UM BREVE ENSAIO SOBRE A FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Por I.M Fraga | 17/05/2013 | PolíticaA formação do Estado Brasileiro se deu de modo lento, continuo e não tão pacífico como geralmente se pensa[1]. Por outro lado, somado a este fato, outro agravante é que, na maioria dos momentos decisivos de nossa história percebe-se que a população quase não teve participação direta. Um exemplo clássico foi o evento da Proclamação da Republica de 15 de novembro de 1889, movimento revolucionário (ou golpe de Estado) o qual pôs abaixo a Monarquia. “O povo assistiu bestializado a proclamação da República” - destacou o escritor Machado de Assis mostrando como a participação popular foi pífia neste fato tão importante para nossaa história. A República, assim como muitos outros movimentos de natureza política ocorridas no Brasil, começou a partir de um pequeno "grupo" formado por republicanos insatisfeitos com o regime político vigente da época, a saber, a Monarquia. Este grupo estava descontente, não o povo. Conta-se que ao longo do processo da Proclamação da Republica uma parte do povo apenas assistiu o evento, enquanto outros nem sabiam ao certo o que se passava[2].
Qual era o contexto social e político do Brasil neste período? Fazia menos de um ano que a escravidão fora abolida no Brasil. Cerca de 700 mil escravos foram libertados, sendo que a grande maioria permaneceram à margem não sendo assim aproveitada (foi aqui que começou o processo de exclusão do negro em diversos setores do mercado de trabalho brasileiro). Devido a libertação dos negros-escravos, os setores que dependiam da mão-de-obra escrava entraram em crise. Este grupo, na sua maioria formada por barões do Café, não ficaram satisfeitos com a Monarquia, embora o povão, em contrapartida, demonstrassem muita simpatia por D. Pedro II[3].
Quais eram os projetos dos republicanos? Havia basicamente três projetos de república: 1) O Ideal de uma republica liberal: Tratou-se de um projeto defendido pelos cafeicultores paulistas e pelo PRP (Partido Republicano Paulista) com o apoio de grupos oligárquicos. Defendiam maior autonomia dos Estados por meio de uma República Federativa – influenciados pela experiência norte-americana; 2) O ideal de uma Republica Jacobina: Defendido por setores da população urbana – pequenos comerciantes, funcionários públicos e setores intelectualizados como, jornalistas, advogados, médicos e professores. Defendiam a participação publica; 3) O Ideal de uma republica positivista: Influenciados pela filosofia do Positivismo desenvolvida pelo francês Augusto Comte, este grupo via o Império como um estágio a ser superado por ser entendido como algo incompatível com a evolução da humanidade. Esta linha teve ampla aceitação entre os militares da época.
Decretado a Proclamação da Republica o Brasil começa uma nova fase da sua história conhecida como “República Velha” (1889 a 1930) período este marcado por diversas revoltas inclusive de luta armada[4]. Mas não só isso. É neste período que surgiu também a separação da Igreja e Estado bem como a lei da imprensa criada em 23 de dezembro de 1889 a qual foi revogada tempos depois. Todavia, o fato talvez mais significativo deste período tenha sido mesmo a elaboração da nova constituição republicana com o governo de Deodoro da Fonseca (governo que durou menos de dois anos) cujo autor principal foi o grande jurista baiano Ruy Barbosa. Ao longo deste período que durou quase quarenta anos, o Brasil foi governado por 14 presidentes: Floriano Peixoto (entre os anos de 1891 a 1894), o qual foi precedido por Prudente de Morais (este governou o país entre 1894 a 1898), seguido por Campo Sales (entre 1898-1902), Rodrigo Alves (governou o país entre 1902-1906) e outros[5] até chegar em 1930 com Júlio Prestes, o qual não assumiu o governo devido o “golpe” de 1930 encabeçado pelas lideranças oligárquicas de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba[6]. Em linhas gerais pode-se dizer que este período foi caracterizado pela dominação da oligarquia cafeeira e pela aliança política denominada “política do café com leite” (entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais). A participação do povo continuava mínima.
Com a Revolução (ou golpe?) de 30 começou então uma nova fase da história do Brasil que ficou conhecida como a “Era Vargas”[7]. Conforme o historiador José Murilo de Carvalho “O ano de 1930 foi um divisor de águas na história do país. A partir dessa data houve uma aceleração das mudanças sociais e políticas”[8]. Umas das principais mudanças ocorrereu no campo dos direitos sociais. Uma das primeiras medidas do governo de Vargas foi a de criar um Ministério do Trabalho, indústria e comercio (este ministério foi criado em 26 de novembro de 1930) seguido, logo após, da vasta legislação trabalhista e previdenciária, a qual foi completada em 1943 com a consolidação das Leis do Trabalho. Tempos depois Vargas implantou o Salário Mínimo o qual foi regulamentado pela lei nº 185 de janeiro de 1936 e pelo decreto-lei nº 399 de abril de 1938. A partir deste forte impulso, como observou Carvalho, “a legislação social não parou de ampliar seu alcance”[9].
Entre os anos de 1937 e 1945 (o chamado Estado Novo), o Brasil viveu sob a ditadura getulista. Caracterizado por um governo centralizador, Getúlio Vargas enfrentou pressões tanto internas quanto externas. As pressões internas vinham das divergências com os militares (Os tenentes) os quais o apoiaram na “revolução de 30”. As pressões externas vinham da parte de Oligarquias não satisfeitas com a situação que o país enfrentava devido às consequências da queda da bolsa de Nova York em 1929. Entretanto, personalista ao governar, Vargas reestruturou o Estado e profissionalizou o Serviço Publico. Foi neste mesmo período que foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[10]. Além destas mudanças, Vargas investiu forte na criação da infraestrutura industrial através de uma indústria de base e de energia. Deste modo foram criados o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), o órgão governamental responsável pela política petrolífera no período de 1939 a 1960; A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) (criada em 1941); Companhia Vale do Rio Doce (criada em 1943) e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (criada em 1945) alavancando o processo industrial do país[11].
Mas, ainda assim, mesmo com todas estas inovações, os direitos políticos não tiveram muito espaço no governo varguista. Amparado pela Lei de Segurança NacionalGetúlio impôs uma rigorosa pressão contra o comunismo durante todo o Estado Novo, não ocorrendo mais nenhum movimento revolucionário como aquele da Intentona Comunistade 1935[12].
A nova Constituição Brasileira de 1937 redigida pelo jurista Francisco Campos ampliou os poderes presidências dando a Getúlio Vargas “o direito” de intervir nos poderes Legislativo e Judiciário, além de indicar os governadores estaduais. Deste modo, Vargas atuou de modo autoritário confirmando assim a dissolução do Congresso Nacional do Brasil, dos congressos estaduais e das câmaras municipais. Os deputados, senadores e presidentes de estados, eleitos em 1930, nunca chegaram a tomar posse dos seus mandatos.
Entretanto, como observou Carvalho: “Se o avanço dos direitos políticos após o movimento de 1930 foi limitado e sujeito a sérios recuos, o mesmo não se deu com os direitos sociais. Desde o primeiro momento, a liderança que chegou ao poder em 1930 dedicou grande atenção ao problema trabalhista e social... O período de 1930 a 1945 foi o grande momento da legislação social”[13]. Preocupado em obter o apoio da classe trabalhadora, Getúlio Vargas procurou atender o operariado por meio de concessões e leis de amparo ao trabalhador. Tais medidas viriam a desarticular os movimentos sindicais da época. Deste modo, os sindicatos acabaram se transformando em um espaço de divulgação da propaganda governista e seus líderes, representantes da ideologia varguista.
Com o fim do Estado Novo o Brasil passa a viver um processo lento de redemocratização. Foi restaurado então o Estado Democrático de Direito no país. Sobre as eleições de 1945, Octaciano Nogueira apresenta-nos o seguinte panorama:
"Concorreram ao pleito sob o regime eleitoral estipulado pelo decreto-lei nº 7.586, de 28 de maio 1945, 11partidos e uma coligação. Somente 10, porém, lograram representação na câmara dos Deputados e 6 no Senado. O Brasil tinha alistado 7.425.825 eleitores, dos quais 6.168.695 compareceram às urnas. Cabe observar que normas que regeram essas eleições foram editadas através de decreto-lei, determinando que os restos ou sobras fossem atribuídos ao partido com maior numero de votos"[14].
Durante esse período o aparelho militar exerceu um poder moderador. Mesmo em processo de redemocratização as forças armadas ainda obtinham um papel se não de forma direta, ao menos de forma dissimulada, pois não havia intervenção ostensiva dessa instituição.
A partir de 1964 as Forças Armadas transformam-se de forças tutelares à interventora direta no processo político. Carvalho discorre sobre algumas semelhanças entre esse e o anterior (1937). Segundo ele, em ambos os casos os direitos civis e políticos foram restringidos pela violência enquanto que os direitos sociais formam enfatizados. Outra semelhança seria o investimento do Estado na promoção do desenvolvimento econômico.
No que se refere ao cenário político os partidos civis não passavam de coadjuvantes. Os mesmos estavam divididos entre os partidos do governo (Arena- PSD) e a oposição consentida (MDB-PMDB). Entretanto, a existência desses partidos não impedia o poder hegemônico das Forças Armadas que impossibilitavam a transferência das decisões políticas para a população civil.
Em seu período inicial o regime combinou repressão política violenta com crescimento econômico acelerado. As medidas violentas foram reforçadas, a censura aos meios de comunicação foi introduzida, os partidos e sindicados eram regulados e controlados pelo Estado, o direito ao habeas corpus foi suspenso pra crimes políticos resultando na perda de cidadania, prisões eram efetuadas sem mandados judiciais. No plano econômico houve uma expansão que ficou conhecida como “o milagre econômico brasileiro”, entretanto, mesmo diante desse desenvolvimento o salário mínimo tendeu ao decréscimo. Dessa forma, percebe-se que esse rápido crescimento econômico acabou por beneficiar de maneira desigual os vários segmentos da sociedade, o que levou ao aumento das disparidades econômicas.
A segunda fase (1974-1985) é o período em que ocorre o abrandamento da censura e o lento retorno da democracia com o projeto de liberalização política. Tratando dos motivos que levaram os militares a uma abertura política Carvalho cita principalmente a crise do petróleo que ocorreu em 1973, tal crise comprometia o milagre econômico o que levaria o país rapidamente à crise. Dessa forma, percebe-se que essa abertura para a redemocratização partiu dos próprios militares que buscou fazê-la antes que a prosperidade econômica estivesse comprometida não estando vinculada à pressões oposicionistas.
No âmbito sindical algumas mudanças foram perceptíveis. Um movimento iniciado em 1977 objetivando melhoras nas condições salariais culminou em greves abrangentes e duradouras. Além dessas inovações o sindicalismo passou por mudanças estruturais na tentativa de manter-se independente do controle do Estado.
Os sindicatos rurais, ausentes até 1963 cresceram e foram transformados em órgãos assistencialistas, entretanto, essa situação seria alterada pela própria natureza violenta especifica dos conflitos relacionados à terra além da intervenção da Igreja Católica por meio da Comissão Pastoral da Terra que moveu-se firmemente em oposição ao regime militar e a favor dos direitos humanos.
Dessa forma, percebe-se que durante o período militar os direitos civis e políticos foram os que mais sofreram alterações contribuindo para a continuidade da política do Estado Novo em que tais direitos eram negados sendo compensados com o paternalismo social já bastante utilizado durante o período varguista.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2012.
- CHAVES DE MELLO, Maria Tereza. A República Consentida, Editora FGV, EDUR, Rio de Janeiro, 2007.
- FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1972.
- JORGE, Fernando. Getúlio Vargas e seu Tempo. 2 vol., T. A. Queirós, 1986.
- NOGUEIRA, Octaciano. Sistemas Políticos e o modelo brasileiro. 2ed. Brasilia: Editora do Senado Federal,2012.
- RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2001. (obra em três volumes).
- SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2nd ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
- KOIFMAN, Jorge (org). Presidentes do Brasil, Editora Rio, 2001.
VIANA, Marly de Almeida Revolucionários de 1935. São Paulo, Cia. das Letras, 1992.
[1]A idéia de um Brasil, pacífico, coeso e ordenado em oposição a uma América Latina fragmentada, sempre envolvida em conflitos e povoada por caudilhos, tem sido questionada por alguns historiadores. Conforme o historiador Marcos Pamplona, “Esse é um mito nacionalista produzido por historiadores do século XIX que faz uma apologia a D. João, que reforça a idéia de que D. João permitiu transições pacíficas”. Mais detalhes, conferir a excelente coleção “Revoluções de independências e nacionalismos nas Américas” (Ed. Paz e Terra), organizada pelos historiadores Marcos Pamplona e Maria Elisa Mäder (no momento a coleção encontra-se no seu terceiro volume).
[2] Para mais detalhes, Cf. CHAVES DE MELLO, Maria Tereza. A República Consentida, Editora FGV, EDUR, Rio de Janeiro, 2007.
[3]Sobre este assunto, para mais detalhes Cf.SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2nd ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
[4] Além da “Revolta de 1930” - denominada de “Revolução de 30” –, no período da Republica Velha ocorreram nada menos que cerca de 10 revoltas: Revolta Armada -1893-1894; Revolução Federalista – 1893-1895; Guerra de Canudos – 1893-1897; Rev. da Vacina – 1904; Revolta da Chibata – 1910; Guerra do Contestado: 1912-1916; Sedição de Juazeiro – 1914; Greves Operárias -1917-1919; Revolta dos Dezoito do Forte – 1922.
[5] Os demais presidentes brasileiros após Rodrigo Alves foram: Afonso Pena – 1906 a 1909; Nilo Peçanha – 1909 a 1910; Hermes da Fonseca – 1910 a 1914; Venceslau Brás – 1914-1918; Delfim Moreira –Presidente interino 1918 a 1919; Epitáfio Pessoa – 1919 a 1922; Artur Bernardes – 1922 a 1926; Waschington Luis – 1926 a 193 0 – último presidente da República Velha, deposto em 24 de outubro de 1930.
[6] Para mais detalhes sobre a primeira república, Cf. CARONE, Edgar. A primeira República (1889-1930). São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1969. Sobre a história dos presidentes, ver ainda KOIFMAN, Jorge (org). Presidentes do Brasil, Editora Rio, 2001. Sobre a “revolução de 1930”, cf. Sobre a “Revolução de 30”, cf. FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1972.
[7]Para mais detalhes sobre o governo de Getúlio Vargas, Cf. JORGE, Fernando. Getúlio Vargas e seu Tempo. 2 vol., T. A. Queirós, 1986.
[8] CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2012.p.87.
[9]CARVALHO, 2012,87.
[10]O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi criado em 1936 e órgão público Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) foi criado em 1938.
[11][11]Para mais detalhes sobre o governo de Getúlio Vargas, Cf. RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. Rio de Janeiro: Casa Jorge, 2001. (obra em três volumes).
[12]Para mais detalhes sobre este período, Cf. VIANA, Marly de Almeida Revolucionários de 1935. São Paulo, Cia. das Letras, 1992.
[13] CARVALHO, 2012,110.
[14] NOGUEIRA, Octaciano. Sistemas Políticos e o modelo brasileiro. 2ed. Brasilia: Editora do Senado Federal,2012. p.136