Um bate-boca em pratos limpos

Por Osorio de Vasconcellos | 03/05/2009 | Crônicas

Um bate-boca em pratos limpos

 

Percebe-se com facilidade que raramente uma sessão do Supremo Tribunal Federal alcança destaque na mídia. A menos que haja ponderável interesse social, a menos que se debata uma questão de elevada sutileza jurídica, o Douto Colegiado  desincumbe-se de suas elevadas funções em circunstâncias de sábia discrição.

 

Por isso, vale a pena  averiguar por que, na semana passada, durante uma sessão rotineira, dispararam as sirenas e, de repente, o STF  saltou à ribalta  da televisão aberta.

 

Pelo que mostrou a TV Globo, tudo começou quando o Ministro Joaquim Barbosa dirigiu ao Ministro Gilmar Mendes, Presidente da Casa,  estas palavras: “A sua tese, ela deveria ter sido exposta em pratos limpos...”

 

A fala de Barbosa é tão contundente, que nem mesmo os rodeios retóricos conseguiram amortecer o impacto sobre Mendes.

 

A fala de Barbosa não se limita a apontar uma falha técnica na apresentação da tese. A fala, muito mais que isso, invade o rincão subjetivo de Mendes, dizendo-lhe o que devia ter feito .

 

Ora, se Mendes sabe fazer, se cumpre a Mendes fazer o que sabe, se Mendes sabe que lhe cumpre fazer o que sabe, e se, ainda assim, Mendes não faz o que sabe, que mais significaria isso tudo a não ser que Mendes prevaricou?  

 

A prova de que Mendes entendeu por essa via a arguição de Barbosa está em sua resposta. Disse ele: “... eu não sonego informação...”

 

Nesse ponto encerrou-se a parte substantiva do episódio, aliás, de  indisfarçável gravidade.  Era hora de se exigir a retração imediata do agravo, ou, para usar as palavras de Barbosa, colocar o assunto  “em pratos limpos”.

A honra pessoal do Presidente, assim como a dignidade do cargo não  davam espaço a outra deliberação.

 

Mas nada disso aconteceu.

 

Ao contrário,  como sempre ocorre quando não se faz o que cumpre fazer,  a consciência se turvou,  degenerando em fealdade.

 

A partir dali o confronto sucumbiu à insensatez.   As arguições  descambaram em diatribes de atropelo, vagas e inconseqüentes:  “Vossa Excelência está destruindo a justiça deste país”; “Vossa Excelência não está falando com seus capangas de Mato Grosso”. Paralelamente, ecoaram pelos serenos paços da Justiça desgastadas fórmulas de indignação elementar: “Vossa Excelência me respeite”, cobrava    um; “Vossa Excelência me respeite”, exigia   outro.  

 

Encerrada a sessão, ganhou a história republicana mais um rebento memorável. À porta da maternidade, diligente, pontual, estava a TV Globo que, levantando o recém-nascido nos braços, disse à multidão:  o nome dele é “bate-boca”.

 

Não foi nem preciso acrescentar que como tal  devia ser tratado.

 

Imediatamente o bebê entrou em processo de hipotermia, ao sopro gelado da indiferença popular.

 

No dia seguinte, estava morto e sepultado.  

 

Na pressa, o coveiro nem notou que parte do defunto se mexia, justamente aquela que ainda não se pôs em pratos limpos.