UM DILEMA JURÍDICO: A PROBLEMÁTICA DA (IR)REVERSIBILIDADE

Por Ronald de Assis Soares | 01/04/2016 | Direito

UM DILEMA JURÍDICO: A PROBLEMÁTICA DA (IR)REVERSIBILIDADE* 

          Marcus Vinicius Santos de Araújo**

Ronald de Assis soares*** 

SUMÁRIO: Introdução; 2 Tutela Antecipada; 2.1 Espécies; 2.2 Tutelas Antecipada e Cautelar; 3 O perigo da irreversibilidade do provimento antecipado; 3.1 Direitos Fundamentais e a flexibilização da reversibilidade; Conclusão; Referências. 

Resumo: A tutela antecipada é um instituto disposto no Código de Processo Civil, com o intuito de antecipar os efeitos da sentença, para resguardar o direito do autor que pode ser prejudicado ao fim do processo, mesmo se esse for confirmado pelo juiz. De forma mais incisiva no que concerne na reversibilidade do provimento, como versa o § 2° do dispositivo citado. Assim, procura-se estudar as exceções fáticas para a constatação da possível irreversibilidade desse provimento, como nos casos de ações envolvendo saúde, que possui o caráter de urgência. Por fim, pretende-se embasar esses casos de flexibilidade do pressuposto negativo desse dispositivo, no estudo dos Direitos Fundamentais e no alicerce da Constituição Federal.  

Palavras-chave: Tutela Antecipada. Irreversibilidade do Provimento. Ações de Saúde. Direitos Fundamentais. 

INTRODUÇÃO 

A tutela antecipada foi criada porque se percebeu que em determinados casos o curso normal do processo pode acarretar prejuízos para a parte até a sentença proferida, pois é possível que ao final do processo a pretensão não seja mais necessária, já que o dano se instaurou. Tal instituto tem como objetivo antecipar parcial ou totalmente os efeitos da decisão pretendidos pelo autor, porém devem ser seguidos alguns requisitos dispostos no art. 273 de CPC.

 De início busca-se compreender sobre o instrumento em si, postulando seu conceito, seus requisitos e suas espécies. Os requisitos dispostos no caput do artigo são dois: a verossimilhança da alegação, tratando da razoabilidade do pedido; a prova inequívoca, que pressupõe uma prova consistente. Vale ressaltar a agregação desses elementos com os previstos nos incisos I e II, e no § 6° do artigo citado. Sendo eles: a urgência, o abuso de direito de defesa e parcela incontroversa respectivamente. Ao estabelecer as características que norteiam esse instrumento, far-se-á diferenciação das tutelas: antecipada e cautelar.

Deve-se atentar a necessidade da antecipação parcial ou total do provimento, para evitar uma possível prejudicialidade ao autor, pois no fim do processo mesmo sendo dada a sentença a seu favor, pode não mais lhe ser útil. Ai incide o caráter provisório da tutela, visto que com a garantia de reversibilidade desse provimento, não se considera obrigatoriamente que o requerente está correto e na sentença será dado como vencedor. Com isso, surge o debate diante dos casos onde não se constatará essa reversibilidade, porém exige a necessidade da concessão do pedido.

Daí pretende-se focar no pressuposto negativo de aplicação da tutela antecipada, o caráter reversível do provimento antecipado, no que diz respeito às ações envolvendo prestações voltadas a saúde, pois em muitos casos não há como se reverter o provimento deferido. Destacando-se a influência dos Direitos Fundamentais, na tomada da decisão pelo juiz, que irá ponderar a necessidade, ou não, de se conceder a tutela, independente do perigo de irreversibilidade.

 

2 TUTELA ANTECIPADA

 

                   A tutela antecipada foi introduzia no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 8.952, de 13 de setembro de 1994, com o intuito de combater a demora nas pretensões do processo. Segundo Paulo Afonso Vaz (2002) “(...) a antecipação da tutela nada mais é do que o adiantamento temporal dos efeitos executivos e mandamentais da futura decisão de mérito definitiva.”. Ou seja, esse instrumento antecipa os efeitos principais da sentença, porém devem ser observados pelo juiz alguns requisitos antes de conceder a tutela antecipatória.

Esses requisitos estão dispostos no art. 273, caput, nos incisos I e II, e no §6º do Código de Processo Civil. Os primeiros pressupostos são a prova inequívoca e verossimilhança da alegação, onde o autor tem o dever de apresentar provas verdadeiras que convençam o juiz de lhe conceder a tutela, já que “por prova inequívoca deve entender-se a que, por sua clareza e precisão, autorizaria, desde logo, um julgamento de acolhida do pedido formulado pelo autor (mérito), se o litigio, hipoteticamente, devesse ser julgado naquele instante” (THODORO JUNIOR, 2011, p. 378). Assim, a prova deve ser bem consistente e caso haja alguma duvida quanto à prova, ela deixará de ser inequívoca, sendo este um pressuposto de validade para a prova. E a verossimilhança da alegação só vem dar suporte a esse requisito, pois diz respeito ao convencimento de todas as alegações feitas pelo autor para a concessão da tutela. Esses dois requisitos do caput devem ter uma relação direta com os outros pressupostos.

O receio de dano irreparável ou de difícil reparação é também um pressuposto da tutela antecipada, disposto no inciso I, propõe que se ficar comprovada um prejuízo irreversível à parte, ela poderá ter a tutela concedida, com o intuído de evitar esse possível dano. Como bem relata Katiane Kirchhoff (2011),

o intuito desse pressuposto para a concessão da tutela antecipada é ficar caracterizado o receio de a parte vir a sofrer um dano irreparável ou de difícil reparação. Nesse sentido, a justificativa da antecipação de tutela vai estar em evitar que aconteça um prejuízo maior, em outras palavras, que o dano venha a se agravar (como nas ações de medicamentos, caso não seja deferido é inevitável que a saúde do autor venha a padecer ainda mais) e em decorrência disso a pretensão do direito material do autor venha a padecer.

Acrescenta Theodoro Junior (1997, p. 610) apud Couto Junior,

Os simples inconvenientes da demora processual, alias inevitáveis dentro do sistema do contraditório e da ampla defesa, não podem, só por si, justificar a antecipação de tutela. É indispensável a ocorrência do risco de dano anormal cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte.

Portanto, esse pressuposto tem o intuído de resguardar o autor e seu direito, se ficar comprovada a existência de risco concreto, atual e grave à saúde dele. O abuso do direito de defesa ou manifesto proposito protelatório do réu também é considerado um requisito que está disposto no inciso II do art. 273. O abuso do direito de defesa diz respeito aos atos processuais praticados dentro do processo, “estes atos tem o intuito de defender o réu e ganhar mais tempo para tramar outra justificativa infundada e assim retardar (...) o provimento jurisdicional” (BEDAQUE, 2006 apud KIRCHHOFF, 2011). Já o manifesto proposito protelatório, “há de ser assim considerado o que resulta do comportamento do réu – atos e omissões - fora do processo, embora, obviamente, com ele relacionado” (ZAVASCKI, 2009 apud KIRCHHOFF, 2011). Contudo, Couto Júnior resume bem esse pressuposto,

O que o legislador quis significar, quando outorgou ao juiz a faculdade de antecipar os efeitos da tutela, nos casos do inc. II do art. 273, não foi, de modo algum, a consideração de que essa antecipação teria caráter punitivo contra a litigância temerária. O que se da, com a conduta do réu, nestes casos, é que o índice de verossimilhança do direito ao autor eleva-se para um grau que o aproxima da certeza. Se o juiz já se inclina por considerar verossímil o direito, agora, frente à conduta protelatória do réu, ou ante o exercício abusivo do direito de defesa, fortalece-se a conclusão de que o demandado realmente não dispõe de nenhuma contestação séria a opor ao direito do autor. Daí a legitimidade da antecipação de tutela.

                  

                   Deste modo, essas duas situações ocorrem, quando o réu de alguma forma tem a intensão de prejudicar o andamento do processo, sem justificativa alguma. Faz com que o processo dure mais do que o esperado.

                   E por fim, o último requisito presente no § 6°, no qual é comumente conhecido como parte incontroversa da demanda, ou seja, diante uma cumulação de pedidos a antecipação poderá ser deferida quando um dos pedidos ou parte destes não apresentar contradição. Visto que seria injusto, para a parte esperar ao fim do processo para obter a satisfação de um pedido que anteriormente se tornou incontestável.

 

2.1 ESPÉCIES

 

                   O instituto da tutela antecipatória se subdivide em três espécies: tutela de urgência, tutela punitiva e tutela de evidência. A primeira, tutela de urgência cuja também é conhecida na doutrina como tutela assecuratória, tem como pressuposto o requisito disposto no inciso I do art. 273 do CPC (receio de dano irreparável ou de difícil reparação), já que só pode ser usava em uma situação de urgência, como o próprio nome diz, no que se refere á algum possível dano irreversível ao autor, já que tem por intuito evitar algum prejuízo à parte solicitadora.

À hipótese de concessão da tutela em casos em que ‘haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação’ (art.273, I) pode-se denominar antecipação assecuratória: antecipa por segurança. Adianta-se provisoriamente a tutela pretendida pelo autor como meio de evitar que, no curso do processo, ocorra o perecimento ou a danificação do direito firmado. Em outras palavras, antecipa-se em caráter provisório para preservar a possibilidade de concessão definitiva, se for o caso. (ZAVASCKI, 2009, apud KIRCHHOFF, 2011).

                         A segunda espécie é conhecida como tutela punitiva, sendo ela fundamentada no inciso II do art. 273 do CPC (abuso do direito de defesa ou manifesto proposito protelatório do réu). Essa tutela tem como proposito evitar possíveis demoras no processo causadas pelo réu, sem justificativa alguma, visto que “o autor não deve sofrer as consequências decorrentes do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.” (KIRCHHOFF, 2011). E por fim, a tutela de evidencia que colhe fundamento no disposto no paragrafo 6º, pressupõe a incontroversibilidade do pedido ou de parte dele, já que o juiz deve conceder a tutela daquilo que não foi refutado pelo réu, ou seja, daquilo que não há mais duvida acerca de sua veracidade. Assim, “a tutela antecipatória em tais casos, é reflexo da ideia de que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito incontroverso” (MARIONI, 2006, p. 357 apud KIRCHHOFF, 2011).

                   Então, essas espécies de tutela apesar de suas peculiaridades servem única e exclusivamente para a antecipação dos efeitos provenientes da sentença. Satisfazendo assim a pretensão da parte que a lhe instituiu no processo, e essa satisfação é uma das diferenças básicas entre a tutela antecipada e a tutela cautelar.

                  

2.2 TUTELAS ANTECIPADA E CAUTELAR

 

Antes da tutela antecipada ser criada, o único instrumento que existia no processo civil para a garantia do pedido da parte era a tutela cautelar, e esta era usada erroneamente em alguns casos. O que acarretou na criação da tutela antecipatória e a diferença básica entre elas recaem na satisfação.

O que, todavia, as distingue, em substancia, é que a tutela cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão. A antecipação de tutela somente é possível dentro da própria ação principal. Já a medida cautelar é objeto de ação separada, que pode ser ajuizada antes da ação principal ou no seu curso. (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 377)

Alguns doutrinadores afirmam que a medida cautelar é temporária, já que não durará para sempre e nem pressupõe que será substituída por algo subsequente. E a medida antecipatória é provisória, pois poderá se tornar definitiva ou revertida ao réu. Deste modo, “(...) a tutela antecipada é satisfativa, por ela satisfazer antecipadamente os efeitos de uma futura sentença de procedência. Por sua vez, a cautelar, (...) não tem essa possibilidade de antecipar os efeitos práticos, mas ela irá garantir a efetividade do resultado final.” (KIRCHHOFF, 2011). É visível as suas diferenças fundamentais em uma decisão do tribunal de justiça de Estado do Rio de Janeiro, a “tutela antecipada não se confunde com medida liminar cautelar, eis que nesta a providência se destina a assegurar a eficácia prática da decisão judicial posterior, enquanto que naquela existe o adiantamento do próprio pedido de ação.” (Ac. Un. 5ª Câm. TJ/RJ, 10.12.1996, Ag. 4.266/96, rel. Des. Miguel Pachá).

Assim, a tutela cautelar tem o único proposito de garantir o pedido da parte, ou seja, assegurar que ao final da ação o seu pedido poderá ser realizado. Já a tutela antecipatória tem o poder de satisfazer a pretensão do autor porque esta, desde que preenchida os requisitos, adiantar os efeitos da sentença.

3 O PERIGO DA IRREVERSIBILIDADE DO PROVIMENTO ANTECIPADO

 

Dentre tais requisitos para a aplicação da tutela antecipada, destaca-se o disposto no § 2° do art. 273 do CPC, que versa sobre a vedação da tutela antecipada em casos que estabelecer perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Esse fator trata da possibilidade de se aceito o deferimento da tutela antecipada, o réu possa ter o seu direito de ampla defesa resguardado, a ponto que se na decisão final tomada no processo não venha a atender ao pedido inicial feito pelo autor, assim, haverá uma reversibilidade do provimento antecipado em face do réu, para que ele não seja prejudicado.

Tal pressuposto negativo de aplicabilidade da tutela antecipatória, ainda se faz objeto de muita discussão para a comunidade jurídica, devido ao caráter de obrigatoriedade da reversibilidade. Porém, determinados elementos devem ser destacados para a compreensão ampla e correta desse texto normativo em destaque, entendendo assim, os possíveis casos de exceção a essa regra.

(...) a tutela antecipada deve ser requerida pela parte no intuito de satisfazer seu direito material. Todavia, deve-se levar em conta que nem sempre as antecipações auferidas liminarmente terão caráter definitivo, pois elas poderão a qualquer momento ser revogadas ou modificadas. Mas em casos de ações de medicamentos, quando comprovada a real necessidade do prolongamento deste benefício, este será mantido (ou deveria ser) até a satisfação completa do direito. (KIRCHHOFF, 2011).

Destarte não se deve perder de vista a provisoriedade da tutela, fato esse, que não confirma o direito trazido pelo autor, nem define sentença, apenas antecipa alguns efeitos fáticos, necessários e urgentes no ver do juiz. Com isso, difere-se a irreversibilidade de efeitos fáticos de irreversibilidade do provimento, visto que este pode tranquilamente controverter resultado diverso (ao final do processo) á tutela anteriormente concedida.

Mas a satisfatividade da tutela antecipatória, e mesmo a eventual irreversibilidade dos seus efeitos fáticos, não é contraditória a sua estrutura. Em outras palavras, nada impede que uma tutela que produza efeitos fáticos irreversíveis seja, do ponto de vista estrutural, provisória, vale dizer, incapaz de dar solução definitiva ao mérito. (MARINONI. 2011. p. 192)

  Já ultrapassado o conteúdo da irreversibilidade, passa-se a outro elemento que interfere na analise desse pressuposto negativo. O inciso I do art. 273 do CPC diz: “haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”, esse requisito é parte fundante da contestação que em casos de urgência, não há que se levar a irreversibilidade ao extremo.

Assim, a exigência legal da irreversibilidade da medida de urgência deve ser tomada cum grano salis, comportando mitigações quando estiver em jogo um valor igualmente caro ao ordenamento. Por isso, “a regra do § 2° do art. 273 do CPC não impede o deferimento da antecipação da tutela quando a falta do imediato atendimento médico causará ao lesado dano também irreparável, ainda que exista o perigo da irreversibilidade do provimento antecipado” (STJ-4° T., REsp 408.828, Min. Barros Monteiro, j. 1.3.05, DJU 2.5.05).

Assim sendo, se estabelece a existência de exceções fáticas que podem exaurir essa irreversibilidade, dependendo do caráter discricionário dado ao juiz. Pela oportuna observância do Direito como dinâmico e não extremista, o próprio ordenamento concebe ao juiz a capacidade de vislumbrar o caso, de maneira que este deve deter a consciência do necessário a ser feito e não obrigatoriamente do que está posto a aplicar.

Essa consciência valorativa parte também do embasamento constitucional, no qual o juiz sempre deve levar em consideração, visto que a Constituição é o alicerce para a construção de um Estado de Direito Democrático.

Basta que tal dispositivo seja tratado ou melhor interpretado  conforme a Constituição Federal para que não seja afetado o núcleo essencial da garantia da tutela jurisprudencial efetiva e tempestiva. Afinal, se um texto legal comportar uma interpretação que o coloque em sintonia com o arcabouço constitucional, deve tal norma ser aproveitada em vez de ser inconstitucionalmente declarada. (NETTO. 2005. p.110)

 Essa intervenção constitucional pode ser observada em dois aspectos na questão em si, primeiramente de modo a garantir celeridade e justiça no processo, principalmente quando se constata um abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório de réu (como disposto no inciso II do art. 273, do CPC), e no outro aspecto, de defender direito fundamental que pode vim a ser ferido, este mais estritamente ligado a dignidade da pessoa humana.

3.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E A FLEXIBILIZAÇÃO DA REVERSIBILIDADE

Depois de constatado que esse requisito de aplicação da tutela jurisdicional não é absoluto, pelo fato de se considerar a existência de episódios excepcionais, geradores de decisão diversa da prescrita no artigo, como no caso de ação de medicamentos, onde o sujeito necessita urgentemente do amparo médico para evitar danos gravosos a sua saúde, ou até mesmo para a proteção da própria vida. Verifica-se a incidência direta ao estudo dos Direitos Fundamentais para a ponderação do caso concreto, não obstante que há a existência de colisão dos mesmos.

Quando o ordenamento jurídico se depara com o confronto de normas constitucionais no decorrer do processo jurisdicional, é compreensivo que haja uma análise especial diante o fato, pois diferentemente do caso de conflitos de leis, os princípios não possuem caráter hierárquico entre si. Desse modo, não há uma procura do direito mais importante, mas sim, do direito mais plausível e viável ao caso concreto.

Embora a solução da colisão entre direitos fundamentais deva necessariamente se dar na sentença, quando da tutela final, é evidente que a necessidade de antecipação da tutela obriga o juiz a ponderar entre os direitos com os olhos nas circunstâncias presentes no curso do processo e, assim, através de um juízo de cognição sumária. Isto quer dizer que, diante de dois direitos fundamentais em colisão, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado na sentença e na decisão que trata da tutela antecipatória. (MARINONI. 2011. p. 202)

Essa ponderação trazida para auxiliar na colisão de direitos fundamentais observados no processo é objeto de estudo do renomado filósofo do direito Robert Alexy, que instaurou o método tripartite da proporcionalidade. Tal método implica no filtro do caso concreto diante três fases: adequação, necessidade e ponderação, sendo elas interdependentes e subsidiárias.

Se tratando desses direitos basilares, carece-se levar em pauta a influência da Constituição pátria, que o juiz deve avaliar para não haver a supressão de nenhum direito inerente e indispensável ao indivíduo. Um exemplo corriqueiro da necessidade de antecipação de tutela, com possível concretização da irreversibilidade do provimento, são as ações concernentes à saúde.

Os serviços de saúde são de relevância pública e de responsabilidade do Poder Público. Necessidade de preservar-se o bem jurídico maior que está em jogo: a própria vida. Aplicação dos arts. 5º, § 1º; 6º e 196 da Constituição Federal. É direito do cidadão exigir e dever do Estado (lato sensu) fornecer medicamentos e tratamentos indispensáveis à sobrevivência, quando o cidadão não puder prover o sustento próprio sem privações. Presença do interesse de agir pela urgência do tratamento pleiteado. (ARE 743232 / RJ - RIO DE JANEIRO.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Min. ROSA WEBER)

O caso em destaque acima trata do pedido de assistência ao Estado do Rio Grande do Sul, para custear o fornecimento de material de tratamento médico, mais especificamente de fraudas geriátricas. Nesse sentido observa-se o direito fundamental á saúde sendo posto em xeque, pela existência de urgência para se antecipar o provimento.

 

O sentido de fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional. (ARE 743232 / RJ - RIO DE JANEIRO.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Min. ROSA WEBER)

 

 

Por fim, entende-se como imprescindível o atendimento imediato a casos como o trabalhado anteriormente referente à saúde, pois não há como considerar o ferimento a Constituição, ou seja, aos direitos fundamentais por ela positivados, visto que afetaria a base de todo o ordenamento jurídico. Entretanto, a satisfação desses casos específicos de urgência produz tão somente resultados fáticos, não impedindo contrariedade no final do processo com a produção da sentença.

 

CONCLUSÃO

 

O objetivo do trabalho foi mostrar a relativização do pressuposto negativo da tutela antecipada, que é a “obrigatoriedade” da reversibilidade do provimento. Assim, entendia-se que os efeitos fáticos produzidos antes da sentença deviam ser reversíveis se decisão contraria fosse tomada ao final, garantindo de tal forma um direito inerente do réu.

Diante tal situação, notou-se a existência, perante o cumprimento dos requisitos necessários para a aplicação do dispositivo, de colisões de Direitos Fundamentais, pois a exemplo das ações relacionadas à saúde, mesmo diante a irreversibilidade desses efeitos fáticos viu-se imprescindível à concessão da tutela antecipada, para evitar um gravoso ou irreparável dano ao requerente.

Desta forma, é necessário compreender que tais exceções são realizadas pelo caráter de discricionariedade dado ao juiz, pois este com o auxílio do principio da proporcionalidade, irá ponderar no caso concreto a relevância do direito fundamental que não poderá ser suprimido, devido à própria qualidade de fundamental e acima de tudo pelo amparo recebido na Constituição Federal.

Portanto, é correto concluir que este pressuposto negativo não é absoluto, pois vai de encontro em determinados eventos com as normas constitucionais que dão o alicerce ao ordenamento jurídico vigente. Por isso há a necessidade desse sopesamento de valores feito pelo juiz, avaliando a decisão adequada ao caso, independente de força de lei. 

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