UM BREVE ESTUDO SOBRE O JUSNATURALISMO E A QUESTÃO DA EUTANÁSIA

Por Mariana da Silva Matos | 15/05/2016 | Direito

UM BREVE ESTUDO SOBRE O JUSNATURALISMO E A QUESTÃO DA EUTANÁSIA

 

Mariana da Silva Matos[1]

RESUMO

O Jusnaturalismo, bem como o Positivismo, é um tema frequente dentro do pensamento jurídico e filosófico. Trata-se de uma corrente que defende a existência de um direito natural absoluto e superior ao direito positivo, por fornecer-lhe a legitimidade para existir, e que é considerado perfeito, ideal e alcançável, expressão do direito justo, e por isso mesmo deve servir de modelo para o legislador. Dentro do Jusnaturalismo há divergências doutrinárias, principalmente no que diz respeito à origem e fundamentação do Direito Natural. A Antiguidade, com os gregos, imprime-lhe cunho cosmológico e divino. A Modernidade, por sua vez, traz um novo centro a essa concepção, desta vez com fundo antropológico, atribuindo à razão humana a característica de ser a base do Direito. Em meio a discussões jusfilosóficas e diversas teorias, o Direito Natural segue sendo uma ideia que revive e desperta interesse e pode ser usada para analisar questões hodiernas.

Palavras-chave: Jusnaturalismo, Direito Natural, razão humana, divino.

ABSTRACT

Jusnaturalism and Positivism, is a frequent theme in the legal and philosophical thought. This is a chain that supports the existence of a natural law absolute and superior to positive law, by providing you the legitimacy to exist, and it is considered perfect, ideal and achievable, just right of expression, and therefore should serve as a model for the legislature. Inside there jusnaturalism doctrinal differences, especially with regard to the origin and foundation of natural law. In antiquity, the Greeks, it prints cosmological and divine nature. Modernity, in turn, brings a new focus to this conception, this time with anthropological background, giving the characteristic of human reason to be the basis of law. Amid discussions legal and philosophical and several theories, natural law is still an idea that arouses interest and revive.

Keywords: natural law, natural law, human reason, divine.

1 INTRODUÇÃO

O sentimento, a noção e a aspiração de justiça são elementos que acompanham o homem e se juntamao Direito Natural. Ao questionarem o Direito Positivo, os homens tentam encontrar o modelo referencial das regras às quais estão submetidos e o fazem buscando na sua ideiade justiça. O conceito de Direito Naturalnão é singular, mas plural, e se relaciona com as diversas noções trazidas pelo pensamento filosófico. O Jusnaturalismo, enquanto corrente, reúne as ideias que surgiram ao redor desse direito, que, apesar de distintas, ainda apresentam denominadores comuns. É possível separá-lo em dois grandes grupos: o Jusnaturalismo Clássico e o Jusnaturalismo Racionalista. O presente trabalho objetiva estudar essas duas fases, apresentando as diferenças entre ambas, bem como suas principais ideias e os expoentes que mais se destacaram na defesa de cada pensamento.

Antes, porém, cumpre destacar o significado desse Direito Natural. Ele é concebido como um conjunto de amplos princípios que orientam a construção da ordem jurídica, de modo a legitimar o Direito Positivo. A palavra natural indica que não se trata de princípios criados, convencionados pelo homem, mas que são espontâneos, inerentes à própria natureza. Eles possuem três caracteres básicos: são essencialmente eternos, imutáveis e universais, ou seja, permanecem no tempo e no espaço e da mesma forma em todos os lugares.

Neste artigo, far-se-à um breve estudo sobre o Jusnaturalismo e entender de que forma o Direito Natural analisa uma questão polêmica da atualidade. Como fonte de pesquisa, utilizou-se livros e artigos sobre o tema, bem como sites da internet.

2 JUSNATURALISMO CLÁSSICO

Sobre a Antiguidade Clássica, pode-se afirmar que traz um Direito Natural cosmológico, uma vez que ele é fundado na ideia de que os direitos naturais encontram correspondência na própria dinâmica do universo, refletindo as leis eternas que regem o ordenamento do cosmos. O universo não é um caos, mas sim um cosmos ordenado, diziam os pensadores. Nesse sentido, nota-se uma concepção do Direito Natural ligada à ordem da natureza.

 Destaca-se como sendo a primeira grande referência ao Direito Natural a peça teatral Antígona, de Sófocles (494-406 a.C.). Nesta, a protagonista, que leva o nome da obra, ignora as ordens do rei Creonte e decide sepultar o corpo de seu irmão Polinice, morto em uma batalha, contrariando explicitamente as indicações reais. Ela diz-lhe: "Tuas ordens não valem mais do que as leis não escritas e imutáveis dos deuses, que não são de hoje e nem de ontem e ninguém sabe quando nasceram." Assim, ela expressa, inequivocamente, a crença no Direito Natural e sua superioridade em relação ao Direito temporal.

Como as leis humanas teriam fundamento nas leis naturais e, assim, se justificavam na concepção de um todo cosmológico, acreditavam os gregos que elas deveriam manter o status quo da sociedade e que cada um deveria conformar-se com sua condição no seio social, demonstrando assim grande confiança nas instituições gregas. Nesse cenário, entram os sofistas, que foram os primeiros a estabelecer uma distinção e oposição entre o Direito Natural e o Direito Positivo. Denunciando a injustiça do Estado grego, travaram grandes debates com os filósofos gregos e declaravam que existiam leis verdadeiramente justas e que estas se opunham às leis gregas (positivas).

Aristóteles faz distinção entre o justo naturale o justo legal, que podem ser entendidos como equivalendo à distinção moderna entre o Direito Natural e o Direito Positivo. O justo natural seria a expressão da justiça objetiva imutável, que se faz valer em qualquer corpo social e independe de interferência humana. As normas emanadas do Direito Natural são a própria vontade dos deuses e, por isso mesmo, boas em si mesmas. O Direito Positivo, ou justo legal, seria aquele que cria normas segundo a vontade de determinada sociedade e sofre uma variação espaço-temporal, já que cada comunidade política estabelece suas normas com base em critérios particulares.

Platão, por sua vez, também defende a ideia de um direito natural imutável, perceptível pelo logos, que define as normas justas pela natureza. Mas ele diz que a observação dos fenômenos do mundo não nos torna aptos a distinguir o justo do injusto, pois para ele a justiça não é sensível (pode ser apreendida pelos sentidos), mas apenas só inteligível (pode ser percebida pela razão, ou seja, ela está em uma plano superior, transcendente, metafísico. A sua existência é uma necessidade racional, ainda que não seja uma necessidade empírica. Existe uma justiça em si, da qual todas as coisas justas participam de alguma forma.

O estoicismo, corrente filosófica que predominou na Antiguidade Clássica durante alguns séculos e teve grande influência no pensamento romano, trouxe a concepção de um Direito Natural emanado da razão universal. Desenvolvendo a ideia de Platão da reta razão, os estóicos identificam essa reta razão com uma natureza que é a própria realidade, Deus, pois a divindade é imanente ao mundo, conferindo ao Direito Natural um fundamento metafísico. Para eles, os direitos positivos das cidades devem equivaler ao direito natural, pois a natureza governada pelo logos é justa e divina. O direito estóico aproxima-se muito de preceitos como "amar o outro" e "viver uma vida de acordo com a razão".

Após a Antiguidade, o Direito Natural pode ser rastreado também na Idade Média, ali já com grande presença do pensamento cristão. O jusnaturalismo herdado do pensamento clássico permanecerá no período medievo, mas agora adaptado às exigências cristãs. Na Idade Média, o jusnaturalismo se caracteriza por possuir conteúdo de cunho teológico, fundamento na vontade divina e na predominância da fé, ou seja, os direitos naturais baseiam-se na vontade de Deus, enquanto o Direito Positivo deve guardar concordância com a divindade.

Duas grandes correntes destacam-se nessa época: a Patrística e a Escolástica. A Patrística, desenvolvida pelos Padres da Igreja Católica, teve como principal expoente Santo Agostinho. E a Escolástica, que procurava conciliar a fé e a razão, encontrou em São Tomás de Aquino sua maior figura. A despeito das distinções que ambas apresentam, podemos verificar pontos em comum: o principal deles é a defesa de um tripé de leis - a lei eterna, a lei natural e a lei humana. A lei eterna é a emanação do próprio Deus, a razão oriunda do divino que coordena todo o universo e, por essa razão, é imutável; a lei natural é a manifestação da lei eterna no homem, é o reflexo desta; e a lei humana deriva da lei natural e é dotada de positividade, são os constructos humanos criados para organizar a vida em sociedade, sendo proibido elaborar preceitos que discordem diretamente das leis eterna e natural. Os pensadores cristãos subordinavam o Direito Positivo ao Direito Natural, ou seja, este seria superior àquele, de tal forma que uma disposição do Direito Positivo não poderia violar o Direito Natural e, em consequência, o direito eterno divino. As seguintes proposições dos escolásticos referentes aos direitos naturais podem ser encontradas na obra de Maria Helena Diniz:

a)         deveres do homem para consigo mesmo, como "o homem deve conservar-se, deve perseverar no ser, não deve destruir-se"; b) deveres do home para com o primeiro grupo social dentro do qual vive, isto é, para com a família: "o homem deve unir-se a uma mulher, procriar e educar seus filhos"; c) dever de respeitar sua racionalidade, ou seja, sua inteligência: o "homem deve procurar a verdade", isto é, deve buscar o conhecimento da realidade; d) deveres do homem para com a sociedade: "o homem deve praticar a justiça, dando a cada um o que é seu"; "o homem não deve lesar o próximo (DINIZ, 2005, p. 37).   

O pensamento do Jusnaturalismo Clássico apresenta-se como objetivista, pois importa mais a lei natural, ela está em primeiro lugar. O Direito Natural tem a obrigação de estar conforme ela. Essa corrente foi alvo de algumas críticas. A principal delas é a vagueza de seus conteúdos, a falta de sentido histórico concreto, que confirma na experiência a teoria. Outro ponto questionável é a impossibilidade de se fundamentar a ciência do Direito com base no Direito Natural, pois se trata em geral de princípios axiológicos, carentes de realismo.

2 JUSNATURALISMO RACIONAL

Na altura do século XVII estabelece-se um novo paradigma quanto ao Direito Natural e este entra em uma nova fase: o eixo deixa de ser teológico e se torna antropocêntrico, imperando a razão, no período das Luzes. O homem, como já afirmava o sofista Protágoras de Abdera, é a medida de todas as coisas e passa a ser o centro do Universo, de tal maneira que a razão humana ditará a lei justa, não mais o Criador. Nasce, então, a Escola do Direito Natural, que teve como corifeus Hugo Grócio, Tomas Hobbes, Samuel Pufendorf, Jean Jacques Rousseau, Immanuel Kant.

Entre esses jusnaturalistas, há algumas divergências no que tange à visão que têm do homem e da sociedade, mas alguns caracteres os agrupam na Escola, quais sejam: a natureza humana é a grande fonte do Direito, daí a ideia de Direito Natural; método racional; critério subjetivista; contratualismo (em geral).

Quanto ao contratualismo, diz Miguel Reale:

De uma forma ou de outra, no entanto, o dado primordial passa a ser o homem mesmo, orgulhoso de sua força racional e de sua liberdade, capaz de constituir por si mesmo a regra de sua conduta. É por isso que surge, desde logo, a ideia de contrato. O contratualismo é a alavanca do Direito na época moderna. Por que existe a sociedade? Por que os homens concordaram em viver em comum. Por que existe o Direito? O Direito existe, respondem os jusnaturalistas, porque os homens pactuaram viver segundo regras delimitadoras dos arbítrios. (REALE, 1987, p. 646)

Para o holandês Hugo Grócio, é a natureza humana e a natureza das coisas o substrato do Direito e o Direito Natural existiria mesmo que Deus não existisse. A reta razão deve alcançar as regras invariáveis da natureza humana, através do raciocínio matemático e geométrico. As relações dos indivíduos entre si, com os governos e destes com os demais governos deveriam ser reguladas pela ideia de um contrato, de um pacto, que existe para ser cumprido (pacta sunt servanda), já que as próprias partes o criaram.

O pensamento do jusfilósofo alemão Samuel Pufendorf floresceu em meio à transição entre o teologismo medieval e o racionalismo moderno. Assim sendo, verifica-se nele um esforço por encontrar o equilíbrio por meio da razão, sem, no entanto, se desfazer da revelação. Para ele, o Direito Natural é acessível pela razão natural, inerente à natureza do próprio homem, que apenas se torna um animal social através da ação das leis da natureza sobre ele, o que faz do Direito Natural uma garantia de sociabilidade. E ele deixa a certeza de que “... Deus é o autor do Direito Natural" (Pufendorf, Os deveres do homem e do cidadão de acordo com as leis do direito natural, 2007, p. 96).

Thomas Hobbes, por sua vez, concebe a ideia do poder soberano, considerando que o jusnaturalismo corresponde à obediência às leis civis criadas pelo soberano e a submissão irrestrista à pessoa deste. Isso acontece porque em seu estado de natureza, pensa ele, o homem é antissocial, individualista e egoísta, e convém evitar que a vida seja extinta pela luta de todos contra todos. Essa necessidade funda a importância do pacto ou contrato que funda o Estado, ou seja, este é convenção. O Direito Natural é a forma pela qual um ser humano racional agiria, buscando sobreviver e prosperar.

É interessante notar que o Jusnaturalismo Racionalista conduz a um discurso de direitos subjetivos. Tem início uma onda de reivindicações por liberdades civis, fruto das transformações sociais que marcaram a passagem para a modernidade. As revoluções da época, bem como as declarações de direitos, usam a ideia de que o homem é mais importante do que o Estado e que possui direitos naturais, em sentido subjetivo, que devem ser garantidos pelo Direito Positivo e são uma forma de limitar a ação do Estado.

O Jusnaturalismo Racional também não escapou às críticas. Uma delas é que ele admite a positivação do Direito Natural a fim de lhe conferir mais eficácia, mesmo que professe a existência daquele. No que tange a isso, alguns autores, tal como Lopez Calera, acreditam que a positivação dos direitos naturais leva à sua banalização, uma vez que debates sobre sua conceituação e fundamentação ficam cada vez mais em segundo plano.

3 A QUESTÃO DA VIDA À LUZ DO DIREITO NATURAL E DO DIREITO POSITIVO

Como foi apontado, o Direito Natural abrange um grupo de princípios que devem nortear o trabalho do legislador e, consequentemente, a ordem jurídica. Entre eles encontra-se o direito à vida, que pode ser considerado, indubitavelmente, o maior dos direitos.

É um tema que suscita grandes debates, haja vista que em algumas situações atuais esse direito é posto “em xeque”, como no caso da eutanásia e do aborto. É uma discussão complexa que abrange os campos filosófico, político, religioso, moral e jurídico, ou seja, perpassa por diversos aspectos da realidade, e envolve um conflito de interesses e valores.

Em relação à eutanásia, ela pode ser definida como uma forma de eliminação da vida com o intuito de abreviar inúmeros sofrimentos pelos quais um doente, sem esperança de cura, está passando. A palavra tem origem na expressão grega euthanatos, em que eu quer dizer ‘bom’ e thanatos, ‘morte’. Etimologicamente falando, portanto, significa morte boa, sem sofrimento e dor, morte calma.

Ao se falar no assunto, é importante considerar que a eutanásia é muito mais do que uma discussão sobre o direito da pessoa de querer viver ou não. Trata-se também de algo que inclui o próprio conceito de vida. E esse conceito não se resume ao aspecto biológico, meramente. Não deve ser visto simplesmente como uma questão de sobrevivência, pois abrange também e principalmente a ideia de dignidade humana, que acaba sendo mais importante do que a definição fisiológica. Quando se fala em vida humana, exige-se uma vida plena, nas quais sejam respeitados os direitos fundamentais, individuais ou coletivos. A dignidade é inerente à pessoa humana.

Dentro do Direito Positivo, podemos encontrar dispositivos que protegem o direito à vida, seja em âmbito nacional ou internacional. Em caráter mais global, destaca-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que em seu artigo 3º diz: “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.  A Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil, por sua vez, garante em seu artigo 5º a inviolabilidade do direito à vida e o Código Penal brasileiro, em seu artigo 121 tipifica crimes contra a pessoa e a vida.

Dentro do direito brasileiro, a prática da eutanásia é enquadrada como homicídio privilegiado, no artigo acima citado, ou seja, trata-se de um tipo de crime para o qual a lei prevê uma redução de pena de um sexto a um terço. Apesar da proibição da conduta, por não ser totalmente aceita no país, muitos casos acontecem às escuras, sem que sejam divulgados.

Outros países também disciplinam o assunto em suas legislações. A Bolívia possui em seu ordenamento jurídico um tipo penal que se refere à eutanásia, no qual essa conduta impõe ao autor a reclusão de um a três anos. Nos casos em que houver consentimento do interessado, poderá ser concedido o perdão judicial, mas sob determinadas condições. A Colômbia estabelece para quem provocar a morte de outrem visando findar sofrimento intenso oriundo de lesão corporal ou enfermidade grave ou incurável uma pena de seis meses a três anos de prisão. Em El Salvador, a eutanásia é considerada homicídio piedoso com pena de um a cinco anos nos casos em que a vítima se encontre em estado de desespero por conta de sofrimento visível e conhecido por parte da equipe médica e manifeste reiteradas vezes e forma expressa seu desejo de morrer ou ainda que o sujeito ativo mantenha com o enfermo vínculo familiar, fraterno ou amoroso. O Paraguai estabelece pena privativa de liberdade de até três anos nos casos em que o homicídio foi motivado por súplicas verdadeiras, constantes e insistentes da vítima que se encontrava gravemente enferma. Na Bélgica e na Holanda, a eutanásia já foi legalizada, mas sob condições específicas e restritas.

E há que se falar ainda nos códigos de ética de medicina, enfermagem e hospitais, que visam defender a vida de todas as maneiras até que esta chegue ao seu fim natural, punindo administrativa e internamente os profissionais que desrespeitem tais normas.

A prática da eutanásia remonta à Antiguidade, entre os gregos, mas de uma forma diferente da atual. Esses povos conheceram a eutanásia de finalidade eugênica, conhecida como “falsa eutanásia”, em que se propunha o sacrifício de velhos e inválidos. A mesma conduta se verificou entre os romanos.

No Brasil, em tempos antigos, também se encontrou a prática da eutanásia. Ela era comum entre os silvícolas, que deixavam à morte seus idosos, uma vez que já não podiam participar das atividades importantes à tribo. A conduta também se apresentou na época colonial como “forma de combate” à tuberculose, visto que a doença à época não tinha cura e fazia com o doente definhasse até a morte.

O mundo também conhece casos recentes que envolvem a discussão da eutanásia. Um deles é o de Terri Schiavo, uma estadunidense que, após sofrer uma parada cardíaca, teve também uma lesão cerebral irreversível e passou a ser mantida viva através de um tubo. O marido e os pais brigaram na justiça, o primeiro a favor da retirada do tubo, argumentando que a própria Terri não gostaria de viver de tal forma, e os segundos defendendo posição contrária. Após quinze anos, Terri Schiavo faleceu após quatorze dias de remoção do tubo de alimentação, depois que testes confirmaram a ausência de consciência e uma severa atrofia cerebral. Outra história famosa é a de Ramón Sampedro, que sofreu um acidente na praia e se achou tetraplégico, preso a uma cama por vinte anos, ainda que completamente lúcido. Inúmeras vezes, ele brigou na justiça pelo direito de decidir sobre sua própria vida, mas sempre teve seu pedido indeferido. Após encontrar uma companheira que sofria de uma doença degenerativa, essa concordou em aplicar-lhe a substância letal e logo em seguida, da mesma forma, pôs fim a sua vida também.

Como se percebe, a eutanásia é um tema que divide opiniões. Há quem defenda a liberdade do indivíduo de escolher se deseja viver ou não, visto que somente a própria pessoa tem noção do tamanho do sofrimento e da dor que carrega consigo, sejam físicos ou psicológicos. Outros, por outro lado, sustentam que a vida é um direito indisponível e irrenunciável e, portanto, nem mesmo o seu titular pode abrir mão dele.

Seja como for, conforme foi explicitado acima, o Direito Positivo de muitos países, e em geral da maioria dos que existem, nega a legalização da eutanásia de forma aberta, sendo esta considerada crime de homicídio. Em algumas legislações, observa-se que há um abrandamento da punição se forem verificadas algumas condições, tais como manifestações frequentes e expressas do paciente, doença grave e incurável. Não obstante isso, a eutanásia continua sendo considerada crime. Outros países, por outro lado, e neste caso trata-se de dois dos Países Baixos, já superaram a questão e acabaram legalizando a conduta, mesmo que em situações muito específicas. De modo geral, no entanto, podemos dizer que o Direito Positivo encara o direito à vida como superior e não admite sua disponibilidade e renunciabilidade, considerando-o o bem jurídico de maior valor.

O problema também pode ser avaliado à luz do Direito Natural. Em suma, podemos dizer que essa vertente também não “vê com bons olhos” tal prática, pois considera a vida como algo superior e absoluto, o mais natural dos direitos naturais do homem, jamais admitindo sua eliminação. Na obra Qué queda del Derecho Natural?, do jurista chileno Eduardo Nogueira Monreal, este sustenta que entre os caracteres do Direito Natural encontramos a indispensabilidade (é um direito irrenunciável) e a obrigatoriedade (deve ser obedecido por todos os homens). Ou seja, nem o próprio homem pode renunciar a sua vida, nem outro homem pode desrespeitar a vida dos demais. A vida não é lei criada pelo Estado, mas pelo Estado apenas reconhecida, pois é intrínseca ao ser humano.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Jusnaturalismo é uma corrente grande, que teve como representantes grandes pensadores dos diferentes períodos da História, e de vasto conteúdo, como se pode constatar. Neste estudo, procurou-se trazer à baila aspectos importantes dessa corrente, através de uma visão abrangente, porém resumida, capaz de fornecer uma compreensão do pensamento do Jusnaturalismo, bem como de sua transformação ao longo do tempo.

Ao analisar o fato social da eutanásia à luz do Direito Natural – e também do Direito Positivo, pois é impossível estudar a questão sem adentar nesse campo também -, é possível notar que suas ideias se colocam contra a permissão para tal prática, defendendo veementemente a vida. Isso mostra que ele não é um tema do passado, apesar de possuir um longo histórico, mas sim do presente, permanecendo no tempo, ainda que sofra algumas mudanças.

É uma escola jurídica interessante e instigante e talvez seja a que mais atenda aos anseios naturais do homem por justiça. Sua recorrência na história e na filosofia do direito mostra que é de grande relevância para os acadêmicos do curso de graduação em Direito e para os homens em si.

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[1] Graduanda do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA. 

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