UM ESTUDO DE CASO DE CASAMENTO HOMOAFETIVO DE LONGA DURAÇÃO

Por ADRIANA CRISTINA ALVES FERREIRA | 14/09/2016 | Psicologia

ADRIANA CRISTINA ALVES FERREIRA[1] 

JOSÉ WILTON DE ARAÚJO[2]

Resumo:

O presente estudo é decorrente de uma pesquisa bibliográfica e de campo realizada com casais  homossexuais femininos com relações conjugais duradouras. O referencial teórico aborda o casamento homoafetivo num percurso histórico até a contemporaneidade. A pesquisa tem como objetivo identificar os fatores que levam um casal homoafetivo a enfrentar os desafios diádicos juntos, por um longo tempo. .

INTRODUÇÃO

            O ideal conjugal na maioria das sociedades, traz consigo o peso da  cultura que é considerada a partir do percurso  histórico. A homossexualidade por sua vez nos faz refletir sobre o processo de mudanças em termos de aceitação e reconhecimento da homossexualidade como uma realidade relacional bastante discutida e revelada neste século apesar de existir desde os primórdios.

            A pergunta norteadora da pesquisa foi: é possível que os casais homossexuais possam viver felizes numa relação conjugal duradoura?assim como os casais heterossexuais? A presente pesquisa bibliográfica e de campo tem como objetivos identificar casais que tenham mais de quinze anos de convívio conjugal, estabelecer os critérios que fazem essa relação durar e se fortalecer ao longo do tempo, enumerar os pontos positivos e negativos  de um casamento duradouro.

            Conforme Quinet e Jorge(2013), o Stonewall, ocorrido em 28 de junho de 1969, é o marco histórico dos homossexuais e do combate a homofobia. A condição do ser humano melhor expressar sua sexualidade tem sido um desafio, uma batalha e também muitas conquistas. Mediante uma realidade sofrida, as pesquisas revelaram que o maior índice de depressão e suicídio se encontra dentre os homossexuais.

            No decorrer dos tempos a homossexualidade já foi tida com preconceito, patologizada e até tida como crime mas, como nos traz Jorge(2013), diante de todos os olhares a homossexualidade é subversiva, por manifestar em ato, a existência do ser falante, desejante de uma liberdade absoluta em relação ao natural. Mas como afirma Paoliello (2013) a partir da teoria feudiana, não há uma sexualidade humana determinada, sendo ela sempre polimorfa. Assim sendo Freud contribuiu de forma definitiva para a desconstrução de que a homossexualidade seria uma doença.

            Ao reportar o tema à Antiguidade grega, Paoliello (2013) relata o fato da homossexualidade ser culturalmente aceita, sendo a pederastia um costume social, tal relação era atribuída quando homens maduros direcionavam o seu amor a jovens adolescentes. A autora conta que com o advento do cristianismo a homossexualidade passou a ser uma prática condenada, fato que levou a perpetuar pelas gerações o preconceito.

                   Então, “toda versão da sexualidade é igualmente legítima e ninguém pode se arrogar o direito de autorizar ou desautorizar a sexualidade de ninguém”(JORGE, 2013, p.18), mesmo assim, tal comportamento trouxe várias nuances tendo sido considerada até como doença e que até hoje tornam-se desafiadoras as condições de enfrentamento. Então  este  autor, traz uma ressalva importante ao pontuar que a homossexualidade não é uma patologia e, logo, não pode ser objeto de um tratamento que vise eliminá-la. Convém ressaltar que os homossexuais já foram considerados como “devassos ou criminosos” (JORGE, 2013, p. 33), e este faz um esclarecimento sobre  como as conquistas foram aos poucos sendo almejadas pela classe que ainda é estigmatizada porém vive além de seus dilemas pessoais, grandes histórias de amor, direito de qualquer ser humano:

o movimento anti-homofóbico, que cresceu e, em 1869, a partir do jornalista, escritor e ativista dos direitos humanos austro-húngaro Karl-Maria Kertbeny criou o termo homossexual em substituição a pederastia. Em 1897, Magnus Hirschfeld, médico alemão e homossexual assumido, fundou, junto de Eduard Oberg, Max Spohr e Franz Josef Von Bulow, o Comité Científico-Humanitário, com o objetivo de defender os direitos dos homossexuais. (JORGE, 2013, p. 33)

       

                    Paoliello (2013) evidencia que a história do movimento da despatologização da homossexualidade teve forte influência das idéias de Freud favorecendo os movimentos humanistas contra qualquer forma de discriminação humana, já no final da Segunda Guerra Mundial. Assim, Maya (2013) traz a observação sobre conquistas de alguns direitos viabilizados a partir da descriminalização e a despatologização da homossexualidade, contudo ao analizar as teorias de Miller (1997) sobre a união homossexual, Maya (2013)  concluiu que este reconheceu a existência de laços afetivos duradouros entre homens homossexuais, porém, não reconheceu neles laços de fidelidade sexual.

                   Para Maluf (2010) numa visão pós-moderna, a constituição de um vínculo relacional entre dois seres, apoiada na afetividade, inclui não somente casais heterossexuais mas também parceiros homoafetivos. Ao integrarem os novos arranjos conjugais, os casais homoafetivos se deparam conforme pesquisas com os mesmos desafios relacionais que os casais heterossexuais, sendo que segundo Miletti e Scorsolini-Comin (2014), os casais do mesmo sexo demonstram um grande índice de cumplicidade em termos de companheirismo, lealdade, parceria, fidelidade e respeito em relação aos casais heterossexuais. Conforme Mott (2006) as relações homoafetivas têm tido êxito, revelando-se duradouras.

                   No que se refere a  decisão de assumir a relação homoafetiva perante a sociedade, geralmente é parte de um processo de enfrentamento que consiste em  “assumir a própria homoafetividade” (MOSMANN; LOMANDO; WAGNER, 2010, p. 141) que seria o primeiro grande passo para desenvolver a dois, aspectos relacionais autênticos e satisfatórios. Agora no que concerne a escolha entre ser homem ou mulher, seria inconcebível adotar tal termo uma vez que conforme  Quinet (2013) menciona,

o autopreconceito, a autocrítica e a autocondenação reforçados pelo preconceito, crítica e condenação da família e da sociedade, tão frequentes entre os homossexuais, mostram que o indivíduo não fez essa escolha conscientemente, mas que essa orientação sexual se impôs a ele. E, muitas vezes, é necessário percorrer um longo caminho até sua aceitação e a conciliação com sua sexualidade. (QUINET,  2013,  p. 131).

                   No que se refere a homossexualidade feminina, o termo lésbica, parafraseando Maurano (2013), foi inspirado a partir do nome de uma ilha grega, ilha de Lesbos, onde nasceu a representante da amante das mulheres, Safo, portanto tal designação se refere a forma de relacionamento homossexual entre mulheres. Azevedo (2013) retrata dois pólos que marcam o erotismo homossexual feminino desde os primórdios, que seriam a atração e a interdição, esta geralmente lançada sob o olhar do pai ou da família,  que levava muitas vezes essas pessoas a passarem a vida cultivando um amor platônico o que hoje já traz uma realidade diferente. A condição de enfrentamento hoje, apesar das lutas, continua desafiadora.

            Nas pesquisas sobre a identidade sexual, Kaplan (2007) elucida como sendo o padrão de características sexuais biológicos de um ser as características cromossomas, genitália externa e interna, hormônios, gônadas e características sexuais secundárias, o que possibilita identificar homens e mulheres. Diferente deste, a identidade de gênero abrange os aspectos psicológicos comportamentais referentes a masculinidade ou feminilidade. Kaplan (2007) ainda descreve a orientação sexual como sendo o fator que descreve o objeto dos impulsos sexuais de uma pessoa heterossexual (o sexo oposto), homossexual (mesmo sexo), e bissexual (ambos os sexos).

            A barreira da discriminação vem aos poucos sendo ultrapassada a partir dos movimentos que reivindicam os direitos dos homossexuais inclusive o reconhecimento social e jurídico do casal homossexual e da família homoparental.

            Quinet(2013), a partir das teorias freudianas estabelece que a homossexualidade é uma prática sexual transestrutural ou seja, Freud encontrou na homossexualidade em sua experiência clínica, tanto na neurose( histeria, obsessão e fobia), na psicose(esquizofrenia, paranoia e melancolia), quanto na perversão(voyerismo, fetichismo, sadismo, masoquismo,etc).

             Assim sendo a história da conjugalidade homoafetiva traz uma série de questões que implicam uma luta contra a discriminação, o preconceito, mas também traz uma série de conquistas. Mediante a resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, que dispõe sobre  a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas de mesmo sexo, a partir do  Art. 1º , nos traz que é proibido por parte das autoridades competentes se negar realizar o casamento civil ou conversão em união estável em casamento entre os parceiros homossexuais, o que representa perante a sociedade uma conquista de classe .Conforme o Censo (2010), a estimativa para casais homoafetivos é em torno de 60 mil casais, tal realidade retrata a mudança nas configurações conjugais e familiares que se afirmam a partir da decisão de cada pessoa assumir a sua identidade relacional como homoafetiva.

                   Nessa configuração, o par conjugal, bem como os casais heterossexuais buscam construir a vida elencando aspectos relacionais em comum, trilhando juntos uma identidade conjugal como afirma Féres-Carneiro (1998). Ainda conforme pesquisa realizada por  Ferés-Carneiro (1997), com homens e mulheres heterossexuais e  homossexuais, com população da camada média carioca mostrando algumas semelhanças e diferenças nos dois tipos de conjugalidade onde há uma predominância na  preferência dos homens,sobre a qualidade “liberado sexualmente”,para os homens, sendo importante a atração física e a dimensão erótica na relação; na preferência das mulheres mediante a mesma autora, predominam as qualidades carinhosa e companheira, e a importância do amor e da amizade.  Em todos os campos relacionais, sem distinção de gênero, enfaticamente se percebe a importância do conjunto erotismo e romantismo, incluindo mediante também a fidelidade, que é considerada pela maioria dos sujeitos de ambos os grupos, como de fundamental importância na relação amorosa. 

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