Tutela jurídica do nascituro e do direito fundamental à vida sob o prisma do Biodireito

Por Conceicao de Maria Miranda Pereira | 18/07/2017 | Direito

Conceição de Maria Miranda Pereira[1]

Lorena de Viveiros Riosa[2]

 

Sumário: 1 Introdução; 2 A tutela civil do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro; 2.1 Conceito de nascituro; 2.2 Marco inicial da vida em âmbito jurídico; 2.3 Proteção jurídica do nascituro; 3 O Biodireito frente ao direito fundamental à vida; 3.1 Considerações acerca do Biodireito; 3.2 Princípios Bioéticos; 3.3 O direito fundamental à vida como parâmetro ao Biodireito; 4 Tutela jurídica do nascituro e o direito fundamental à vida à luz do Biodireito; 5 Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

A tutela jurídica do nascituro e do direito fundamental à vida sob o prisma do Biodireito. É abordada inicialmente em meio a uma análise da tutela civil do nascituro no presente ordenamento pátrio através da definição deste nascituro para posteriormente apresentar o marco inicial da vida no mundo jurídico e nesta perspectiva explanar acerca da proteção jurídica do nascituro. E diante disto será explanado Biodireito frente ao direito fundamental à vida a partir das noções basilares deste Biodireito, dos princípios bioéticos e compreensão do direito fundamental à vida como parâmetro a este Biodireito. Por fim, apresentara-se a tutela jurídica prestada ao nascituro a partir da garantia do direito fundamental à vida à luz do Biodireito.

PALAVRAS-CHAVE: Biodireito. Nascituro. Direito à vida.

 

1 INTRODUÇÃO

 

            A atual conjuntura social é marcada por avanços científicos e tecnológicos que propiciam novas e revolucionárias transformações na seara da biotecnologia. À face dessa situação tem surgido a preocupação acerca dos avanços nas ciências ético-jurídicas, na tentativa de fazê-las acompanhar o compasso do avanço da biotecnologia. Destarte, “o direito, que busca regular as condutas humanas, não pode vendar seus olhos perante esta nova realidade, que se mostra cada vez mais presente no cotidiano não apenas do meio científico e acadêmico, mas no dia a dia do cidadão comum” (MORAES; PEIXOTO, 2012).

Nesta perspectiva, existem as discussões acerca do início da personalidade jurídica do nascituro são diversas. Há várias teorias doutrinárias a esse respeito, tais como: a corrente natalista, a da personalidade condicionada e a conceptista. Significa dizer, assim, que o ser humano tem se ocupado com temas como o início e o fim da vida, fazendo-se importante o reconhecimento do direito fundamental à vida.

Dessa forma, a tratativa que o Direito dispensar à regulamentação dessas condutas, deve conectar-se indissoluvelmente à valores, tais quais, o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, envolvendo, assim, o Biodireito, que objetiva determinar os limites de licitude do progresso científico, observando a finalidade ética do ordenamento jurídico.

Com isso, surge-nos o interesse em aprofundarmos os estudos sobre a tutela jurídica do nascituro e frente ao direito fundamental à vida sob o prisma do Biodireito, já que a discussão acerca da personalidade jurídica do nascituro ocupa um lugar de destaque na disciplina jurídica. Diante disso, propomo-nos a estudar o tema supracitado, com o suporte teórico do Direito de Família e Sucessões, estudo este que nos proporcionará um satisfatório desempenho acadêmico e profissional, bem como na nossa formação e atuação enquanto cidadãos conscientes de nossos direitos.

Diante disto nos propomos a reconhecer a tutela jurídica do nascituro e do direito fundamental à vida sob o prisma do Biodireito ao apontar a tratativa do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro, além de apresentar os fundamentos do Biodireito frente ao respeito ao direito fundamental à vida e demonstrar a tutela jurídica prestada ao nascituro, assegurado o direito fundamental à vida à luz do Biodireito.

 

2 A TUTELA CIVIL DO NASCITURO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

2.1 Conceito de nascituro

 

A expressão nascituro provém do latim “ naciturus”, que significa aquele que há de nascer, que está concebido no ventre materno, ou seja, está em vida intrauterina aguardando o nascimento. E assim Maria Helena Diniz entende nascituro como aquele indivíduo que apesar de ainda não ter nascido tem os direitos resguardados em lei (TARTUCE, 2007)

Nesta mesma perspectiva Venosa (2013) define nascituro como “um ente já concebido que se distingue de todo aquele que não foi ainda concebido e que poderá ser sujeito de direito no futuro, dependendo do nascimento”. A seu turno, Rubens Limongi França (1996) diz que “nascituro é aquele que há de ou deve nascer. Distingue-se da prole eventual. Também protegida pelo Direito e a diferença específica, face à ciência jurídica, está no fato de ser, o nascituro, o ente já concebido no ventre materno”.

Dessarte, partindo da definição de nascituro como aquele que se encontra no ventre materno podemos entender como nascituro nos casos de fertilização in vitro o embrião quando implantado no útero. Conforme o artigo segundo do Código Civil de 2002 os direitos do nascituro existem desde a concepção, ou seja, momento em que o mesmo adquire personalidade jurídica. Porém há interessantes discursões doutrinárias quanto à existência de personalidade jurídica do embrião, uma vez que o Código Civil não foi tão claro quanto a personalidade deste nascituro (VENOSA, 2013).

Assim, diante dos grandes avanços das técnicas de reprodução assistida e das inovações jurídicas quanto ao embrião pré-implantado existem os adeptos da corrente doutrinária que entende que a personalidade jurídica mencionada no artigo segundo do CC/02 abrange também o embrião conforme sustenta Silmara Chinelato:

O conceito de nascituro abarca, portanto, o conceito de embrião, sendo desastroso a separação jurídica ou legislada dos termos, pois que pode trazer mais confusão do que solução, pela interpretação (errada) de que sejam diferentes casos. Embrião, afinal, é singularmente um dos estágios de evolução do ovo, que se fará nascituro. Ainda que não implantado, o embrião está concebido e, desde que identificado com os doadores de gametas, a ele será possível conferir herança, assim como ao nascituro, eis que o art. 1798 do Código Civil admite estarem legitimados a suceder não apenas as pessoas nascidas, mas também aquelas concebidas ao tempo da abertura da sucessão (apud TARTUCE, 2007, p. 7).

 

Por fim, a contraponto, Maria Helena Diniz adere ao entendimento doutrinário que o embrião não está inserido na definição de personalidade jurídica do nascituro, uma vez que o mesmo é produto da fecundação do ovulo com o espermatozoide e tem uma vida extrauterina. E diante desta situação, a doutrinadora elabora a proposta legislativa que inspira a criação do PL n. 6960/2002 para acrescentar a expressão embrião no artigo 2º do CC/02 (TARTUCE, 2007).

 

2.2 Marco inicial da vida em âmbito jurídico

 

A vida, diante da perspectiva biológica, é o conjunto de qualidades e propriedades que mantém os seres vivos em atividade continua, e pode ser observada através do desempenho das funções orgânicas, metabolismo, reprodução e reação a estímulos nestes.

Diante disto, surgem as teorias jurídicas para explicar a origem da vida e consequentemente determinar o momento do início da vida do embrião e do nascituro, visto que, o ordenamento jurídico brasileiro, através do Código Civil, estabelece que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, salvaguardando desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2º). Isso significa que embora o nascituro não seja considerado pessoa, tem proteção legal de seus direitos desde a concepção.

Contudo, o entendimento sobre o início da personalidade civil do ser humano fez surgir teorias na tentativa de defini-la, já que é a partir de sua obtenção que a pessoa adquire direitos e contrai obrigações. Então, foram criadas teorias para definir-se o início da personalidade civil do ser humano. São elas: a teoria natalista, a teoria da personalidade condicionada e a teoria concepcionista.

Para a teoria natalista, a personalidade civil do homem começa com seu nascimento com vida, de modo que, o nascituro não é considerado pessoa e somente tem expectativa de direito. Ou seja, o nascituro não tem personalidade jurídica nem capacidade de direito. Por sua vez, a teoria da personalidade condicionada, defende que o início da personalidade de alguém começa a partir da concepção, mediante a condição suspensiva do nascimento com vida. Significa, portanto, que se o nascituro nascer com vida a sua personalidade retroage à data de sua concepção (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008).

Por último, a teoria concepcionista sustenta que a personalidade do homem começa a partir da concepção, porque, desde tal momento, o nascituro é considerado pessoa. Assim, o nascituro é considerado pessoa, possuindo direitos legalmente assegurados, uma vez que somente as pessoas são sujeitos de direito e, portanto, detêm personalidade jurídica (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008).

 

2.3 Proteção jurídica ao nascituro

 

O Código Civil de 2002 (CC) adotou a teoria concepcionista, considerando que apesar do ordenamento jurídico brasileiro ao tratar do nascituro no artigo 2º do CC afirma que uma pessoa somente está apta a adquirir direitos diante do nascimento com vida, declara claramente que os direitos do nascituro devem ser garantidos desde a concepção. Direitos estes, como o direito à vida que permite a punição da prática de aborto no ordenamento jurídico pátrio, o direito a proteção da dignidade, da honra e da integridade física do nascituro (TARTUCE, 2007).

Ademais, a Constituição Federal assegura os direitos deste nascituro, uma vez que no artigo 225 CF ao proteger o Bem Ambiental, menciona que deve ser garantido as presentes e futuras gerações o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, comprovando assim que este nascituro apresenta personalidade jurídica. Tendo em vista que a proteção às futuras gerações se relaciona as pessoas concebidas e não nascidas, o chamado direito transgeracional (TARTUCE, 2007).

Independentemente da teoria adotada, é consenso entre os doutrinadores de que o nascituro é um ser vivo e que tem direitos desde a sua concepção. De acordo com Venosa (2013), o nascituro pode ser objeto de reconhecimento voluntário de filiação (art. 1609, parágrafo único); deve-se-lhe nomear curador se o pai vier a falecer estando a mulher grávida e não detiver o pátrio poder (art. 1779); pode ser beneficiário de uma doação feita

pelos pais (art. 542), bem como adquirir bens por testamento. Oliveira e Queiroz (2008) também discorrem acerca de alguns dos direitos assegurados ao nascituro, seja qual for a doutrina adotada. Dentre eles, o direito dos alimentos, o direito à curatela e o direito à vida.

Isto sem mencionar que, o nascituro apresenta direitos para além dos previstos no Código Civil de 2002, como o direito de ser beneficiário de estipulação em favor de terceiro, de ter assegurado direitos previdenciários e trabalho na situação em que o mesmo terá direito pensão diante de acidente de trabalho que os pais tenham sofrido e o direito de ser beneficiário de seguro de vida (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008).

O que o legislador civilista não previu, no entanto, foi a possibilidade de haver concepção humana extrauterina, o caso da reprodução assistida. Desse modo, diante da necessidade de um controle com a crescente utilização de tecnologias cada vez mais numerosas nas práticas médicas, surgiu a Bioética.

 

3 O BIODIREITO FRENTE AO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA

 

3.1 Considerações acerca do Biodireito

 

As novas biotecnologias e descobertas cientificas tem avançado rapidamente demandando assim um conhecimento acerca da Bioética e do Biodireito, uma vez que o Direito como regulador das condutas humanas não pode deixar tais fatos obscuros, visto ser esta uma realidade cada vez mais comum no meio cientifico, acadêmico e até no mesmo no dia-dia da sociedade (MORAES; PEIXOTO, 2012).

Nesse sentido, cabe à Bioética o papel de suscitar questões, assinalar inquietações, ajustar as possibilidades de acerto e de erro, de benefício e de malefício, “decorrentes do desempenho indiscriminado, não-autorizado, não limitado e não-regulamentado de práticas biomédicas que possam afetar, de qualquer forma, o cerne da vida humana sobre a terra, vale dizer, a dignidade da pessoa humana” (HIRONAKA, 2001).

Entretanto, não cabe à Bioética decidir que tipo de humanidade e atual e as futuras gerações querem para si. Este é o papel do que se convencionou denominar de Biodireito. Dessa forma:

O papel do direito não é o de cercear o desenvolvimento científico, mas, justamente o de traçar aquelas exigências mínimas que assegurem a compatibilização entre os avanços biomédicos que importam na ruptura de certos paradigmas e a continuidade do reconhecimento da Humanidade enquanto tal, e, como tal, portadora de um quadro de valores que devem ser assegurados e respeitados (HIRONAKA, 2001).

 

Dessarte, o Direito direciona-se para organizar e não limitar as liberdades que decorrem da biotecnologia, a fim de resguardar a sua função maior de proteger e garantir os valores fundamentais dos seres humanos. Este Biodireito é revestido de uma Bioética que através deste novo viés jurídico irá continuar a garantir a dignidade humana e o direito à vida de toda a humanidade (MORAES; PEIXOTO, 2012).

Portanto, diante dos constantes avanços e descobertas da biotecnologia se faz necessário a limitação conforme os contornos legais destas atividades por parte dos juristas, uma vez que até o momento não há plena regulamentação destas atividades indispensáveis a sobrevivência humana, conforme os padrões da dignidade e da ética. Visto que as leis e códigos antigos que eram referência e medida as condutas da sociedade tornaram-se obsoletas e insuficientes diante da nova realidade que emerge (HIRONAKA, 2001).

 

3.2 Princípios Bioéticos

 

Para orientar os cientistas e pesquisadores quando no desenvolvimento de experimentações que envolvessem seres humanos, a doutrina estabeleceu princípios que regem e orientam os estudos da bioética, dos quais se destacam: o da autonomia, da beneficência, da não-maleficência e o da justiça.

O princípio da autonomia relaciona-se com a capacidade de autogoverno e autodeterminação do paciente, podendo o mesmo dispor sobre a própria vida e saúde. Porém, deve integrar este princípio o consentimento informado, ou seja, o paciente deve ser informado pelo profissional de saúde acerca da sua situação e quais os procedimentos disponíveis, além disto o paciente deve compreender o que lhe fora dito (MORAES; PEIXOTO, 2012).

Diz respeito à capacidade que tem a racionalidade humana de fazer leis para si mesma. Significa a capacidade de autogovernar-se. Dela deriva a regra da veracidade. O princípio da autonomia, denominação mais comum pela qual é conhecido o princípio do respeito às pessoas, exige que aceitemos que elas se autogovernem, ou seja, autônomas, quer na sua escolha, quer nos seus atos (...). Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida e o respeito a sua intimidade. Emerge na relação médico-paciente, considerando-a uma relação entre sujeitos (médico e paciente) (SANTOS, 1998, p.43).

 

O princípio da beneficência por sua vez obriga o profissional de saúde além de não gerar qualquer mal ao paciente intencionalmente, conforme o Princípio da Não-Maleficência, contribua para o bem-estar do paciente através de ações positivas que devem ser contrapesadas entre riscos e custos daquela conduta para o paciente (MORAES; PEIXOTO, 2012).

Por fim, o princípio da justiça que defende a garantia do acesso a todos os tratamentos médicos disponíveis aos pacientes, independemente de seus custos. Assim “o princípio da justiça exige que a distribuição de encargos e benefícios seja justa; não existe justiça quando alguns grupos (como por exemplo, na experimentação humana de novos métodos) arcam com todos os prejuízos e outros auferem todas as vantagens” (VIEIRA; SAAD apud SANTOS, 1998, p. 53). Logo, observa-se aqui uma justiça distributiva, na medida em que os custos, riscos e benefícios dos serviços de saúde deverão ser distribuídos de forma igualitária e sem qualquer distinção entre os pacientes (MORAES; PEIXOTO, 2012).

 

< >O direito fundamental à vida como parâmetro ao Biodireito 

 

É tácito afirmar que a vida é um bem fundamental, alicerce de todos os direitos do ser humano e que, por isso, ao Estado é dispensado o dever de resguardá-lo e garanti-lo. Significa dizer, então, que o direito à vida é essencial porque dele derivam e dependem os demais direitos.

Nessa perspectiva, Canotilho reza que (apud OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008) o direito à vida é um direito subjetivo, pois é inegável o direito de o indivíduo afirmar o direito de viver com a garantia da não violação ao direito à vida, importando também a garantia de uma dimensão protetiva desse direito à vida. Ou seja,

O indivíduo tem o direito perante o Estado de não ser morto por este, o Estado tem a obrigação de se abster de atentar contra a vida do indivíduo, e por outro lado, o indivíduo tem o direito à vida perante os outros indivíduos e estes devem abster-se de praticar atos que atentem contra a vida de alguém. Portanto, o direito à vida não é uma liberdade, mas um direito (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008, p. 504)

 

Assim, o direito fundamental à vida previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 é defendido por maioria da doutrina como um sacro e inviolável, visto assim como um valor moral absoluto. Desta forma, qualquer violação ao fluir espontâneo desta vida é vedada pelo ordenamento jurídico pátrio (MORAES; PEIXOTO, 2012).

Diante disto, “ a vida humana é o tema fundamental da Bioética pelos eventuais problemas que podem decorrer das intervenções que podem surgir no seu início, decurso e fim, por força do progresso técnico que ora se verifica no campo da Medicina e da Biologia” (HIRONAKA, 2001, p.6).

O Biodireito, por sua vez, apresenta-se, de forma abrangente, como um sistema de resolução de conflitos, bem como um sistema de preservação de direitos, lidando, cada vez mais, com questões concernentes ao direito à vida. Isto é, diante do surgimento de novas situações da vida dos homens, decorrentes de avanços e conquistas das novas biotecnologias, que carecem de atenção e apreciação pelos responsáveis pela atividade jurisdicional, o Biodireito ocupa-se em lhes dar os limitadores contornos legais, pois que imprescindíveis à concretização da sobrevivência humana, dentro dos padrões de dignidade e ética (HIRONAKA, 2001).

Destarte, o ser humano apresenta-se como aspecto inicial a ser considerado diante de qualquer reflexão na esfera jurídica e em relação às questões bioéticas deve sempre ser considerado os princípios que almejam a valorização e preservação da vida humana. Portanto, as questões referentes ao Biodireito devem ser analisadas e vistas sob o prisma dos princípios estabelecidos na Constituição Federal, como o direito fundamental à vida.

 

4 A TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO E O DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA À LUZ DO BIODIREITO

 

De acordo com José Afonso da Silva (apud MORAES; PEIXOTO, 2012), o conceito de vida a que se refere o texto constitucional (art. 5º, caput), não diz respeito apenas ao seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, próprio à matéria orgânica, mas no seu aspecto biográfico mais compreensivo. Estabelece que “é um processo que se instaura com a concepção [...], transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida” (MORAES; PEIXOTO, 2012, p. 7).

O direito à vida é, portanto, um direito inato, intransmissível, irrenunciável e indisponível. É, também, um direito de conservação da vida. Assim, Oliveira e Queiroz (2008) defendem que independentemente de qual seja sua origem, a vida humana tem de ser protegida. Com base nisto, afirma-se que o nascituro deve ter resguardado os seus direitos.

Independentemente do reconhecimento da personalidade jurídica dos nascituros, a ele é dispensada uma proteção principalmente no tocante ao direito à vida, já que qualquer atentado a integridade e a vida deste nascituro será visto como ato obstativo do gozo de direito.

Uma vez que, apesar do nascituro não ser considerado como pessoa, o mesmo tem a proteção legal dos seus direitos desde o momento da concepção, assim “ posicionou-se o ordenamento jurídico, ao proibir qualquer prática atentatória contra a vida do nascituro, criminalizando o aborto, independemente do estágio de desenvolvimento em que se encontre e também resguardando o respeito a sua integridade física e moral” (PAMPLONA FILHO; ARAÚJO, 2007, p. [?]).

Contudo, diante da moderna engenharia genética, algumas questões são passíveis de ocorrência e devem ser discutidas, como é o caso do nascituro decorrente de reprodução assistida.

Quanto a isso, é válido mencionar que, o próprio ordenamento jurídico nacional não impede qualquer espécie de fertilização artificial humana, já que o Código Civil (art. 1597) presume como concebido na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga e heteróloga, bem como, os embriões excedentários. Essas técnicas médicas de fecundação artificial, permitem que casais que apresentam problemas de fertilidade venham a procriar, a partir de manipulação médica, informada e constituída por escrito, por meio de inseminação de gametas humanos, podendo se dar por inseminação artificial homóloga (realizada com o sêmen originário do marido/companheiro e óvulo originado pela esposa/companheira, sem intervenção de terceiro doador) ou heteróloga (realizada com sêmen e/ou óvulo de terceira pessoa autorizada pelo casal quando um deles for infértil).

A discussão da doutrina acerca de tal é assunto, diz respeito à possibilidade de o embrião decorrente da fertilização artificial, ser ou não, nascituro. Nesse diapasão, Chinelato e Almeida (apud OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008) defende que o embrião, na fertilização artificial não se considera nascituro, pois, embora a vida se inicia com a fecundação (, é a nidação (

Por outro lado, outra parte da doutrina acredita que essa posição supramencionada vai de encontra à teoria conceptista adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com tal teoria, não importa a viabilidade para que o ente concebido seja considerado pessoa e, portanto, tenha seu direito à vida resguardado (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008). Com isso, portanto, atribui-se ao nascituro a qualidade de pessoa, ou seja, sujeito de direitos, dotado de personalidade jurídica, cuja tutela se faz imprescindível.

Nessa perspectiva, diante das novas ocorrências biotecnológicas, no caso, a fertilização artificial, cabe à Bioética, bem como ao Biodireito, realizar juízos de apreciação a respeito de tais ocorrências, de atuação superveniente ou manipuladora da vida. Ao Biodireito, mais especificamente, compete balizar essa atuação, impondo limites e freios, a partir de conjuntos de valores, princípios e normas que tem por finalidade proteger a vida humana, disciplinando a prática de suas intervenções e os mecanismos de sua manipulação (HIRONAKA, 2001).

O Biodireito, em sua seara de preservação de direitos, lida, entre outros temas, com a preservação do direito do nascituro. Com a apresentação de conflitos a solucionar, bem como de direitos a garantir, frente às diversas ocorrências tecnológicas avançadas, para que o Biodireito possa lidar com essa solicitação de regulamentação e controle, vale-se de fundamentais princípios pelos quais se rege a Bioética – como o da autonomia, da beneficência, da não-maleficência e o da justiça, anteriormente tratados – e que orientarão a consolidação de uma regulamentação jurídica, pelo instrumental do Biodireito.

Os princípios da Bioética asseguram o direito do nascituro, na medida em que o princípio da beneficência garante o direito à vida e a personalidade deste nascituro quando impõe aos profissionais da saúde não causar danos, buscar sempre maximizar os benefícios e fazer o bem, ou seja, garantir a vida digna deste nascituro. Ademais, o princípio da autonomia tem estreita relação com a integridade corporal e psíquica dos indivíduos, como o nascituro, isto sem mencionar o caráter moral que circunda este principia ao proibir ações que gerem desrespeito ao bem-estar dos indivíduos distintos dele.

Por fim, conforme o princípio da justiça deve haver uma igualdade de tratamento para com o nascituro tendo em vista que o mesmo possui personalidade jurídica conforme o artigo 2º do CC, de modo que o profissional da saúde deve assegurar ao nascituro todos os seus direitos, principalmente a vida e a dignidade, uma vez que os mesmos têm um poder amplo sobre a vida do outro ser humano devendo assim seus atos serem pautados na justiça.

Cumpre mencionar, portanto, que o direito fundamental à vida, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana atuam como parâmetros basilares para a Bioética e o Biodireito. Assim, conforme dissemos, o direito à vida é considerado condicionante já que dele derivam outros direitos. Nesse sentido, o direito fundamental à dignidade da pessoa humana guarda íntima relação com o direito à vida. São, a nosso ver, indissociáveis.

O princípio da dignidade da pessoa humana, a seu turno, consiste, segundo Sarlet (apud MORAES; PEIXOTO, 2012), na qualidade que distingue cada ser humano e lhe faz merecedor de respeito tanto do Estado quanto de seus concidadãos, implicando num conjunto de direitos e deveres que asseguram o tratamento digno aos mesmos, impedindo que sejam tratados de forma degradante e desumana. Nessa mesma linha de pensamento, Reale (apud MORAES; PEIXOTO, 2012, p. 7) assegura que tal princípio “[...] não é senão a expressão unitária e integrante dos valores de todos de convivência, pressupõe o valor transcendental da pessoa humana, e representa, por sua vez, o pressuposto de toda a ordem jurídica”.

Isto sem mencionar que, assegurado o direito à vida e a integridade deste nascituro, poderão ser assegurados ao mesmo os direitos relativos as relações de parentesco que se estabelecem no momento da concepção deste ser humano e não através do seu nascimento, garantindo assim uma equiparação entre os filhos nascidos aos nascituros ao adquirirem os mesmos direitos.

Significa, assim, que os direitos do nascituro hão de serem reconhecidos desde a fecundação, direitos personalíssimos, como direito à vida, ao desenvolvimento saudável, ao pré-natal, à filiação OLIVEIRA; QUEIROZ, 2008).

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Realizados nossos estudos acerca do presente tema, constatamos que se trata de um tema de bastante relevância para toda a sociedade, não apenas à acadêmica e jurídica, mas para a sociedade em geral, visto que se dedica ao ser humano em sua fase inicial, isto é, o ser concebido ainda em desenvolvimento no ventre materno.

Há diversas correntes doutrinárias que tratam da personalidade civil do nascituro, como fora mencionado. Contudo, com o tempo, a situação foi se transformando no sentido de atribuir ao nascituro a qualidade de pessoa, isto é, sujeito de direitos.

A existência de embriões concebidos do homem e criopreservado fora das vísceras maternas por meio de técnicas de congelamento em nitrogênio líquido é cada vez mais comum. Trata-se de fertilização artificial. Visto que no ordenamento jurídico nacional, embora não haja uma regulamentação ou legislação própria acerca da inseminação artificial humana, convém mencionar que tal instituto não é tampouco vedado, e é tacitamente aceito pela doutrina e jurisprudência.

Assim, frente aos avanços biotecnológicos e da moderna engenharia genética a tutela jurídica do nascituro demanda amparo do Biodireito para salvaguardar o direito fundamental à vida dos nascituros. É preciso considerar, todavia, que nem o Biodireito ou a Bioética buscam obstaculizar os avanços da biotecnologia e ciência em geral. Ao contrário, buscam harmonizá-los com os valores do ser humano, tendo em vista o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Portanto, uma vez que na sociedade atual, a reprodução assistida representa um novo conceito de família e uma solução para aqueles que cada vez mais têm postergado o momento da procriação em razão da profissão, o Biodireito aparece no sentido de salvaguardar valores fundamentais à conservação da vida e dignidade do homem e, consequentemente, do nascituro independentemente da forma de fecundação.

 

REFERÊNCIAS

 

HIRONAKA, Gisela Maria Fernandes Novaes. Bioética e biodireito: revolução biotecnológica, perplexidade humana e prospectiva jurídica inquietante. 2001. Disponível em < http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Giselda/%28Bio_351tica%20e%20Biodireito%29.pdf >. Acesso em: 03 de set de 2015.

 

MORAES, Germana Oliveira de PEIXOTO, Francisco Davi Fernandes. O biodireito através do prisma do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. Disponível em < http://www.egov.ufsc.br/portal >. Acesso em: 03 de set de 2015.

 

OLIVEIRA, José Sebastião de; QUEIROZ, Meire Cristina. A tutela do direito do nascituro e o biodireito. Disponível em < http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/11_378.pdf >. Acesso em: 03 de set de 2015.

 

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. ARAÚJO, Ana Tereza Meirelles. Tutela Jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. Evocati Revista n. 23. Nov. 2007. Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=166 >. Acesso em 07 de out de 2015.

 

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone Editora, 1998

 

TARTUCE, Flávio. A situação jurídica do nascituro: uma página a ser virada no direito brasileiro. Questões Controvertidas no Novo Código Civil, v. 6, 2007.

 

VENOSA, Sílvio de Salvo. Código civil interpretado. São Paulo: Editora Atlás, 2013.

 

 

 

[1] autora

[2] autora