coexistir numa real acomodação de interesses, e não em um constante estado de beligerância. E, como estamos à beira da Terceira Guerra Mundial, dita idiossincrasia se torna ainda mais aberrante. Tomemos como exemplo os episódios, no início deste ano, de animosidade entre o Irã e o Paquistão.

Todos sabemos que o Irã, aliado de longa data da Rússia e inimigo dos EUA e Israel, procura incessantemente obter a força militar na esfera nuclear (se já não a obteve confidencialmente). O Paquistão, aliado de Washington, a possui, assim como sua contumaz e vizinha inimiga, a Índia (que tem laços com os EUA, mas sobretudo com a Rússia: vejamos, destarte, o grupo geopolítico de que faz parte junto ao Brasil, os BRICs).

Em 1991, durante a Guerra do Golfo, Israel não reagiu aos ataques do Iraque contra o seu território porque os EUA assim lhe pediram, a fim de não insuflar a massa árabe contra a Coalizão que expulsou as forças iraquianas do Kuwait. Pois bem: se o Irã, xiita, atacar o Paquistão, majoritariamente sunita, os EUA podem solicitar ao último o não uso de armas nucleares em face dos iranianos.

Não utilizando o seu arsenal atômico, a guerra entre os dois países seria travada com armas convencionais. Mas, assim sendo, também cairia a credibilidade do sistema de dissuasão nuclear paquistanês. A Índia, nesta hipótese, poderia aproveitar e atacar o Paquistão pelo Leste, a fim de recuperar a área de contenda entre os dois países, rica em petróleo. O Paquistão ficaria encurralado em uma dupla guerra, contra o Irã, ao Oeste, e em face da Índia, ao Leste.

Os EUA ameaçariam intervir, e pediriam a Israel que não vendesse armas ao Paquistão. Israel, como é da tradição governamental durante a maior parte de sua existência, e confiante na incondicional proteção do Ocidente, desconsideraria as recomendações estadunidenses. Isso faria com que a venda de armas, ao Paquistão e para combate ao Irã, provocasse mais ódio dos grupos financiados por aquele país, como o libanês Hezzbolah e o palestino Hamas, controlador da faixa de Gaza. Mais ataques desses grupos seriam registrados contra os israelenses, que entrariam em alerta quase máximo (algo equivalente ao Defcon II - Condição de Prontidão de Defesa II -  que os EUA só acionaram durante a Crise dos Mísseis Cubanos e imediatamente anterior ao Defcon I, sinalizador da guerra nuclear já iniciada ou iminente) e interviriam militarmente no Líbano e na Palestina, mas não na Síria, pois haveria o receio da reação da Rússia, aliada do governo de Damasco na guerra contra os rebeldes tendentes a derrubá-lo.

Da mesma forma, a Rússia alertaria o Ocidente de que reagiria de forma "nunca antes vista" se houvesse reação ocidental contra o Irã e a Índia, que mutilariam os paquistaneses, dia a dia, terminando por, ali, provocar um golpe militar pró-russo, numa paz forçosa e trazendo a República Islâmica do Paquistão à esfera de influência de Vladimir Putin, que conseguiria, desta maneira, um contíguo número de territórios (incluindo todas as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central) em que poderia exercer, junto à China e indefinidamente, sua política de mão de ferro, rivalizador do poder estadunidense na Eurásia, bem como na geograficamente não contínua Síria.

A ação e a reação são implacáveis, apesar de Newton, na sua personalidade, não o ter sido nem um pouco, ao contrário dos que comandam o planeta hoje. E nenhuma das ciências humanas evidencia isso mais que a geopolítica, a que, infelizmente, estamos todos sujeitos.

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