UM ESTUDO DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA MATEMÁTICA ESCOLAR NO BRASIL
Por ALEXSANDRO SOARES CANDIDO | 29/01/2013 | EducaçãoUM ESTUDO DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA MATEMÁTICA ESCOLAR NO BRASIL
Alexsandro Soares Candido
alexprofmath@hotmail.com
A Educação Matemática Mundial teve um marco inicial em 1908, em Roma, durante o Congresso Internacional de Matemáticos, realizado da Comissão Internacional de Instrução Matemática (IMUK/ ICMI), sob a liderança do Alemão, Felix Klein, propondo reformulações para o ensino da matemática, visando uma melhor qualidade para o ensino.
No Brasil com após a proclamação da Republica em 1889, grandes transformações ocorreram na Educação e principalmente na Matemática, que até então era subdividida em três ramos (aritmética, álgebra e geometria). Neste período todos os estabelecimentos de Ensino eram regidos pelos exames preparatórios e liceus provinciais, com base na Reforma “Epitácio Pessoa” (decreto n. 3890, de 1 de janeiro de 1901), que consolidou o regime de equiparação ao Colégio Pedro II, sendo a referência para o Ensino no país.
Em 1925 com o decreto n. 16.782, de 13 de janeiro de 1925, a Reforma “Roxa Vaz” estabeleceu-se à seriação obrigatória de seis anos do curso secundário para todo o país. Nesta época assume a Direção do Externato do Colégio Pedro II o professor Euclides de Medeiros Guimarães Roxo, em meio à instituição da Seriação Obrigatória, onde permaneceu no cargo até 1930, quando assumiu a diretoria do Internato.
O professor Euclides Roxo instituiu no Colégio Pedro II diversas mudanças, dentre elas podemos destacar: a junção da álgebra, a aritmética e geometria em uma única disciplina “a Matemática”. Além disso, reestruturou todo o currículo em torno do conceito de função e introduziu de noções de cálculo diferencial e integral para todos os alunos do secundário mediante a inspeção federal e deu a mesma oportunidade às escolas particulares.
Em 1930, no Governo de Getúlio Vargas institui-se o ministério da “Educação e Saúde Pública” e nomeou para assumir este cargo Francisco Campos. O ministro Campos introduziu mudanças fundamentais no ensino secundário com o decreto 19.980, de 18 de abril de 1931, a chamada “Reforma Francisco Campos”. Esta reforma teve como principal finalidade a ampliação do curso secundário, que deveria deixar de ser um curso propedêutico para ingresso nas faculdades, para possuir finalidade própria.
Esta modalidade de Ensino foi ampliada sete anos que foram divididos em duas partes: a primeira, de cinco anos, comum ou fundamental, e a segunda, de dois anos, com finalidade de preparação para as Escolas Superiores. O currículo era seriado e a freqüência obrigatória, dois ciclos, um fundamental e outro complementar, contendo discussões acerca de orientações didáticas, transpondo a idéia de que o currículo era apenas uma lista de conteúdos.
Neste cenário no Colégio Pedro II Euclides Roxo estabeleceu normas para admissão do corpo docente e seu registro junto ao Ministério da Educação e Saúde Pública e promoveu normas para a realização da inspeção federal. Além disso, criou a carreira de inspetor e organizou a estrutura do sistema de inspeção e equiparação de escolas.
As inovações implementadas em sua Instituição acentuou a critica de alguns professores da época, tais como: Arlindo Vieira, professor do Colégio Santo Inácio, Rio de Janeiro, e defensor do ensino das humanidades clássicas; Almeida Lisboa, professor catedrático do Colégio Pedro II, também do Rio de Janeiro, defensor do Ensino Tradicional de Matemática; professores do Colégio Militar do Rio de Janeiro, e Paulo Mendes Vianna, professor das escolas técnicas secundárias.
Mesmo com a resistência apresentada, Roxo contribuiu de maneira significativa para o Ensino da Matemática no país dentro da Reforma Francisco Campos. Algumas de suas ideias vigoram até hoje como a presença da matemática em todas as séries do currículo e o estudo da matemática como uma única disciplina.
Após este período em 1934, assume o Ministério da Educação e Saúde o ministro Gustavo Capanema. No ano de 1936 Capanema inicia seus trabalhos visando a elaboração de um Plano Nacional de Educação, previsto pela Constituição de 1934. Este plano seria elaborado pelo Conselho Nacional de Educação e abrangeria todos os graus de ensino, porém com o Golpe Militar em 1937, o Plano Nacional de Educação não vigorou, permanecendo a Reforma Francisco Campos.
Já em 1939, Capanema deu início a estudos para a elaboração de uma reforma no Ensino Secundário. A reforma preservava a divisão do ensino secundário em dois ciclos, porém, alterava a estrutura anterior, o primeiro ciclo compreenderia um só curso, o ginasial e o segundo compreenderiam dois cursos paralelos, o clássico e o científico.
Com o decreto-lei de nº 4.244, de 09 de abril de 1942, criou-se uma comissão para a elaboração dos programas dos dois ciclos, no qual Euclides Roxo, entre outros, fazia parte desta comissão. O ministro Capanema foi o mediador das discussões para a elaboração dos programas do segundo ciclo, que no qual foram expedidos em 16 de março de 1943, pela portaria ministerial nº 177. Estes programas encabeçaram a “Reforma Capanema” que permaneceu até 1961.
O Brasil encontrava-se em um contexto histórico de grandes mudanças, regido ainda pelo Regime Militar, houve uma elevação na taxa de crescimento da população nas cidades em virtude da urbanização, pois as pessoas deixavam o campo para se aventurarem nas cidades grandes em busca de emprego alavancada pela Revolução Industrial no país.
Com isso percebeu-se a necessidade de preparar as pessoas recém chegadas para trabalhar nas indústrias, fato este que levou ao aumento da procura pelas escolas públicas, que até então era elitizado. O governo se sentiu obrigado a criar uma legislação para atender essa nova demanda e em 20 de dezembro de 1961 se instituía a Lei Federal n 4.024, que Estabelecia as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Enquanto isso na mesma época os professores apresentavam suas insatisfação com a Educação Tradicional e com uma ênfase excessiva na cultura clássica. Surgiram diversos congressos para discutir estas questões, o 1º Congresso foi realizado em Salvador em 1955. O 2º foi realizado em Porto Alegre em 1957, neste encontro foi apresentada pelo Benedito Castrucci a tese do professor Ubiratan D´Ambrósio que não pôde comparecer no evento. Esse material refletia os métodos de ensino com ênfase na intuição e criticas a “mudança de títulos de uma série para outra”. Além disso, foram apresentadas as teses do professor Sangiorgi colocando em questão a utilização da matemática clássica e da moderna e a tese do Major Professor Jorge Emanuel Barbosa que defendia a matemática moderna.
O 3º Congresso foi realizado no Rio de Janeiro no ano 1959, em que as discussões geravam em torno da recomendação de cursos para professores, preparando-os para a matemática moderna. Já o 4º Congresso Brasileiro do Ensino de Matemática, realizado no ano de 1962, em Belém do Pará, tratando pela primeira vez, com objetividade e clareza o problema da introdução da Matemática Moderna no Ensino Secundário Brasileiro. (BURIGO, 1989, p. 41-49), onde se refletia a intenção de uma nova concepção para a Matemática.
Além dos congressos outros fatores marcantes para a inserção da Matemática Moderna no Brasil foram; à criação do Grupo de Estudos de Educação Matemática (GEEM). Este grupo teve um papel decisivo na difusão do movimento, promoveu cursos para professores sobre como trabalhar os conteúdos da época e contribuiu na edição de livros didáticos.
Outra figura fundamental no movimento foi o professor Osvaldo Sangiorge, por possuir grande influência Política. Ele conseguia reunir multidões em seus discursos, visto que na época não era muito comum à permissão, devido à repressão provocada pelo Regime Militar. Além disso, os livros didáticos utilizados eram de sua autoria. Sangiorge foi presidente do GEEM, e em suas concepções crucificava a matemática clássica, valorizava as estruturas matemáticas e favorecia a axiomatização em detrimento da geometria de Euclides.
A Matemática Moderna teve grande repercussão no mundo e no Brasil teve como aliado a Lei Federal nº 5692, de 11 de agosto de 1971, que Estabelecia as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Esta legislação introduziu o Ensino de 1º grau com duração de oito anos e favoreceu a distribuição dos conteúdos de Matemática Moderna.
O principal objetivo da Matemática Moderna na LDB foi realizar a unificação dos três campos fundamentais da matemática por meio da introdução de elementos unificados como a teoria dos conjuntos. Acrescentando-se a isso o movimento procurou dar ênfase na precisão matemática do conceito e na linguagem adequada para expressá-la, substituindo o pragmatismo e a mecanização, presentes no Ensino Antigo da Matemática.
Em 1972, no II Congresso Internacional de Educação Matemática ReneTthom faz criticas a matemática moderna, em 1973 Morris Kline publica o livro “Why Johnny Can’t Add: The Failure of The New Math”. No Brasil chegou em 1976 com o titulo “O fracasso da matemática moderna”.
Algumas teses de mestrado da época já apontavam um declínio da Matemática Moderna devido ao baixo rendimento e o alto índice de reprovação dos alunos em matemática. Vários professores da época já mostravam insatisfação, o professor Manfredo Perdigão fez criticas com relação às estruturas matemáticas, a axiomatização e ao aspecto formalista e o professor Ubiratan D’Ambrósio em 1973 propunha que o ensino fosse integrado.
Em 1976 no III Congresso Internacional de Matemática os professores fizeram-se duras criticas sobre os currículos de matemática. Neste encontro, foi destacada a importância do papel do professor em sala de aula e a aquisição de conhecimentos para todos os alunos e não somente para a elite. No Brasil entrava em vigor os Guias Curriculares para as Escolas Estaduais de São Paulo e nos programas de matemática, a matemática moderna foi incorporada via decreto.
Porém atualmente algumas de suas concepções ainda perduram até hoje, sua substituição via decreto se deu pela Secretaria de Educação de São Paulo que publicou em 1987 a Proposta Curricular, onde contrapunha a Matemática Moderna apresentando um novo currículo embalado pelo movimento de democratização no país.
BIBLIOGRAFIA
BURIGO, Elisabete Zardo. Movimento da Matemática Moderna no Brasil: Estudo da ação e do pensamento de educadores matemáticos nos anos 60. Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1989. (dissertação de mestrado).
LIMA, Flainer Rosa. GEEM – Grupo de Estudos do Ensino da Matemática e a formação de professores durante o Movimento da Matemática Moderna no Brasil. Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, 2006. (dissertação de mestrado).
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VALENTE, Wagner Rodrigues. Uma história da matemática escolar no Brasil 1730-1930, FAPESP, Annablume Editora, 2ª edição, 2007.