Tudo pela Paz
Por Paulo Rabelo Guimaraes Machado Diniz | 21/08/2014 | CrônicasA P R E S E N T A Ç Ã O
Da necessidade de escrever uma mensagem num cartão de aniversário do senhor Zezé Machado terminou numa pesquisa exaustiva sobre o pai dele – o senhor Tonico. Pois de conversa em conversa percebeu-se o quanto fielmen-te o representa o pai. A escrita sobre um se confunde com a de outro. “Tudo pela Paz” foi a escolha dele e da esposa Idalice ante os títulos: Legado, Carti-lha da Paz e Estrategista Mineiro. É pouco, mas é o que autor pode tirar da cachola e homenagear aquele considerado, não menos como o melhor homem da região. Da mensagem “um jogo de cama para repousar um corpo incansá-vel aos 80 anos de idade” virou esta matéria, que derruba qualquer justificativa de conflito interfamiliar, pois a estratégia e as sábias ações há de inspirar a to-dos na buscar da harmonia a qualquer custo.
Albert Einsten uma vez disse: “A mente humana que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original”. A minha não vai voltar mesmo ao tamanho original depois daquele bate-papo no centenário banco da cozinha.
Nesta crônica com flash de memória há 6.153 palavras. Moacir Sciliar, judeu do Rio Grande do Sul (In Memorian desde 27/02/2011), falava da capa-cidade das palavras de criar laços entre as pessoas – e de criar beleza – “e que a elas devemos ser eternamente gratos”. Apesar de Rui Barbosa, em sua época, reconhecer que a palavra de vez em quando lampeja, fulmina com uma estranha sonoridade. Mesmo assim ainda se pode ver beleza quando escrita em uma crônica qualquer como se referiu o jornalista e escritor Heitor Cony.
Shakespeare disse uma vez: “os homens deviam ser o que parecem, ou, pelo menos, não parecerem o que não são”. De senhor Tonico o dramaturgo inglês não poderia reclamar se fosse chamado a um conselho celestial opinar.
T U D O P E L A P A Z
Existiu um estrategista que fez seus pares agirem antes do tempo e, em contrapartida, era um exímio em fazer a poeira baixar primeiro (1*).
Pôde construir um lar aprazível, pois a hospitalidade deixava tão acon-chegante o ambiente que este se tornou um sonho memorável a todos que lá visitavam (2*).
Manteve uma harmonia e um padrão de qualidade tal que fez de algu-mas filhas preferirem a lembrança dele à entrega matrimonial.
Tinha a melhor estratégia para conquistar a sede dos Pereira Guima-rães. Bastava apenas tirar a resistência do filho - aquele que o melhor repre-sentava - a se instalar em terra que não produzia pé de feijão.
Não havia diferença para este homem de visão entre delegar, persuadir e ensinar. Era para ele, apenas a sua forma de comunicação. O interagir dele era um reflexo de seu mapa interno, cheio de princípios (3*).
Com este filho, estava assegurada a cartilha da paz no imblóguio que poderia surgir e que sempre surge em disputa de herança, pois conhecia bem a natureza dos filhos e os distinguia corretamente (4*).
O domínio confirmou-se sem atrito e sem desgaste emocional, pois o pai estrategista manteve-se impávido em sua metaposição (5*).
O jovem filho tinha que escolher entre o fácil e o certo. Não era simples a missão delegada, pois os conflitos são latentes e comuns nesta seara. Mas com sagacidade, firmeza e uma simplicidade singular ele soprepôs o desafio e ainda manteve a harmonia (6*).
Eles, pai e filho não são muito de reza como se faz nos muros de lamen-tações. Eles apenas cumprem protocolo na interação com o Rei da Criação (7*).
O venerado pai, feliz com o desfecho, numa capoeira a céu aberto; foi ao encontro de Sinhá. Não com menos dor que a solidão por ela. Mas foi fa-zendo o que gostava. O eco da corneta ao fundo e os latidos dos cães na trilha da gazela, abatida logo abaixo confirmavam.
Dele ficou lições para, jamais, serem esquecidas.
(7*) Não é quem tem uma vida ilibada não precise orar. O que eles não gostam é a reza pedin-te, pois quem fica pedindo isto ou aquilo é mendigo. Não aceitam para a sua vida esta fé de mendigo na relação com o criador e nem com rezas intermináveis, pois Deus Supremo não deve ter tempo para tantas picuinhas. Há de haver muito para cuidar – nada menos do que todo o universo. E ele deve ter também a Sua oração. O protocolo citado não é uma sugestão de formalismo é apenas cumprimento de etiqueta espiritual, ou seja, um refinamento para tratar de coisas sacras, pois a crise de religiosidade de muitos é que ao invés de se moldarem ao padrão de Deus para suas vidas, preferem criar um Deus ou religião que se encaixe em seus próprios padrões.
(6*) Foi mais ou menos assim o diálogo deste filho senhor Zezé Machado com o tio quando foi assumir a pose da sede histórica do patriarca da família da mãe: O primogênito tio Pedro disse: “_Aqui não tem lugar pro Vosmercê.” Coube ao Zezé Machado a firmeza de responder: “_Venho a mando de meu pai. To autorizado a pagar tanto pela sua parte.” Tio Pedro retrucou: “_Por essa migalha eu não vendo. Com firmeza o jovem Zezé Machado encerrou o assunto: ”_Então pode tirar os tijolos da sua parte”. Tio Pedro reconheceu a fortaleza do senhor Tonico naquele filho. Virou, então, para o peão (Dolores da Diolina) e já foi ordenando: “_Vai juntar os bois”. “Eu termino o almoço e Vosmercês vão embora logo mais cedo”. O peão, muito sem jeito olha para os dois sem saber a quem atender. Mas Zezé Machado logo esclareceu de quem era o mando: “Vosmercê trabalha pra quem”? Bastou isto para o peão não arredar da beira do fogão e o Tio Pedro sair pisando alto indignado e não voltou à sede, enquanto Zezé estava por lá, por mais de dois anos. Pacientemente, o jovem Zezé esperou por mais de dois anos sem fazer maledicência alguma contra o tio. Este não pisava na sede, exceto quanto Zezé não es-tava por lá. Sereno Zezé apaziguava os peões que já estavam para ir nas turras com o tio. Exigiu muita paciência de Zezé que já havia adquirido todas as outras partes dos demais her-deiros. Marieta Martins deve ter articulado nos bastidores e, talvez até ajudado em algumas mediações. Mas o Tio Pedro, por ser o primogênito, não dava o braço a torcer e com expedien-tes diversos tentava desmotivar o jovem Zezé com implicâncias para fazê-lo voltar de onde veio. Quando, na certeza do tio em viagem, Zezé foi à casa dele para entregar convite à sua madrinha Geralda para testemunhar com o marido tio Pedro o seu casamento com a fiel, meiga e incansável Idalice. Tio Pedro e a madrinha Geralda foram os primeiros a entrarem no salão de cerimônia na histórica casa, construída pelo seu patriarca: Senhor Francisco Pereira Guima-rães. Depois deste evento, enquanto o tio Pedro, por estes planaltos pisava, nem sequer quis falar a respeito da parte que lhe cabia nesta sede. E ainda foram eles amigos e vizinhos cama-radas que podiam sempre contar quando precisassem. Freud disse uma vez: “O homem co-meça por ceder nas palavras e termina por ceder nas coisas.” Zezé foi um pouquinho mais além. Não cedeu nas palavras e ainda ganhou parte de uma propriedade.
(5*) Visão de metaposição é tomar certa distância para ver floresta e não somente a árvore. É uma localização física separada de qualquer um dos dois estados: os dos problemas e/ou das soluções. É onde as pessoas podem pensar sem estar excessivamente envolvida ou associada a nenhum dos dois estados. O fato é que Tio Pedro não procurou o cunhado para tomar satis-fação e nem mandou recado algum. Zezé perguntou ao pai numa visita ao Tamboril: “_Tio Pe-dro veio aqui?” “_Não! E nem virá.” Quando o bom senso impera dispensa até expedientes, pois o pensamento, a reflexão, a estratégia há de sobrepor aos expedientes do dia-a-dia.
(4*) O primogênito da família (Valdivino Machado (A*) - In Memoriam) já havia sido enviado para a Fazenda Brejo contra a própria vontade. Este filho teve que ser convencido a deixar as terras de cultura da Fazenda Tamboril para lá se estabelecer junto ao avô com um só argu-mento: “_ Lá Vosmecê vai ter mais oportunidades.” Como de fato elas surgiram. E, como des-bravador que era não as desperdiçou. Não demorou muito estava comprando fazenda de milhares de alqueires. E uma delas comprou em parceria com o irmão Valico (In Memoriam). Como era trabalhador e disciplinado, acumulou muitas riquezas e pôde ainda comprovar a astúcia da visão do pai. Provavelmente, o Senhor Tônico considerou também as dificuldades de um sangue quente Guimarães conviver com outros Pereira Guimarães sangues quentes.
O pai era de temperamento forte e muito severo com os familiares e subalternos. Então, quan-do perdoava os filhos e demais que erravam eles entendiam o que ele queria transmitir com o perdão, pois estava implícito que entendia que todo mundo pode cometer erros, mas que quando se erra deve-se confessar honestamente, pedir perdão e nunca mais repetir o mesmo erro. São coisas obvias que até crianças entendem. Sabia que não podia ser dócil demais, pois não queria filhos mimados. Assim, repreendia e elogiava, ora sentindo satisfação, ora adquirin-do critério com as restrições impostas.
(3*) Isto pode até parecer natural, mas não é, pois cada fez mais as pessoas deixam-se reagir por estímulos externos (como TV, rádio e os sussurros desta sociedade materialista) e não ao seu mapa interno. E estimulados tornam-se falantes e estes, falantes escondem-se atrás do subentendido. O seu amigo doutor Ângelo Solis dizia: “_Não revele os seus segredos, pois ao revelar você perde a sua liberdade.” Isto lembra uma recomendação da Psicolingüística: não fale o que vai fazer, pois o seu cérebro vai entender que você já fez e, em conseqüência, larga para lá sem fazer. Senhor Tonico era calado e trabalhava duro. Não julgava e pedia aos seus para não precipitar neste por menor, especialmente se não conhece os dois lados da questão. A psicologia também tem um nome para estes que facilmente julgam os demais ou procura culpados para os seus fracassos - é a dissociação, ou seja, a tendência humana de ao invés de assumir seus erros, procurar culpado e desculpas. O cérebro tem pressa em identificar as coisas, podendo ver o que não existe, ou até não ver o que existe. Senhor Tonico aprendeu não confiar na sorte, graças a uma lição muçulmana contada pelo amigo de seu pai, o Senhor Salomão Yasbeck, um alemão de Abadia dos Dourados: “são quatro coisas nesta vida que temos que olhar com desconfiança: a sorte, o amor, o mar e o sultão”. “Especialmente se eles estiverem rindo por você”. Senhor Tonico esforçava-se ao máximo, se tivesse sorte, recebia como um prêmio - não dependia dela. Portanto, não criava expectativa falsa ou ilusão alguma. Sobre o amor, confiava no de Dona Sinhá e tinha certeza do seu por ela. Era um amor do tipo recatado, mas tão intenso que não resistiu a ausência dela por muito tempo. Já o mar não teve tempo de conhecer, portanto não dava para desconfiar dos riscos de suas ondas. O sultão, ou seja, o político, este ele desconfiava em demasia, pois ninguém, nem a própria esposa e nem os filhos podiam afirmar em quem ele votava e evidentemente não saia pedindo voto. Preferiu a neutralidade e o apartidarismo para evitar divergências na disputa política local, já que seu pai era líder do PSD regional e toda a família da esposa eram partidários da UDN. Assim, pro-tegia as relações harmoniosas de todos que queria bem das picuinhas da política. Ele, pesso-almente, nunca teve tempo para heróis. Quem conviveu com ele pode perceber o quão bem ele absorveu as lições tão esparsamente chegadas nestes rincões, ou talvez, os ensinamentos já estavam lá no seu íntimo e quando as lições chegaram serviram apenas para ativar ou mesmo fundamentar o que já estava lá dentro de si e poder ensinar com mais propriedade na fala ou no exemplo: “-aprenda, meu filho, a envergonhar-te mais de ti do que diante dos outros. Portanto, conviva com vosmercê de forma responsável e tenha autonomia por tudo que vem a seu encontro e a tudo que te cerca”; “-não se ofusque pelas pequenas vantagens dos atos ilícitos;” “-Deus aloja-se nos corações dos honestos”; “-a honestidade é um tesouro invisível para a vida, pois no final os honestos serão os vencedores e os desonestos experimentarão o fracasso;” “-ser honesto, meu filho, é a maior esperteza que um ser humano pode praticar” e lições outras. A aposentada professora Nivalda - esposa do cunhado Senhor Bibito - e outros que ainda vivem por aí podem confirmar. Sua nora Maria do Rosário (In Memoriam) um dia falou para o neto norte-americano, o Roberto Sidney da Valmira: “a dor da consciência é como uma pedrinha cheia de arestas dentro da mente. Ao errar a pedra gira e as arestas fazem dor na consciência. Se a pessoa insiste em errar a pedra gira, gira até perder as arestas. Polida a pedra gira sem fazer dor na consciência. Assim, pode tornar irreversível num erro atrás do ou-tro”. Nesta nota de rodapé ou neste link*, para os ciborgues**, ousa apenas registrar algumas destas lições para servir de ensinamento, pois a deteriorização moral e espiritual da sociedade está avançando a passos largos. Quem sabe ainda seja possível aprender a acessar este ma-pa interno como fazia senhor Tonico com maestria. “Olhar no espelho pode ser mais importan-te do que tudo a nossa volta”. Lá no mundo sutil, invisível para muitos estão os princípios civili-záveis que nortearam a raça humana. Se há um método treinem os jovens a ter este acesso, no lugar de só ensinar acumulação tecnicista na educação. Se não, só nos restam perguntas como fez a escritora japonesa Aiko Sato no livro A Direção do Vento: “A mamãe desapareceu, o vovô nos abandonou: por que, tão repentinamente, a família se desfez?” A desestruturação da sociedade começa com a ruína da família. E ainda há falsos intelectuais que logram explicar que esta tragédia apenas reflexa as distorções de uma sociedade em mutação por causa da tecnologia da informação. Dizem: “conselhos só quando pedirdes e quando deles dependem a vida.” Mas há tantas vidas a desvairar! Sabe-se que não basta só ter boa intenção em ajudar. Alguém disse que as boas intenções servem apenas para pavimentar a estrada para o inferno. É necessária então, a boa ação.
*link: uma hiperligação, um liame, ou simplesmente um ligação, é uma referência num docu-mento em hipertexto a outras partes deste documento ou a outro documento. Análoga a uma citação na literatura. Ao contrário desta, no entanto, a hiperligação pode ser combinada com uma rede de dados e um protocolo de acesso adequado e assim ser usada para ter acesso direto ao recurso referenciado. Este pode ser gravado, visualizado ou mostrado como parte do documento que faz a referência.
**ciborgues: é todo aquele que se olha para uma tela de computador ou quando se usa um dispositivo no celular. Amber Case, filósofo digital.
(2*) Este assunto surgiu recentemente pela Senhora Nilda da Bita - descendente de fazendeiro da região e pela ex-professora senhora Nivalda. A primeira, na oportunidade revelou ao des-cendente Pedro Machado, que parecia um sonho aquelas suas visitas lá na fazenda. Chegou a dizer que era como visita de rei. A segunda também assim se referiu quando falou emocionada das visitas para alfabetizar as crianças lá da fazenda. Disse que Senhor Tonico reservava pol-trona para ela e não deixava ninguém mais sentar na mesma. Mesmo sem estudo, ele ativava sua mente com curiosidade por diversos assuntos. Perguntava e ouvia com atenção sobre várias matérias. Sem medo de ser ridículo perguntava se podia usar tal palavra em certo as-sunto e como podia fazer tal conta e etc.
Ainda hoje, todos que visitam esta fazenda sentem-se em um sonho, pois a hospitalidade de outrora ainda está viva. E de quebra o visitante faz uma viagem no tempo, pois lá se mantém quase a totalidade da antiga rotina, ou seja, um museu vivo.
(1*) Um dos exemplos foi quando já com os cavalos selados para ir resolver um assunto litigio-so urgente com o fazendeiro Francelino Pereira, releu o memorando e falou: “_Quando a pes-soa pede pressa é ela quem corre atrás. A gente, então, espera. E já foi ordenando ao filho Pedro, já contrariado por não ir, para soltar os cavalos. Atrair um possível conflito para o seu território é a melhor estratégia deve ter pensado o senhor Tonico. Isto lembra as lições do filó-sofo e estrategista militar chinês Sun Tzu há 2.500 anos. No seu território as chances de ven-cer são maiores. Como também é maior a chance de não ter o conflito, haja vista, o maior re-ceio do oponente quando no seu território. De acordo com sua hospitabilidade os maus intenci-onados temer-se-ão um pouco mais. O fato é que na espera prolongada, o requerente reavali-ou sua posição e um conflito por julgamento equivocado por causa de uns cavalos que na fazenda apareceu, simplesmente, apagou-se ao vento. Como seria se fosse desacatado em território alheio, com sangue quente em época de justiça na base do gatilho? Perigo sempre existia naquela época e sabia que não devia viver com proteção especial do invisível e nem com o padrão paterno (X*) de não ter medo algum. Sabia como bom cristão, que as nuances espirituais sobrepõem aos pensamento e à lógica. Até presumia que havia uma inteligência espiritual além da inteligência lógica e emotiva. Porém, não era justo ter proteção particular do misterioso e invisível mundo, pensava: “_Se eu não posso visitar o mundo deles e lá intervir”. “Os de lá também não devem ter permissão de aqui se apresentar e combinar o que quer que seja”. “Então, é melhor não ter proteção particular do lado de lá.” “Preferível é estar sob risco com um medo inteligente.” “Além do mais, todo mundo há de prestar conta dos contratos táci-tos que se faz pela vida e contrato tem que ter equilíbrio entre as partes e ser justo.” Porém, as circunstâncias, o zeirgeist* exigiam dele valentia: -sabe-se que o Senhor Tonico já apontou arma para despachar da fazenda, jagunço que insultava, empinando burro na porta, para rece-ber conta indevida de sujeito que já havia morrido. Ironicamente exclamou ao intruso: _”Dá mais uma empinadinha que eu quero ver;” -também já deu empurrão que derrubou soldado com parede e tudo da delegacia local, para soltar o amigo José Virgílio e de carona fugiram mais dois sujeitos. Fez isto depois de uma provocação da Dona Sebastiana: “_Sô Tonico pare-ce que não tem mais homem em Vazante!.” “Será que tenho que vestir calça comprida para ir lá soltar o compadre Zé Virgílio?” Há rumores de que tais prisões não eram justas. Poderia ser manipulação de dona de pensão – a dona Izaura - que tinha os policiais comendo na própria mão; -também teve que negar a entrega de sua carabina herdada, do avô João Machadinho Y*, para a polícia por falta de registro. Respondeu curto e grosso a um interrogatório na cidade: “_A carabina tá lá na roça, não entrego - só se tomar”. Ele até que se interessou pelo registro, mas as dificuldades e os custos superavam o valor da tal arma. Hoje, esta genuína Winchester tem valor histórico inestimável para os descendentes. Foi com ela que os ingleses venceram os índios peles-vermelhas americanos na conquista do oeste. Estes últimos só tinham cartuchei-ras, ou seja, enquanto esta carabina sai doze tiros com o da agulha, as cartucheiras eram de um tiro só e os cartuchos tinham que encher de pólvora, socar, pôr bucha e etc.
*zeirgeist: palavra alemã que significa espírito de seu tempo
Senhor Tonico e dona Sinhá tinham apreço pelas coisas. Sabiam que a felicidade não depende do que se falta, mas do uso que se faz do que já tem para fazer outros felizes. A família não tinha luxo, mas tinha um a outro. Prati-car monttainai*, ou seja, reduzir, reciclar, re-utilizar, reusar, remendar, redimen-sionar e até se regenerar, eram algo natural para eles e os seus. Naquela épo-ca havia apenas uma chance ao ano para ir às compras e não precisava de lista, pois compravam apenas alguns aviamentos, sal, sementes, grampos, arames. Todas as outras necessidades eram produzidas na própria fazenda. Estava viagem dependia de haver excedentes de produção, como queixos, fei-jão e etc. para poderem vender. O transporte era feito de carro de bois e as cidades mais próximas estavam a mais ou menos 100 km de distância.
Há de reconhecer que a superação das emergências atuais depende da força e da coragem de outrora, além da intrínseca necessidade de recuperar a consciência de uma vida frugal perdida. E engana-se quem pensa que hoje há uma capacidade mental maior. Há sim mais mitos e mais engodo. E ainda con-some-se 1,3 planetas para sobreviverem no consumismo exacerbado nesta cultura materialista atual. Não se vive mais dos juros e sim do capital que foi acumulado por milhões de anos de investimento. Até quando durará?
Para manter as velhas e boas tradições e delas novos valores surgirem senhor Tonico preservou e fez-se preservar.
Sabe-se que “do velho nasça o novo” e deles surgem novos conheci-mentos que revigoram os antigos. A imagem do antigo pode impulsionar o mo-derno. A fusão do velho com o novo dá a melhor estética. A imagem do conhe-cido ajuda imaginar e sintetizar o novo. Parece um paradoxo, uma contradição, mas é apenas complementaridade e relatividade.
*monttainai: palavra arcaica japonesa. Está ligada à utilização responsável dos recursos natu-rais, sem desperdiçá-lo. É ter apreço, consideração pelas coisas. É ter o sentimento de não ser digno para aquele desfrute e, assim fazer uso com parcimônia e gratidão. É sentir que não é tão obvio o seu direito de comer e de usar. Um sentimento de permissão especial, como um privilégio, uma dádiva, uma bênção, um empréstimo dos céus.
P.s – Ao reler lembrei-me da entrevista do Ex-Presidente Luiz Ignácio da Silva: “Com truculência agente não resolve problema nem dentro da própria ca-sa quanto mais em conflito internacional”. Tal declaração aconteceu depois da tentativa da diplomacia brasileira de se aproximar do presidente do Iran, senhor Ahmadineyad, para evitar proliferação de arma nuclear. Tal propositura foi rejeitada pelos Estados Unidos e as Nações Unidas, por causa de uma trai-ção francesa que antes aliada, saiu fora sem dar explicação alguma. Em virtude do Brasil não ter direito a veto nas Nações Unidas teve que sair de fininho com o rabo entre as pernas. E o expediente de cortar relações comerciais, aju-da humanitária e outros até sanguinários insistem em prevalecer.