Um Empreendedor Gurgel

Por Paulo Rabelo Guimaraes Machado Diniz | 08/06/2016 | História

Um desabafo Excelentíssima.

Depois do impeachment já no final do ano de 92 o empreendedor Paulo R Guimarães, ainda estudante de engenharia, funda a BR Guimarães para representar, no Triangulo Mineiro, a Gurgel Motores S/A. Na época toda empresa para ser limitada ao capital tinha que ter mais de um sócio. Assim, este empreendedor pediu a parentes para fazerem parte na sociedade.

O sonho de fazer parte da única tecnologia automativa abaixo da linha do equador e vender o primeiro City car das ruas no Brasil – o modelo Supermini, levou o empreendedor a ter o propósito de promover, comprar e vender este veículo no objeto social da empresa. No entanto, tal sonho foi abortado antes do nascedouro, pois os três primeiros veículos não foram entregues, apesar de ter feito depósito antecipado em conta corrente da Gurgel. Assim, o lançamento e a inauguração da revenda em janeiro de 1993 foi feito com veículos usados em testes enviados pela fábrica. A revenda não recebeu nenhum dos veículos pagos para comercializá-los. O seu objeto social, portanto não realizou. Ficou apenas promessa de entrega futura e volumes de problemas a serem resolvidos.

Desses três depósitos de veículos apenas um foi considerado nos autos. Dois desses depósitos, apesar de serem apresentados os comprovantes de depósitos originais nos autos, o perito e vossa excelentíssima juíza não os considerou. Abaixo a descrição desses valores na agenda do empreendedor que nunca aceitou a não inclusão de seus dois depósitos no processo, pois bastava um pedido de visualização de documento do cheque que era uma parte do depósito. Erroneamente foi feito a pedido de vossa excelentíssima o que já era óbvio nos originais de recibo de depósito – pedir ao banco depositante o destino do dinheiro depositado. Evidentemente, foi comprovado o que já se sabia: o depósito havia realmente caído na conta corrente da Gurgel Motores S/A.

Portanto, se o razoável contador judicial errou no cálculo não foi erro mais justo. O engano tão improvável deva ser o dedo de Deus agindo no meio das traças para fazer justiça pura. E deve ainda ressaltar que em nenhum momento foi pedido o que o erro concedeu ao réu. Como culpar a parte se ela nem induziu ao erro? Se tivesse induzido o perito ao erro talvez coubesse a desconsideração jurídica dos sócios como o fez o advogado da massa falida ao inventar no processo a existência de dívidas da BR Guimarães que, como mágica ela passou a dever para a massa falida.

Se não bastasse todo o investimento em montagem de infra-estrutura (o investimento era mais ou menos igual para montar

concessionário FIAT, por exemplo) a BR Guimarães ainda teve que assumir as despesas de promoção, de comercialização, de pessoal, de operação e de manutenção. E tudo isto apenas com a promessa de entrega futura de tais veículos que nunca acontecera. Nem mesmo os serviços de garantia feitos pela revenda BR em veículos vendidos diretamente pela fábrica ou por outros concessionários foram repassadas a ela.

Portanto, sem lograr êxito com a revenda o empreendedor, agora réu no processo, convida o fundador João Conrado Amaral Gurgel a transferir a Gurgel Nordeste para a sua cidade sede em Uberlândia-MG.

Aceito o convite, todo o empenho do empreendedor e de sua equipe passa ao fundador João Gurgel em sua reformulação do projeto Delta do nordeste para Uberlândia-MG com intuito de encaminhar ao Governo Itamar Franco.

No entanto, quando o projeto Gurgel Brasil de Uberlândia estava prestes a chegar à mesa da presidência o Secretário Parente, atual  Presidente da Petrobrás, by passou e enviou um fax ao fórum de Rio Claro às oito horas da noite. Tal expediente fez, na manhã seguinte, lacrar a fábrica com a decretação de falência. Assim quando chegou o projeto à mesa presidencial nada mais poderia ser feito. O velho Gurgel foi surpreendido nos corredores do planalto quando esperava a audiência com o presidente. Tal decretação de falência parecia não ter consistência, pois o tribunal derrubou a falência em três dias e a fábrica torna-se concordatária.

A convicção do fundador João Gurgel era inquebrantável. Ele mostrava carta de elogio do ex-presidente do BNDS pela performance de pagamento da Gurgel Motores. Mas já não mais adiantava a concordata preventiva sem prevenção alguma de caixa, pois havia já ocorrido a chamada “corrida bancária” contra os ativos da empresa e a marca sofre o dano irreparável. Assim, a bancarrota era só uma questão de tempo.

Nesse período, com o aumento da demanda graças à mídia espontânea pela presença do fundador à cidade sede da BR fez mais outros dois depósitos de veículos com dinheiro recebidos de clientes. Alguns desses veículos estavam já na última linha da montagem, em acabamento, e foram lacrados juntos com a fábrica na falência.

O empreendedor da revenda, agora réu no processo, teve a oportunidade com um policial de entrar na fábrica conferir nos veículos os números dos chassis e as suas cores com os das notas fiscais de entrega futura. Nada podia fazer. Foi obrigado a esperar décadas para ser restituído em parte esses valores.

Além de todos estes investimentos quanto trabalho despendeu este empreendedor, agora réu no processo, para a marca de veículo nacional.

Sem nenhum ônus, a fábrica Gurgel teve uma década de trabalho deste empreendedor, agora réu no processo. Somam-se a isso todos os investimentos alocados em empreendimento desse tipo. Na época o investimento para uma concessionária marca Gurgel não diferia da FIAT, por exemplo. Hoje para abrir qualquer concessionária de veículos não se investe menos de um milhão de reais. Mas se estas considerações não fazem parte do mérito e nem precisa, haja vista, que se computassem apenas os pagamentos antecipados à fábrica dos três veículos, em conformidade com o cálculo do contador judicial, alcançou trezentos e trinta mil reais em fevereiro de 2011 (quando o empreendedor recebeu 96 mil reais). Deveria somar os lotes de ações, equivalente a três veículos, adquiridos pelo empreendedor para se tornar concessionário, além dos dois depósitos que vossa excelência não os considerou nos autos.  Portanto, sem o investimento na concessionária, o valor alcança 880 mil reais considerando os juros judiciais irrisórios para o mercado. O que é 96 mil para 880 mil? Além desses investimentos ouve uma década de trabalho sem remuneração alguma?  Como este empreendedor pode, agora, ter praticado má fé para ter sua pessoa jurídica descaracterizada? O empreendedor trabalhou, não recebeu, não lucrou, apenas sofreu os ônus da fábrica, o ônus da concordatária e, na seqüência, o ônus da massa falida.

Inocentemente o representante da BR Guimarães, agora réu no processo, nunca acreditou no descabido erro de cálculo. Na verdade esperava receber a diferença que ainda faltava quando foi surpreendido com sua conta poupança bloqueado. Por que mais esta tempestade sobre o empreendedor? Já não bastam as adversidades do passado? A bancarrota do empreendimento do sonho sem sequer desenvolver a atividade fim.

Quanto poderia ser arrecadado se a massa falida não deixasse tudo virar sucata, além de deixar virar pó o valor intangível mais valorizado de todo o ativo - a marca Gurgel? Se até hoje há ainda uma veneração da marca na internet. Só o valor da marca poderia saldar todo o passivo trabalhista se houvesse no comando da massa falida alguém de visão, de sensibilidade para os negócios.

Este empreendedor, agora réu no processo, aproximou-se do fundador pelo serviço inconteste à marca. Neste convívio teve a certeza de ser ele homem íntegro. Tanto é verdade que padeceu ele demenciado sem recurso algum.

Todos os louros dos sucessos anteriores do João Gurgel foram alocados para a fábrica e para a prosperidade de sua marca, não da sua pessoa. Muitos outros, sim, devam estar a se enriquecer sem causa justa sobre o flagelo que se tornou o seu sonho de outrora.

Os serviços voluntario desse empreendedor à marca Gurgel sensibilizou o fundador que até tentou convencer os diretores da fábrica a entregar alguns veículos à revenda, mas negaram com argumentos de que não poderiam ir contra a lei do comércio em empresa concordatária.

O ideal nobre de investir e de empreender na indústria nacional virou tempestade sobre a vida do gestor e todas as pessoas que acreditaram no seu sonho e com ele investir seus recursos vitais. Estes, depois do flagelo que se tornou o sonho de outrora, passaram a renegá-lo como responsável por suas mazelas, não propriamente verdadeiras, mas indefensáveis para o empreendedor.

Com notas fiscais de entrega futura da fábrica a revenda também vendia a seus clientes veículos com notas fiscais de entrega futura e estes podiam ser financiados em bancos com alienação fiduciária. Sem carros tais clientes, com dívidas avolumando-se com a mágica dos juros compostos, viraram devedores inadimplentes, passaram a infiéis depositários e, na seqüência, réu em mandato de prisão civil.

Em função das vendas de entrega futura feitas pela BR Guimarães de alguns veículos, o empreendedor, agora réu no processo, honrou comprando os estoques de veículos de tudo quanto era concessionária pelo Brasil afora. Comprou e pagou novamente veículos de revendas de Santos, São Paulo, Florianópolis e Salvador e os levou rodando para entregar aos clientes. Uma solução honrosa que gerou mais prejuízo para a revenda, haja vista, a fábrica não fazer mais nenhum pagamento de assistência técnica e garantias. Esse ônus também ficou para a revenda. Mas soluções havia de ser dadas aos clientes, havia até aqueles que iam à revenda armados. Com calma que Deus deu, o empreendedor foi resolvendo caso a caso, dia a dia, gastando do seu próprio bolso.

Os 96 mil reais recebidos da massa falida foram devolvidos a clientes outros que pagaram antecipadamente e nunca receberam pelos seus bens, pois não havia mais veículos Gurgel neste país territorial para o empreendedor adquirir de novo com dinheiro do seu bolso e entregar aos seus fieis clientes. Foi um mero amenizar de prejuízos incalculáveis que todos tiveram no passado. Famílias foram desfeitas, residências, prédios e fazendas foram vendidos, bens tão necessários ao sustento deles. E a maior ironia: veículos pessoais de outras marcas foram vendidos por eles para adquirirem um Gurgel Supermini novinho em folha.

Outras empresas da família, uma desde 1977, não suportaram com o “baque” e se fecharam. Foram prejuízos inimagináveis que levou até este empreendedor, agora réu no processo, fazer greve de fome na porta da fábrica concordatária.

Numa tentativa de recompor tais prejuízos financeiros à sua família o empreendedor migrou-se, no final de 1999, para os Estados Unidos da América, pois devendo e sem recursos não podia deslumbrar nenhum outro negócio e também não conseguia emprego.

Hoje este empreendedor, agora réu no processo, é cuidador de mãe demenciada com Alzheimer.

No entanto, quanto do remanescente patrimônio da sucateada Gurgel na massa falida tem alimentado síndicos, administradores, contadores, advogados e outros nestes 23 anos?! Somente a pequena empresa BR pagou 64 mil reais mais despesas à sua advogada para uma simples ação de restituição de numerário que exigiu agravos, mandatos de segurança, rescisória e et cetera e et Cetera e agora mais manifestações e agravo . Que Justiça é essa, que País é este?

Por que mais demanda? Será que não importa o tempo? Encerro com uma reflexão de Machado de Assis: “não importa o minuto que passa, mas o minuto que vem. O minuto que vem é forte, jucundo, supõe trazer em si a eternidade, e traz a morte, e perece como o outro, mas o tempo subsiste”.

Todos estão envelhecendo... O contador e o advogado da BR Guimarães já não estão mais entre nós. Morreram também o João Gurgel e outros. A quem a senhora excelentíssima juíza entregará a conclusão do processo?

Esta é uma síntese de um empreendedor honesto e que tinha um sonho mais honesto acontecida entre dois impeachments de presidentes do Brasil.