Tutelas de Urgência na Arbitragem

Por André Ribeiro Dantas | 04/06/2017 | Direito

Writ of prevention in Arbitration

André Ribeiro Dantas[1]

Resumo: O presente artigo analisa as tutelas de urgência na arbitragem, no direito brasileiro. Para isso, incialmente considera-se a natureza jurídica da arbitragem e a sua relação com as tutelas de urgência. Em seguida, é analisada a possibilidade de concessão de tutela cautelar na arbitragem, principalmente na Lei 13.129/2015. Analisa-se, ainda, o procedimento para requerimento de tutela de urgência anterior à arbitragem, bem como a sua possível alteração pelos árbitros.

Palavras-chave: Arbitragem; tutela de urgência; procedimentos antecedentes.

Abstract: The present article analyzes the writ of prevention in arbitration in Brazilian Law. It analyzes the nature of arbitration and your relation with the interlocutory injunction. Then, it analyzes the writ of prevention in the Law n. 13.129/2015. It analyzes, then, the writ of prevention before the arbitration and the possibility of changes by the arbitrators.

Keywords: Arbitration; writ of prevention; preliminary procedure.

1. Considerações iniciais 2. Natureza jurisdicional da arbitragem 3. A prestação jurisdicional deve ser efetiva     4. A tutela de urgência anterior à arbitragem e os procedimentos antecedentes 5. O requerimento da instituição da arbitragem após a concessão de tutela de urgência 6. A posição do árbitro frente à tutela de urgência concedida pelo Poder Judiciário 7. Conclusão 8. Referências bibliográficas

  1. Considerações iniciais

O tema da arbitragem tem, desde há muito, levantado importantes discussões no direito brasileiro, podendo-se destacar, a título de exemplo, a questão que gira em torno da sua natureza jurídica.

Dentre as muitas questões que exsurgem do estudo da arbitragem no direito pátrio, tem relevância aquela relacionada às tutelas de urgência nos processos arbitrais. Antes da edição da Lei 13.129/2015, não era clara a Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) a respeito da possibilidade de concessão de medidas de urgência no âmbito da arbitragem.

Isso porque o §4º do art. 22 daquela lei previa, antes da alteração legislativa ocorrida em 2015, que sendo necessária alguma medida de urgência, podia o árbitro solicitá-la ao Poder Judiciário. Com isso, fundadas dúvidas surgiram a respeito da extensão do dispositivo, isto é, se autorizava a concessão da tutela de urgência pelo árbitro, recaindo o seu cumprimento, apenas, ao Poder Judiciário, ou se a própria atividade cognitiva deveria ser exercida pelo Estado-juiz.

Àquele tempo, a grande maioria da doutrina já entendia por possível a concessão de tutelas de urgência em processos arbitrais, quer porque tais tutelas diferenciadas são imanentes ao exercício do poder jurisdicional, exercido, como se abordará brevemente adiante, pelos árbitros, quer porque a redação do agora revogado §4º do art. 22 da Lei 9.307/1996 autorizava tal concessão.

A par das dúvidas anteriormente existentes, a discussão não mais se coloca, tendo em vista que a Lei 13.129/2015 alterou a Lei de Arbitragem, inserindo na lei o Capítulo IV-A –  Das Tutelas Cautelares e de Urgência – que normatiza a questão das tutelas de urgência na arbitragem. Disso, pois, tratar-se-á nas próximas linhas.

Para isso, é preciso considerar que a possibilidade de concessão de tutelas de urgência guarda estreita relação com a natureza jurídica da arbitragem e trata-se de importante instrumento para a efetividade da tutela jurisdicional. Por essa razão, a natureza jurídica da arbitragem será, a seguir, brevemente analisada.

  1. A natureza jurisdicional da arbitragem

Antes da edição da Lei 9.307/1996, havia grande divergência doutrinária sobre a natureza jurídica da arbitragem. Porém após a edição da Lei de Arbitragem, o entendimento fortemente majoritário da doutrina passou a ser o de que a arbitragem possui natureza jurisdicional.

Joel Dias Figueira Junior bem descreve essa controvérsia:

No que tange especificamente à natureza jurídica do instituto da arbitragem, constatamos que as doutrinas nacional e alienígena têm sido pródigas ao longo das décadas em desenvolver e defender fundamentalmente duas correntes antagônicas. De um lado, encontra-se a teoria privatista (ou contratual) de outro, a publicista (ou jurisdicional). Nada obstante, a doutrina mais moderna já procurava conciliar as duas correntes referidas, e, de forma eclética, considerar o instituto da arbitragem como portador de uma natureza sui generis, porquanto nasce da vontade das partes (caráter obrigacional = privado) e concomitantemente regula determinada relação de direito processual (caráter público). (...) Se no passado, ainda que próximo, justificavam-se o confronto e as polêmicas acirradas que se formavam entre as duas teorias, hoje em dia, em face do novo regime estatuído através da Lei 9.307/96, essas questões passaram a adquirir outras conotações e reflexos, à medida que o legislador deixou transparecer com nitidez a sua verdadeira intenção, mormente insculpida nos Capítulos V e VI. Em outros termos, se antes do advento da referida norma o juízo arbitral significava um julgamento que só se aperfeiçoava quando recebia a força e a autoridade do Estado por intermédio da homologação do laudo, e, portanto, não era considerado atividade jurisdicional, hoje assim deixou de ser. (...) Se no regime anterior da arbitragem, que se processava nos moldes do Código Instrumental Civil a controvérsia merecia maior atenção dos estudiosos e aplicadores do direito, os termos claros e precisos utilizados pelo legislador no sistema da Lei , objeto desses comentários, parece-nos que colocou pá de cal sobre a questão.(...) Vê-se, com meridiana clareza que o legislador aproximou ou melhor, equiparou a sentença arbitral à sentença proferida pelo Estado-juiz, como ato de autoridade que decide o conflito e vincula as partes litigantes ao cumprimento da declaração, constituição, condenação, mandamento ou execução exarada pelo juiz ou tribunal privado, gerando todos os efeitos decorrentes da coisa julgada.(...) Podemos afirmar categoricamente que o juízo arbitral instituído pela Lei 9.307/96 apresenta natureza jurisdicional. Está-se, portanto, diante de verdadeira jurisdição de caráter privado. Aliás, o novo microssistema que contempla o juízo arbitral não permite, ao nosso entender, outra conclusão.[2]

Como dito, grande parte da doutrina[3] se posicionou no sentido de que a arbitragem possui natureza jurídica jurisdicional, o que significa dizer, de certa forma, que a intervenção do Poder Judiciário é (ou deve ser) mínima, tendo em vista que serão, um e outro, órgãos jurisdicionais.

É possível dizer, ademais, que quaisquer dúvidas remanescentes, relativas à natureza jurisdicional da arbitragem, não devem mais subsistir, tendo em vista que o art. 3º, da Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil), após replicar o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, previu expressamente, no §1º, a admissibilidade da arbitragem.

 

  1. A prestação jurisdicional deve ser efetiva    

 

Como a arbitragem é uma atividade jurisdicional, ela deve contar com os instrumentos necessários ao exercício da jurisdição. E o exercício da jurisdição – arbitral ou estatal – deve proporcionar uma solução da lide não só adequada, mas também efetiva, tempestiva, ou seja, que não chegue ao jurisdicionado tardiamente.

O art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, ao assegurar o acesso à Justiça, garante também que esse acesso seja efetivo, pois não se trata de garantia constitucional meramente formal.

Ora, um dos instrumentos necessários para uma efetiva prestação da tutela jurisdicional – que não alcance o jurisdicionado de maneira tardia e inútil – é exatamente a tutela de urgência.

Luiz Guilherme Marinoni assinala que a tutela antecipatória “nada mais é do que instrumento necessário para a realização de um direito constitucional [de acesso efetivo ao Judiciário, garantido pelo inc. XXXV do art. 5.º do Texto Supremo]”.[4]

Em igual sentido, Eduardo Arruda Alvim afirma que:

Se o acesso à justiça encontra-se garantido, inclusive em relação à ameaça de lesão (CF, art. 5º, inc. XXXV), é certo que, em muitos casos, esta somente pode ser obstada através de uma tutela de urgência, como é o caso da antecipação de tutela. Assim, para o estudo da antecipação de tutela e das cautelares, devemos ter presente, sempre e necessariamente, o disposto no inc. XXXV, do art. 5º do Texto Constitucional, que garante a todos o amplo e irrestrito acesso ao Poder Judiciário em caso de lesão ou ameaça de lesão ao direito. [5]

Vemos, assim, que a possibilidade da concessão de tutelas de urgência decorre diretamente da garantia constitucional de acesso à Justiça, insculpida no inciso XXXV, do art. 5º, da CF, visto ser um instrumento necessário à efetiva prestação jurisdicional, impedindo que a natural demora do processo cause maiores lesões à parte.

Fixadas essas duas premissas – a arbitragem é jurisdição e as tutelas de urgência são instrumentos necessários para a efetividade da tutela jurisdicional –, pode-se compreender, com maior precisão, a questão que envolve as tutelas de urgência na arbitragem.

 

  1. A tutela de urgência anterior à arbitragem e os procedimentos antecedentes

     

Como se sabe, é possível que antes da instituição da arbitragem haja uma situação de risco que exija imediata intervenção do órgão jurisdicional, de modo que as partes que optaram por submeter seu litígio à jurisdição arbitral possam ter, mesmo assim, o seu interesse tutelado imediatamente.

A questão é relevante porque a constituição do juízo arbitral costuma não ser imediata, sendo que poderá demorar ainda mais do que o habitual, caso haja resistência de uma parte quanto à instituição da arbitragem e/ou em vista de cláusulas compromissórias vazias (quando as regras da arbitragem não são predefinidas), o que poderá tornar necessário o prévio ajuizamento da ação judicial prevista no art. 7º da Lei 9.307/96, para que a arbitragem seja instituída.

E a arbitragem só estará instituída quando o último árbitro aceitar a nomeação, nos termos do art. 19 da Lei de Arbitragem: considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.

Por essa razão é que se atribui ao Poder Judiciário a competência para conhecer de pedidos de natureza urgente formulados antes da instituição da arbitragem, pois, diante da demora natural à instituição da arbitragem, é imperioso que as partes não estejam sujeitas a danos, contra os quais nada possam fazer.

Admitir que, diante da existência de cláusula de arbitragem, as partes estariam impedidas de recorrer ao Poder Judiciário para requerer concessão de medida cautelar ou de urgência, antes de instituída a arbitragem, significaria admitir que, aquele que opta pela arbitragem perde parte de sua garantia constitucional de efetivo acesso à Justiça.

Antes da edição da Lei 13.129/2015, vigorava o art. 22, § 4º da Lei 9.307/96, assim redigido: § 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.

Quando em vigor tal dispositivo, a doutrina oferecia críticas à falta de clareza do legislador, tendo em vista que não restava explicitado se as medidas de urgência, mesmo quando solicitadas no curso da arbitragem, deveriam ser “concedidas” pelo árbitro e “implementadas” pelo Poder Judiciário, ou se deveriam ser “solicitadas” pelo árbitro e “concedidas” e “implementadas” pelo Judiciário.

Escreveu a respeito Nilton César Antunes da Costa:

A norma, pois, deixa dúvida ao ato de solicitar a medida cautelar ou coercitiva, pois não esclarece se tal solicitação é para que o Poder Judiciário materialize a ordem coercitiva antecipatória ou cautelar deferida pelo árbitro ou se é para que a jurisdição estatal aprecie o pedido formulado pelo julgador privado para deferir ou não a medida coercitiva (antecipatória ou cautelar).[6]

A despeito das possíveis interpretações que se poderiam dar ao § 4º do art. 22 da Lei de Arbitragem (vigente até a edição da Lei 13.129/2015), a doutrina majoritária se firmou no sentido de que ao árbitro caberia a concessão de medidas de urgência quando já instituída a arbitragem, devendo o Judiciário implementá-la coercitivamente, caso não houvesse o seu cumprimento espontâneo.

No entanto, mesmo sob a vigência do art. 22, §4º da Lei de Arbitragem, a doutrina e a jurisprudência já haviam adotado o entendimento de que caberia ao Poder Judiciário apreciar o pedido de tutela de urgência anterior à arbitragem.[7]

Com a edição da Lei 13.129/2015, que introduziu na Lei de Arbitragem o artigo art. 22-A, foi revogado o §4º do art. 22, concedendo-se ao tema, novo e mais detalhado regramento.

Assim, o art. 22-A da Lei de Arbitragem autoriza expressamente que, antes de instituída a arbitragem, seja requerida ao Poder Judiciário a tutela de urgência.

Nesse ponto, é preciso destacar que o dispositivo trata de “medida cautelar ou de urgência”, o que também é feito pelo próprio Capítulo IV-A da Lei de Arbitragem. Há, nisso, certa incorreção terminológica.

Isso porque tutela cautelar é espécie de tutela de urgência, assim como o é a tutela antecipatória.[8] Entende-se que a escolha da nomenclatura feita pelo legislador pretendeu apenas diferenciar a tutela cautelar e a tutela antecipatória, dando a esta o nome de tutela de urgência. Afigura-se que melhor seria, nesse caso, adotar a mesma classificação do Código de Processo Civil de 2015, que em seu art. 294, parágrafo único, trata da tutela de urgência enquanto gênero, de que são espécies a tutela cautelar e a tutela antecipada.

Portanto, ao referir-se genericamente às tutelas de urgência, está-se tratando tanto da tutela cautelar, quanto da tutela antecipada.

A propósito, é importante destacar que mesmo que se tratem de espécies de um mesmo gênero, a cautelar e a antecipação de tutela revelam algumas pontuais diferenças.

Enquanto a tutela cautelar visa preservar a efetividade da decisão de mérito que será, futuramente (via de regra) proferida, a tutela antecipada configura, propriamente, a antecipação dos próprios efeitos práticos da decisão de mérito, que somente se aperfeiçoariam, na prática, posteriormente, por ocasião do trânsito em julgado da decisão ou, ao menos, por ocasião da interposição de recurso sem efeito suspensivo.

Desse modo, a tutela cautelar acaba por garantir a própria utilidade do processo, enquanto instrumento, ao passo que a tutela antecipada busca tutelar o próprio bem jurídico em disputa entre as partes.

Com a promulgação da Lei 13.129/2015, o legislador positivou, no caput do art. 22-A, o entendimento já adotado pela doutrina e pela jurisprudência e admitiu, de forma expressa, o cabimento de pedido de tutela de urgência ao Poder Judiciário, antes de instituída a arbitragem, sem que isso configurasse violação à cláusula arbitral ou mesmo ao compromisso arbitral.

É importante notar que o órgão do Poder Judiciário competente para analisar o pedido de tutela de urgência será aquele que seria competente para a discussão de mérito, caso a demanda fosse submetida à jurisdição estatal.

Com isso, pode-se vislumbrar situações em que se elege determinada cidade para realização da arbitragem – local em que está situada a câmara arbitral, por exemplo –, mas tal cidade não corresponde ao foro que seria competente, caso obedecidas as regras dos artigos 42 e seguintes do Código de Processo Civil.

Imagine-se a situação em que duas partes, domiciliadas na cidade de São Paulo/SP, elegem determinada câmara arbitral situada na cidade do Rio de Janeiro/RJ. O processo arbitral deverá ser instaurado nesta última cidade. Contudo, admitindo-se que sobrevenha, após a celebração do negócio jurídico, mas antes da instituição da arbitragem, situação de urgência, e ainda, supondo-se que não haja regra especial para fixação da competência, deverá ser aplicada a regra geral prevista no art. 46, caput do Código de Processo Civil de 2015 (“Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu”).

Com isso, tem-se que o pedido de concessão de medida de urgência deverá ser formulado na Comarca de São Paulo, ainda que a câmara arbitral tenha sede na cidade do Rio de Janeiro. Assim, entende-se que a eleição de determinada câmara arbitral situada em determinada cidade, não é capaz de alterar a competência, ainda que relativa, do Poder Judiciário, quando analisa pedido de tutela de urgência, pois para isso seria preciso regra específica, isto é, cláusula específica de eleição de foro.

Portanto, enquanto não instituída a arbitragem, caberá ao órgão do Poder Judiciário que teria competência para analisar o mérito, propriamente dito, apreciar o pedido de tutela de urgência, de natureza cautelar ou antecipatória.

Quanto à forma como deve ser formulado o pedido, convém destacar que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe interessante regramento a respeito dos pedidos de tutela de urgência anteriores ao pedido de mérito, em si.

Tratam-se dos arts. 303 e 305 do Código, que estabelecem, respectivamente, o procedimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente e o procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente, os quais autorizam, cada um à sua maneira, o ajuizamento de ação que visa, num primeiro momento, apenas a concessão de tutela provisória de urgência, não havendo necessidade de se deduzir o pedido principal de imediato.

No tocante à tutela cautelar, não há grande distinção em relação à medida cautelar preparatória, prevista no Código de Processo Civil de 1973, contando, todavia, com importantíssima diferença: não há mais a separação entre processo cautelar e processo de conhecimento. Aquele passou a ser um procedimento que antecede a formulação do pedido de mérito, mas tudo dentro de uma mesma relação processual, sem necessidade do ajuizamento de nova ação, sem pagamento de novas custas processuais, sem necessidade de nova citação etc.

Em qualquer caso – necessidade de tutela cautelar ou antecipatória antes da instituição da arbitragem – entende-se que o correto será a formulação de tais pedidos por meio dos procedimentos antecedentes acima destacados (arts. 303 e 305 do Código de Processo Civil de 2015), justamente porque a lide, em si, não poderá ser julgada pelo Poder Judiciário, mas sim pelo tribunal arbitral, razão pela qual seria desnecessário o ajuizamento de ação com observância do procedimento comum (arts. 319 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015).

Assim, é possível dizer que os procedimentos antecedentes ora tratados se amoldam perfeitamente às necessidades da parte que manifestou vontade de submeter sua lide à jurisdição arbitral, em detrimento da estatal, pois permite, ao menos em princípio, que se observe procedimento mais célere, menos rigoroso e sem requisitos inócuos, como a dedução do pedido principal, por exemplo, tendo em vista que, como se disse, não poderá o órgão do Poder Judiciário julgar a demanda.

Já em relação à tutela antecipada requerida em caráter antecedente, o Código de Processo Civil de 2015 trouxe a possibilidade de estabilização da tutela, caso não seja interposto recurso contra a decisão que concede a antecipação de tutela requerida, nos termos do caput do seu art. 304.

Trata-se da muito falada estabilização da tutela antecipada,[9] que configura, em grandes linhas, a monitorização da tutela antecipada[10], frente à decisão de mérito.

A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, tornou-se possível que o processo não “siga” em direção à decisão de mérito (iter processual), mas que seja extinto, preservando-se a eficácia da decisão antecipatória de tutela. Desse modo, nem se concede definitivamente a tutela (decisão de mérito), nem se cassa a decisão com a extinção do processo.

No que aqui nos interessa, importa questionar se a antecipação de tutela concedida pelo Judiciário em procedimento anterior à instituição da arbitragem, na forma do art. 22-A da Lei de Arbitragem, poderia tornar-se estável, se contra a decisão que a concede não for interposto o respectivo recurso.

Entendemos que não tendo havido interposição de recurso pelo réu, não se dará a estabilização da tutela, justamente porque a lide só poderá ser solucionada (mesmo que faticamente, como faz a estabilização) pela arbitragem, por expressa disposição das partes.

Assim, o art. 22-A da Lei de Arbitragem outorga ao Judiciário apenas o poder de conceder medidas de natureza urgente e, por consequência, provisória, o que deve ser interpretado de maneira restrita, ao menos nesse particular, tendo em vista a necessidade de ser preservada a liberdade contratual das partes, ao firmarem a convenção de arbitragem.

Violaria tal liberdade a pura e simples aplicação do Código de Processo Civil ao procedimento arbitral, notadamente pelo fato de que não há aplicação subsidiária automática daquela norma, mas apenas em caso de expressa disposição das partes.

Assim, afigura-se correto afirmar que o art. 304 do Código de Processo Civil de 2015 destina-se, justamente, ao processo judicial, não devendo ser aplicado à arbitragem, sede em que prevalece a liberdade contratual das partes, respeitadas, é claro, as questões de ordem pública.

Portanto, ainda que seja concedida pelo Judiciário uma medida de natureza antecipatória de tutela, ela não poderá se tornar estável, tendo em vista que as próprias partes, no âmbito da liberdade atribuída pelo art. 1º da Lei de Arbitragem, elegeram a arbitragem como ambiente adequado para compor os litígios decorrentes de determinada relação jurídica.

Ou seja, enquanto não instituída a arbitragem, caberá à parte que se vê diante de situação de urgência, socorrer-se do Poder Judiciário, fazendo-o por meio dos procedimentos antecedentes previstos pelos arts. 303 e 305 do Código de Processo Civil de 2015, acrescentando-se que os requisitos autorizadores para a concessão da medida são aqueles previstos no art. 300 do Código de Processo Civil, isto é, o fumus boni juris e o periculum in mora[11].

 

  1. O requerimento da instituição da arbitragem após a concessão de tutela de urgência

 

         Concedida a medida e implementada no mundo empírico, terá a parte o prazo de 30 dias para requerer a instituição da arbitragem, conforme prevê o parágrafo único do art. 22-A.

         Vale destacar o acerto da previsão legal que trata da necessidade de requerimento para instituição da arbitragem, e não da instituição da arbitragem em si, já que a instituição não depende apenas da atuação da parte que obteve uma tutela de urgência concedida pelo Poder Judiciário.

         Mesmo antes da edição da Lei 13.129/2015, a doutrina já apontava a necessidade de que o autor do pedido de tutela de urgência demonstrasse a adoção de todas as providências que caberiam a ele para ver instituída a arbitragem. Não se exigia, então, que houvesse a instituição da arbitragem, propriamente dita, no prazo de 30 dias.

Confira-se, nesse sentido:

Caberá ao autor, portanto, no prazo de 30 (trinta) dias contados na forma do art. 806 já referido, demonstrando que tomou as medidas necessárias para a instituição da arbitragem. A prova a que está adstrito o autor, sob pena de cessação da eficácia da medida cautelar (art. 808, I, Código de Processo Civil) é no sentido de que tomou as providências tendentes à nomeação de árbitros (notificação à parte contrária na arbitragem ad hoc, notificação ao órgão arbitral institucional na arbitragem administrada), não sendo exigível que no trintídio demonstre o requerente que os árbitros aceitaram o encargo (ou seja, que a arbitragem está instituída). [12]

         Dessa forma, preservar-se-á a eficácia da decisão que concede a tutela provisória se, no prazo de 30 dias, for requerida a instituição da arbitragem, de modo tal que mesmo não havendo a instituição em referido prazo, manter-se-á plenamente eficaz a decisão.

         É relevante considerar, além disso, que este prazo não se inicia da intimação da decisão liminar, prolatada no bojo do procedimento antecedente, mas da efetivação da tutela cautelar ou antecipada concedida, o que na prática pode importar em maior prazo ao autor do pedido, caso a efetivação da medida, como é comum, não ocorra na mesma data em que é deferida a tutela.

         O disposto no parágrafo único, do art. 22-A, da Lei de Arbitragem, em muito se assemelha aos arts. 308, caput (“Art. 308.  Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais”) e 309, caput e inciso I (“Art. 309.  Cessa a eficácia da tutela concedida em caráter antecedente, se: I - o autor não deduzir o pedido principal no prazo legal”) do Código de Processo Civil de 2015, que prescrevem o prazo de iguais 30 dias para que o autor do procedimento antecedente de tutela cautelar deduza o pedido principal, sob pena de cessação da eficácia da decisão que lhe beneficiou.

         O prazo de 30 dias previsto no art. 22-A da Lei de Arbitragem tem, assim como o prazo previsto na lei processual, natureza decadencial, o que significa dizer que se ele não for observado, a parte perde o direito a manter-se acautelada (em sentido amplo, englobando-se a tutela cautelar e antecipatória de tutela) enquanto se processa a arbitragem e, portanto, enquanto não obtém decisão de mérito a seu favor, ressalvando-se, é claro, a possibilidade de ser concedida uma nova medida pelos árbitros.

         É importante destacar, todavia, que o referido prazo atinge apenas o direito à tutela de urgência, não podendo influenciar, em hipótese alguma, o julgamento de mérito em si. Assim, a parte continuará a ser titular do direito (direito por ela alegado, é claro), que não será atingido caso a parte não requeira a instauração da arbitragem no prazo legal de 30 dias.

         Além disso, ainda que o parágrafo único, do art. 22-A, da Lei de Arbitragem tenha certa relação com dispositivos do Código de Processo Civil de 2015 relativos à tutela cautelar requerida de forma antecedente, é certo que no âmbito da arbitragem os 30 dias aplicam-se a quaisquer das espécies de tutela de urgência (cautelar ou antecipada), indistintamente.

         Portanto, uma vez concedida, pelo Poder Judiciário, a medida cautelar ou antecipatória de tutela em caráter antecedente à arbitragem, caberá ao autor requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 dias. Caso o faça, preservar-se-á a eficácia da decisão proferida pelo Poder Judiciário, ao menos até que o árbitro (ou os árbitros) reveja a decisão, conforme faculta o art. 22-B da Lei de Arbitragem. Por outro lado, caso não o faça, ainda assim será possível ver instituída a arbitragem (após provocação da parte interessada, é claro), mas a medida de urgência não mais terá efeito.

         Por fim, é importante destacar que muito embora esteja prevista no art. 22-A da Lei de Arbitragem a possibilidade de submeter-se ao Poder Judiciário a análise das medidas urgentes, quando ainda não instituída a arbitragem, não resta excluída a possibilidade de ser nomeado árbitro de emergência, também chamado de árbitro de apoio.

         Caso conste tal possibilidade no regulamento da câmara arbitral eleita pelas partes na convenção de arbitragem, será possível que a parte que se estiver em situação de urgência requeira à câmara arbitral a imediata nomeação de árbitro, a fim de obter com brevidade uma tutela de urgência.

         Tal como se dá no processo civil e também no próprio processo arbitral, a decisão que concede tutela de urgência ao autor é provisória, não havendo qualquer vinculação do tribunal arbitral em relação a ela. Dessa forma, instituída a arbitragem, poderá a decisão, de igual modo, ser revista pelos árbitros.[13]

 

  1. A posição do árbitro frente à tutela de urgência concedida pelo Poder Judiciário

 

Prevê o caput do art. 22-B da Lei de Arbitragem, em resumo, que ao árbitro (ou aos árbitros), caberá a manutenção ou alteração da tutela de urgência concedida pelo Poder Judiciário antes da instituição da arbitragem.

Antes da edição da Lei 13.129/2015, nada falava a Lei de Arbitragem a respeito da possibilidade de o tribunal arbitral rever a decisão proferida pelo Poder Judiciário, antecedentemente à instauração da arbitragem.

Diante dessa omissão legislativa, chegou-se a afirmar que a decisão proferida pelo juiz togado deveria manter-se eficaz até decisão final na arbitragem. Foi o que escreveu Joel Dias Figueira Júnior, para quem não era dado ao árbitro quando instaurado posteriormente o juízo privado, revogar ou modificar a providência acautelatória concedida ou denegada”, completando que “assim deve ser porque a soberania das decisões do Poder Judiciário se sobrepõe à instauração posterior de jurisdição paraestatal ou, ainda, porque os litigantes não firmaram compromisso arbitral que viabilizasse a propositura de ação cautelar perante o árbitro ou tribunal arbitral. Em outros termos, não há como se questionar a tutela acautelatória concedida ou rejeitada pelo Estado-juiz por força da coisa julgada decorrente da decisão proferida em ação acessória preparatória.[14]

Contudo, referida posição não prevaleceu, firmando-se o entendimento de que aos árbitros era assegurada a prerrogativa de alterar o conteúdo da decisão anteriormente proferida pelo Poder Judiciário, a quem compete a concessão de tutelas de urgência enquanto não for instituída a arbitragem.

Nesse sentido, escreveu Carlos Alberto Carmona: Concedida a medida, cessa a competência do juiz togado, cabendo aos árbitros, tão logo sejam investidos no cargo, manter, cassar ou modificar a medida concedida.[15]

Também, Paulo Osternack Amaral expressou seu entendimento no sentido de que, após a instituição da arbitragem, cessa a competência estatal, impondo-se a remessa dos autos (e do eventual agravo de instrumento) ao juízo arbitral, podendo o árbitro rever a medida urgente anteriormente apreciada pelo juiz estatal.[16]

E ainda, Francisco Cahali: A tutela cautelar, se deferida, prevalece. Porém, ao árbitro (ou painel) é facultada, até mesmo de ofício, a reapreciação da medida, mantendo, revogando ou alterando a decisão. Também se já revista a cautelar em sede de tribunal estatal (no julgamento de agravo de instrumento ou liminar deste recurso), mantendo ou reformando decisão original de primeiro grau, tem o juízo arbitral a autoridade para novo exame da medida, pois a ele, agora, é outorgada a jurisdição plena sobre a matéria.[17]

Assim, ainda antes da entrada em vigor da Lei 13.129/2015, a grande maioria da doutrina já entendia que os árbitros poderiam rever a decisão judicial que concedia ou negava a tutela de urgência pleiteada pela parte em momento anterior à instituição da arbitragem, posição que restou encampada pela atual legislação.

Isso porque, antes de ser instituída a arbitragem, os árbitros não possuem jurisdição sobre o conflito. Portanto, somente o Poder Judiciário contará com poder jurisdicional capaz de solucionar, provisoriamente, o conflito de interesses e, principalmente, a situação de urgência (ressalvada, é claro, a possibilidade de nomeação de árbitro de emergência).

Porém, uma vez instituída a arbitragem, os árbitros passam a ter o poder jurisdicional sobre o conflito, excluindo-se a jurisdição estatal, por expressa manifestação de vontade das partes, que escolheram a arbitragem. Ou seja, pode-se afirmar que, com a instituição da arbitragem, a “jurisdição arbitral” se sobrepõe, substitui, a jurisdição estatal.

Assim, não se afigura correto que as partes que decidiram submeter à arbitragem a solução de um litígio (nos termos do art. 1º, da Lei de Arbitragem), ficassem vinculadas a decisão judicial provisória, em detrimento da livre atuação dos árbitros escolhidos para dirimir a controvérsia.

Portanto, uma vez instituída a arbitragem, os árbitros poderão livremente apreciar a manutenção, alteração ou revogação da tutela cautelar ou antecipatória concedida pelo Poder Judiciário.

Do mesmo modo, caso não tenha sido concedida a medida pelo órgão do Poder Judiciário, será lícito ao árbitro concedê-la, sem qualquer necessidade de demonstrar as razões pelas quais estaria incorreto o juízo estatal, bastando que analise o preenchimento dos requisitos para concessão de tutelas de urgência, isto é, o fumus boni juris e o periculum in mora.

Por outro lado, sobre a concessão de tutelas de urgência quando já houver sido instituída a arbitragem, o parágrafo único do art. 22-B, da Lei de Arbitragem dispõe que a competência para apreciar o pedido será do próprio tribunal arbitral, e não mais do Poder Judiciário.

Trata-se de norma que referenda o anteriormente exposto, pois se as partes livremente atribuem ao juízo arbitral o poder de decidir a lide, é imprescindível que os árbitros tenham poderes suficientes para tornar efetiva a prestação jurisdicional.

Como visto, as tutelas de urgência estão intimamente ligadas à garantia constitucional do acesso efetivo à Justiça, ou seja, o acesso a uma prestação jurisdicional que possua instrumentos aptos a resolver situações de urgência, impedindo danos aos litigantes.

Por tal motivo, a lei estabelece, com clareza, que os árbitros serão competentes não apenas para proferir o julgamento final da lide, mas também para apreciar os pedidos de tutela de urgência que forem formulados no curso do processo arbitral. E isso porque – vale repetir – as tutelas de urgência, muitas vezes, são indispensáveis para a adequada prestação da tutela jurisdicional.

No entanto, muito embora os árbitros tenham poder para conceder a tutela provisória, a sua implementação na ordem prática, caso haja resistência da parte contrária, deverá ser feita pelo Poder Judiciário, já que os árbitros não gozam do “poder de império” para fazer aplicar sua decisão de maneira forçada.[18]

Assim, por exemplo, não é dado ao árbitro imiscuir-se no patrimônio do devedor para de lá retirar quantia suficiente para garantir o pagamento de determinada obrigação pecuniária.

Para a implementação forçada de uma medida provisória, é preciso que o tribunal arbitral se comunique com o juízo estatal, o que deve ser feito por meio da carta arbitral, de que trata o art. 22-C da Lei de Arbitragem e também os arts. 260, §3º e 267 do Código de Processo Civil de 2015.

Relevantes as ponderações de Sérgio Bermudes – escritas antes da Lei 13.129/2015 – sobre a possibilidade de concessão de medidas de urgência pelos árbitros, independentemente de carecerem do poder de império:

Não faria sentido poderem os árbitros proferir sentença produtora (por certo, dentro dos limites subjetivos da coisa julgada) dos mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (art. 31), consistente, quando condenatória, num título executivo judicial (CPC, art. 585, III), sem que pudessem determinar as providências assecuratórias da eficácia desses julgados. Por isso, há que se entender que os árbitros, posto que algo insuficiente a lei quanto à explicitação desse aspecto, dispõem do poder cautelar necessário à garantia da eficácia das suas decisões. Falta-lhes, isso sim, o poder de efetivar essas decisões pela força. Podem, contudo, decretá-las, pressupondo o acatamento das partes, possível também a cooperação do órgão judicial. Não se esqueça de que, alternativa do processo judicial, a arbitragem, conquanto não se destine a aliviar o judiciário, embora produza também essa consequência prática, não deve onerá-lo, pela instauração de um processo judicial paralelo ao arbitral. [19]

Ou seja, caberá ao juízo estatal – apenas e tão somente – efetivar a medida concedida pelos árbitros.

Note-se que não é dado ao juiz togado rever a decisão proferida pelos árbitros, pois entre o juízo estatal e o juízo arbitral deve haver cooperação, sem qualquer grau de hierarquia, como bem aponta Francisco Cahali: são funções complementares, e não concorrentes. A um juízo caberá a decisão; ao outro, a efetivação do decidido. Tudo sem hierarquia ou subordinação, pois são tarefas distintas decorrentes dos poderes e atribuições de cada qual no sistema jurídico.[20]

Em igual sentido, escreve Carmona:

Árbitro e juiz togado estão em posição de colaboração (Coordenação, portanto) e não de subordinação. Isto explica por que o juiz togado não poderá, por exemplo, examinar o mérito da decisão do árbitro relativamente à necessidade e conveniência de ouvir uma testemunha que se recusa a comparecer à audiência por ele, árbitro, designada. Do mesmo modo, se o árbitro antecipar tutela ou conceder medida cautelar, não caberá ao juiz reexaminar a presença dos requisitos para a concessão da tutela de urgência. Em outros termos, a função jurisdicional será dividida entre árbitros e juiz, segundo a competência de cada um: ao árbitro toca decidir, ao juiz tocar executar, sem que se possa imaginar qualquer demérito para o juiz estatal ou subordinação deste ao árbitro.[21]

Deve-se ter presente, ainda, que a decisão arbitral não está sujeita a recurso ao Poder Judiciário, conforme expressamente prevê o art. 18 da Lei de Arbitragem, sendo por ele apreciada apenas se houver alegação de nulidade, na forma do art. 33 da Lei de Arbitragem. O mérito, portanto, não será rejulgado por órgão estatal.

De igual modo, a decisão que concede tutela de urgência não estará sujeita à reapreciação ou homologação pelo Poder Judiciário, ainda que ele tenha sido provocado a atuar, a fim de implementar, na prática, a medida. Sobre isso, relevantes as observações de Flávio Yarshell: Quando se trata de decidir se a medida de urgência deve, ou não, ser determinada, essa prerrogativa é exclusiva do árbitro e escapa ao controle judicial o mérito da correspondente decisão. Em contrapartida, deduzido o pedido perante o árbitro - como deve ocorrer - não poderá a parte, diante de eventual negativa, pretender o socorro estatal subsidiário.[22]

Não caberá ao juízo estatal, portanto, rever a decisão provisória proferida pelos árbitros, podendo, apenas, negar cumprimento à carta arbitral nas hipóteses previstas pelo art. 267 do Código de Processo Civil de 2015, que se referem, de igual modo, às cartas precatórias.

Portanto, presentes os requisitos legais, é verdadeiro dever dos árbitros a concessão de tutelas de urgência no curso da arbitragem, na medida em que estão obrigados a prestar a tutela jurisdicional de maneira efetiva e adequada.

Fazendo-se necessária a implementação forçada da medida, será preciso que haja cooperação do Poder Judiciário, que goza de “poder de império” para o cumprimento das decisões. De qualquer forma, não caberá ao Judiciário modificar, em qualquer sentido, a decisão proferida pelos árbitros, limitando-se a analisar os eventuais óbices ao cumprimento da carta arbitral, expressos no art. 267 do Código de Processo Civil.

 

  1. Conclusão

 

Como visto, a questão que envolve as tutelas de urgência na arbitragem é de especial importância.

Enquanto exercício de atividade jurisdicional, a arbitragem deve garantir que as suas decisões sejam úteis às partes, no tempo em que forem proferidas. E isso porque é inerente à atividade jurisdicional a concessão de medidas que preservem o direito das partes antes da decisão final.

Como analisado, há situações em que a concessão de medidas de urgência não pode aguardar a instauração da arbitragem. Para solucionar essas situações, foi benvinda a alteração legislativa que fez constar, de maneira clara, na Lei de Arbitragem, a possibilidade de se requerer ao Poder Judiciário uma medida de urgência, enquanto não instituída a arbitragem. Nessa hipótese, aliás, cremos ser adequada a utilização dos procedimentos antecedentes previstos nos arts. 303 e 305 do Código de Processo Civil de 2015, pois não há, em tais procedimentos, a necessidade de formulação de pedido de mérito.

Por outro lado, é preciso observar que não haverá possibilidade de estabilização da tutela de urgência antecipada, pois na arbitragem pressupõe-se a prévia renúncia das partes contratantes à jurisdição estatal, em prol da jurisdição arbitral. Desse modo, violaria a liberdade contratual a possibilidade de estabilização da decisão judicial de urgência.

Ainda, mesmo que concedida a tutela de urgência pelo Poder Judiciário, estarão os árbitros livres para reapreciar os pleitos formulados, justamente porque eles detém o poder jurisdicional. É preciso, apenas, que sejam reapreciados os requisitos autorizadores da concessão de tutelas dessa natureza.

Por derradeiro, é certo dizer que os árbitros poderão conceder (ou negar) tutelas de urgência requeridas no curso da arbitragem, pois essa faculdade é inerente ao poder jurisdicional exercido pelos árbitros.

 

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[1] Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da PUCSP, doutorando em Direito Civil Comparado pela Faculdade de Direito da PUCSP, advogado. ardantas@terra.com.br         

 

[2] FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Manual de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 92-96.

[3] Nesse sentido, i.e., ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 4ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 65; ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 16ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 208-212; COSTA, Nilton César Antunes da. Efeitos Processuais da Convenção de Arbitragem. Campinas: Servanda Editora, 2006, p. 48-50; CARNEIRO, Athos Gusmão, Arbitragem. Cláusula Compromissória. Cognição e “Imperium”. Medidas Cautelares e Antecipatórias. “Civil Law” e Common Law”. Incompetência da Justiça Estatal; JFIGUERIRA JUNIOR, Joel Dias, Acesso à jurisdição arbitral e os conflitos decorrentes das relações de consumo, Revista de Direito do Consumidor | vol. 37 | p. 92 | Jan / 2001DTR\2001\699; ANDRIGHI, Fátima Nancy, Conflito de Competência nº 113260/SP - 2010/0139887-0; CARMONA, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo, Ed. Atlas, 3ª Edição, 2009, pp. 26-27; ROCHA, Caio Cesar Vieira, Conflito positivo de competência entre árbitro e magistrado, Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 34 | p. 263 | Jul / 2012DTR\2012\450623; FONSECA, José Arnaldo da, Jurisdição estatal e jurisdição arbitral: conflito aparente, Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 23 | p. 49 | Out / 2009DTR\2009\860; MARTINS, Pedro A. Batista, A Arbitragem no Brasil, in www.batistamartins.com; VALENÇA FILHO, Clávio de Melo, Poder Judiciário e Sentença Arbitral – Curitiba, Juruá, p. 46 e ss., Apud, Donaldo Armelin, Arbitragem, Antecipação dos efeitos da tutela. Ação de Instituição de arbitragem procedente. Eficácia Imediata. Embora pendente Apelação sem efeito suspensivo. Competência do tribunal arbitral para a concessão de antecipação dos efeitos da tutela, in Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 6 | p. 217 | Jul / 2005DTR\2011\4431; NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade, Código de Processo Civil Comentado e Legislação extravagante, 10a edição, Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 165.  

 

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 166.

[5] ALVIM, Eduardo Arruda. Antecipação da Tutela. 1ª Ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 28.

[6] COSTA, Nilton César Antunes da. Poderes do Árbitro – de acordo com a Lei 9.307/96. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 103.

[7] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processoum comentário à Lei 9.307/96. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 216; COSTA, Nilton César Antunes da. Poderes do Árbitro – de acordo com a Lei 9.307/96. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 105; ROCHA, Caio César Vieira. Medidas Cautelares e Urgentes na Arbitragem: nova disciplina normativa In ROCHA, Caio César Vieira; SALOMÃO, Luis Felipe. Arbitragem e Mediação: a reforma da legislação brasileira. São Paulo: Atlas, 2015, p. 50-51.

[8] Assim já pensava Eduardo Arruda Alvim, ainda durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Antecipação da Tutela. 1ª ed. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 161).

[9] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MIDIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. Vol. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 214-218.

[10] TALAMINI, Eduardo. Tutela De Urgência No Projeto De Novo Código De Processo Civil: A Estabilização Da Medida Urgente E A "Monitorização" Do Processo Civil Brasileiro. In Revista de Processo. Vol. 209. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 13-34; DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 604-605.

[11] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 56ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015, p. 609.

[12] CARMONA, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo – Um Comentário à Lei n 1º 9.307/96, Editora Atlas, 3ª Edição, 2009, p. 327. Na mesma linha, “Para efeito do cumprimento do prazo de 30 dias para a propositura da ação principal, considera-se a iniciativa da parte em provocar o início da arbitragem, por quaisquer das formas possíveis. Ou seja, até mesmo o encaminhamento de correspondência convocando o adversário para assinar o compromisso (art. 6º da lei 9.307/96) é suficiente para atender a exigência legal. Em outros termos, tal como para se ter por interrompida a prescrição, deve a parte adotar as providências pertinentes à instauração do juízo arbitral, considerada a diversidade de situações possíveis de acordo com a convenção e o regulamento de arbitragem escolhido” (CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 230-231).

[13] Em igual sentido: GUILHARDI, Pedro. Medidas de Urgência na Arbitragem. In Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 49. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 80.

[14] FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias, Arbitragem, jurisdição e execução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 224.

[15] CARMONA, Carlos Alberto, Arbitragem e Processo– Um Comentário à Lei n 1º 9.307/96. 3º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2009. p. 327.

[16] AMARAL, Paulo Osternack. A concessão de medidas urgentes em processo arbitral envolvendo o Poder Público. In Revista de Processo. Vol. 157. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2008, p. 18.

[17] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 231.

[18] Entendendo dessa maneira, DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria Geral do Novo Processo Civil – de acordo com a Lei 13.256 de 4.2.2016. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 79.

[19] BERMUDES, Sergio. Reflexões sobre a arbitragem. MARTINS, Pedro A. Batista; GARCEZ, José Maria Rossani (coordenadores). In memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: Editora LTr, São Paulo, 2002, p. 279-281.

[20] CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 240.

[21] CARMONA, Carlos Alberto. O Processo Arbitral In Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 30.

[22] YARSHELL, Flávio Luiz. Brevíssimas notas a respeito da produção antecipada de provas na arbitragem. In Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 14.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 53.

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