Três momentos do pragmatismo Norte-Americano e a discricionariedade do juiz

Por Anselmo Barbosa de Souza | 14/09/2016 | Direito

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por finalidade absorver conhecimento através da pesquisa bibliográfica, buscando, no decorrer de seu desenvolvimento, ganhar condições de levar uma compreensão mais aconchegante ao iniciante do Curso de Direito. Por esse motivo, encontramos razões para iniciar através de uma introdução voltada ao Realismo Jurídico Norte-Americano, para depois se ater aos temas propriamente ditos.   

De acordo com Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, Introdução ao Realismo Jurídico Norte-Americano, pag. 25, diz que: O pragmatismo é o pano de fundo filosófico do realismo jurídico norte-americano. Preocupa-se em investigar como as pessoas pensam. Não se questiona por que motivos as pessoas pensam. Por que precisaríamos saber algo que já fazemos naturalmente? Segundo os pensadores ligados ao pragmatismo, perde-se muito tempo com questões do pensamento, de pequeno resultado prático (cf. MENAND, 1997). Filosofia tipicamente americana, o pragmatismo conta com alguns ensaios clássicos que o presente trabalho vai resenhar.

Charles Sanders Peirce, Semiótica, 1839-1914, Tradução 2005, traz rara combinação entre cientista natural e estudioso da história da filosofia, reputado como o antepassado comum da escola pragmática, dá início a essa seção que faz arqueologia do pensamento pragmático.

A importância do contexto, a não consideração de diversas teorias como sendo imutáveis, a natureza instrumental do Direito e a inevitável presença de diferentes expectativas, são aspectos relevantes ao entendimento do que seja pragmatismo jurídico. Em razão do contexto, o juiz pragmatista pode recorrer a elementos externos, como as mudanças na realidade ou nos valores morais da coletividade, ou seja, de fontes jurídicas e não-jurídicas, a fim de atender demandas sociais existentes no caso concreto, seguindo uma disposição geral de fundamentar suas decisões em fatos e consequências, em vez de conceptualismos e generalidades. Ele vai utilizar esses recursos sem qualquer caráter vinculante, mas sim apenas como meros instrumentos, podendo inclusive fazer uso de suas experiências nas decisões. Essa conduta vai demonstrar a essência prática do magistrado, uma vez que visualiza o que há de ocorrer, estuda criteriosamente as necessidades do homem, rejeitando teorias imutáveis, objetivando alcançar a melhor decisão. Portanto, o pragmatismo traz uma análise das ideias e ações, a partir das suas consequências, de modo que apenas estas consequências seriam aptas a atribuir-lhes o seu efetivo significado.

Nos dias atuais o que podemos entender como Pragmatismo Jurídico é que esta forma de pensamento apresenta um teor essencialmente prático, pois, volta-se para o futuro, analisa as necessidades humanas presentes e futuras, e mostra-se avesso a princípios fechados, característicos do racionalismo. O juiz pragmatista, ao seguir estes passos, tem como objetivo primordial a escolha da melhor decisão, podendo valer-se de sua própria experiência como jurista, de recursos jurídicos e não-jurídicos, de diversas teorias e até mesmo de decisões anteriores. Contudo, é de suma importância destacar que essas fontes somente serão utilizadas quando úteis à obtenção da melhor decisão.

Percebe-se, então, que o Pragmatismo Jurídico se vale, como técnica de decisão, de metodologia comparativo-consequencialista, a qual implica em que se proceda a repetições entre as possíveis hipóteses de solução de um caso específico e os seus respectivos desdobramentos, bem como as suas consequências de ordem prática no contexto social. Ocorrendo que em razão dos possíveis efeitos da decisão, o juiz poderá buscar em outras fontes do conhecimento, que não só o jurídico, os parâmetros e fundamentos para sua decisão. Assim, a investigação filosófica ou científica demandaria uma ligação necessária e indissociável para com a experiência do mundo real e as suas repercussões práticas.

1.1 – O PRAGMATISMO JURÍDICO NORTE-AMERICANO

O pragmatismo jurídico, como método de interpretação, surge na década de trinta, quando, alguns Juízes da Suprema Corte Americana voltam-se ao reestudo das obras dos realistas jurídicos britânicos, as quais, como teoria do Direito, visualizava o conceito de Direito através da análise da jurisprudência.

Os realistas acreditavam que o conceito de Direito não era algo abstrato, mas sim algo que vai se produzindo na medida em que os tribunais vão se alimentando de entendimentos das surpresas do Direito. Para eles era essencial que se fizesse o estudo de caso, uma avaliação e um diagnóstico através da jurisprudência, portanto o conceito de direito estava diretamente ligada à jurisprudência. No decorrer desses estudos, é que se inicia o desenvolvimento da tese do pragmatismo jurídico como método de interpretação, ressaltando que método de interpretação não é teoria do Direito, mas uma forma de se analisar a aplicação do Direito construída por regras, ou momentos da interpretação para o juiz pragmatista, os quais irão se subdividir em: contextualismo (ações envolvidas no caso); consequencialismo (análise minuciosa de todas as consequências no caso); e o antifundacionismo (não interferência de qualquer valor metafísico).

No contextualismo o juiz pragmatista vai começar a analisar as ações humanas envolvidas no caso concreto, de maneira minuciosa, primeiramente identificando o peticionante e o réu, passando posteriormente a elencar as ações colocadas pelo peticionante, e as ações do réu elencadas na sua defesa. Para, partir daí, começar a construir o caso. Dentro desse contextualismo, o juiz pragmatista pode chegar à validade, ou à invalidade, de ações através da análise das provas contidas no processo, portanto uma análise que está puramente ligada a questão fática. Assim, o juiz pragmatista vai analisar as relações, as condutas, vai catalogar os atos de uma parte, os atos da outra parte, e assim ele poderá comprová-los ou não, através da análise das provas levadas pelas partes ao processo. Nessa primeira análise é um juízo voltado a questões práticas, portanto pragmatismo, contextualismo como análise das ações envolvidas no caso.

No consequencialismo, esse é o momento em que o juiz pragmatista vai fazer uma análise minuciosa das consequências, para decidir o processo dessa ou daquela forma, o que requer que toda e qualquer proposição seja testada por meio da antecipação de suas consequências e resultados possíveis.

O antifundacionismo consiste no caso concreto a rejeição pelo juiz pragmatista de quaisquer espécies de entidades metafísicas, conceitos abstratos, categorias apriorísticas, princípios perpétuos, instâncias últimas, entes transcendentais e dogmas, entre outros tipos de fundações possíveis ao pensamento. O juiz pragmatista não quer discutir justiça, ética, moral, certo ou errado, mas sim qual a melhor decisão baseada na análise dos fatos e suas consequências.

Concluindo o tema, verifica-se relevância no posicionamento de Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, Capítulo III, II, 2.2.2, quando faz a seguinte exposição: “Por fim, outra importante alternativa ao interpretativismo, formulada nos Estados Unidos, é o pragmatismo judicial. Trata-se de uma modalidade de interpretação constitucional que procura produzir resultados que sejam “bons” para o presente e para o futuro (com base em algum critério de determinação do que seja bom), sem dever o intérprete se vincular ao texto, aos precedentes ou à intenção original dos constituintes. A melhor decisão, para o pragmatismo, é a que gera melhores consequências práticas, não a que seja mais coerente com o texto constitucional ou com seus valores fundamentais. O pragmatismo é consequencialista e contextualista:o que importa são as consequências da decisão, e estas devem ser avaliadas no contexto em que a decisão se insere”. Partindo desse entendimento do autor, percebe-se que o pragmatismo nos conduz “à formulação de proposições perigosas quanto à observância da dignidade da pessoa humana, ao autorizar decisões que se legitimam por beneficiar a maioria, mesmo que isso implique flexibilizar direitos individuais. Embora esse não seja um elemento essencial dos juízos pragmáticos, há o risco de que o indivíduo não seja tratado como um fim em si mesmo – como estabelece a fórmula kantiana – mas como um meio para a realização de metas coletivas.”. Trata-se de um autor constitucionalista, portanto sua observação interpretativa está voltada a teorias de interpretação constitucional, tanto quanto ao interpretativismo e o não interpretativismo, momento em que busca duas linhas de pensamento próximas: o textualismo, segundo o qual as normas escritas da Constituição são a única fonte legítima em que se pode fundar a autoridade judicial e o originalismo, pelo qual a intenção dos autores da Constituição e dos que a ratificaram vinculam o sentido a ser atribuído às suas cláusulas, entendendo que “(...) texto e história estão na base dessa formulação. Subjacente ao interpretativismo está o ponto de vista de que juízes não são, como regra, agentes públicos eleitos e, em qualquer caso, não estão nem devem estar inseridos na dinâmica da política. Em razão disso, não deveriam ter o poder de extrair da Constituição, consequências e direitos que não constem da literalidade de suas disposições ou da intenção manifesta de seus autores. Apesar da aparência pouco sofisticada dessas formulações, elas comportam nuances e sutilezas e são defendidas, sem prejuízo de atenuações pontuais, por figuras expressivas do pensamento jurídico conservador, tanto na academia, como Robert Bork, quanto na Suprema Corte, como Antonin Scalia. O não interpretativismo, também referido como construtivismo, reúne as linhas de pensamento que se opõem ao textualismo e ao originalismo, notadamente pela idéia de que o intérprete não se limita a revelar o sentido contido na norma, mas, ao contrário, ajuda a construí-lo. (...)”.

1.2 – SOBRE A INTERPRETAÇÃO EM KELSEN

A relação entre relativa indeterminação do Direito e a discricionariedade interpretativa do juiz, podemos inicialmente considerar o conceito de interpretação conforme Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, esse conceito podemos chamar de subsunção, que traz o entendimento de que a interpretação é uma operação mental que acompanha a relação entre uma norma de escalão inferior e uma norma de escalão superior da ordem jurídica. Percebe-se que Kelsen trabalha a interpretação como uma operação mental, portanto qualquer ser humano é capaz de interpretar, porém essa interpretação a que se refere Kelsen tem a qualidade de poder validar uma norma inferior apoiada em uma norma superior, ou seja, ele trabalha uma concepção escalonada de normas jurídicas em que as superiores validam as inferiores.

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