TRATAMENTO DIFERENCIADO DA FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO

Por SUYANNE KAREN LIMA SANTOS | 23/02/2017 | Direito

TRATAMENTO DIFERENCIADO DA FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO: ANÁLISE COMPARATIVA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 E DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº 13.105/15).

Suyanne Karen Lima Santos*

 

Resumo - O objetivo dessa pesquisa parte do interesse em analisar as alterações que ocorrerá com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei 13.105/2015) quando comparadas com o atual Código de Processo Civil de 1973. Inicialmente, será abordada a composição do conceito de Fazenda Pública, suas prerrogativas juntamente com as modificações abordadas pelo Novo Código de Processo Civil em relação ao prazo em dobro, a vista pessoal dos autos nos processos, o reexame necessário e as novas custas processuais, bem como a discussão sobre os limites do princípio da supremacia do interesse público em conjunto com a indisponibilidade do interesse público. Nesta pesquisa, intenta-se ainda questionar sobre a necessidade da existência das prerrogativas reservadas à Fazenda Pública em Juízo e a validade jurídica destas prerrogativas sob a ótica do contexto atual, a fim de elucidar possíveis dilemas que pairam a respeito do Novo Código de Processo Civil frente ao princípio da isonomia.

 

Palavras-Chave: Código de Processo Civil. Fazenda Pública. Prerrogativas. Princípios.

1 . INTRODUÇÃO

O universo jurídico é muito complexo, sendo composto da prática, leitura, estudo dos códigos, doutrinadores e jurisprudências. Tal realidade gera a necessidade de fracionamento das atividades jurídicas, com a finalidade de ajustar o cotidiano dos aplicadores do direito e da atuação judiciária. São estes desafios que vão sistematizar garantia dos direitos do cidadão pelo Estado.

O Novo Código de Processo Civil Brasileiro (lei nº 13.105/2015) vem trazendo várias alterações principalmente no âmbito da Advocacia Pública, quanto às prerrogativas dos entes da Fazenda Pública, que geram posicionamentos e opiniões controversas, quanto à modificação dos prazos, vistas pessoal dos autos pelos procuradores, remessa de oficio e os percentuais dos honorários.

A motivação do presente trabalho, ademais, possui o condão de mostrar as alterações que atingem mais profundamente este tema, ou seja, a análise das prerrogativas da Fazenda Pública, suas características, e o posicionamento dos doutrinadores, bem como a maneira na qual a Constituição Federal de 1988, e o atual Código de Processo Civil Brasileiro tratam sobre a existência destas prerrogativas, e em que o novo Código de Processo Civil (CPC) vem a modificar tais benefícios. O seu cerne, portanto, será o de aprofundar-se numa reflexão quanto às vantagens e desvantagens quanto à nova sistemática conferida a Fazenda Pública. Justifica-se ainda a pesquisa diante da atualidade e importância do tema e dos efeitos que este gera na sociedade. Em sendo assim, a problemática do estudo intenta-se questionar sobre a necessidade da existência das prerrogativas reservadas à Fazenda Pública em Juízo e a validade jurídica destas prerrogativas sob a ótica do contexto atual, a fim de elucidar possíveis dilemas que pairam a respeito do Novo Código de Processo Civil frente ao princípio da isonomia.

Para o desenvolvimento deste trabalho, foram realizadas pesquisas bibliográficas com diversos autores que tratam do assunto, objetivando assim abordar os assuntos acima mencionados frente à nova ordem jurídica, que tem como escopo nortear o processo civil ao longo de vários anos, com o intuito de facilitar a atuação dos entes públicos diante da grande quantidade de processos que abarrotam os serviços públicos.

O estudo apresenta-se separado em quatro seções quais sejam: O conceito de Fazenda pública, prerrogativas e suas modificações novo código de processo, prerrogativas da fazenda pública sob a ótica dos princípios jurídicos de direito público e por fim as considerações finais, onde se faz importante frisar que o presente trabalho não tem por intento propositar o arremate a respeito do assunto e sim instigar novas pesquisas a fim de afluir para o avanço da discussão abordada.

  1. CONCEITO DE FAZENDA PÚBLICA

A presente seção desdobra-se na abordagem sobre o termo “Fazenda” O qual nos remete a temas ligados ao direito financeiro e à economia – à ideia de finança, arrecadação, receita, despesa. Historicamente, a expressão Fazenda Pública foi consagrada para designar a presença do ente público em juízo. (BARROS, 2014, p. 27)

Na verdade, a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de direito público. No processo em que haja a presença de uma pessoa jurídica de direito público, esta pode ser designada de Fazenda Pública. (CUNHA, 2013, p. 15)

Especificamente o termo Fazenda Pública, compreende os entes políticos que estruturam a Federação, além das autarquias e das fundações públicas, retirando-se dessa definição as empresas públicas e a sociedades de economia mista, apesar de comporem a Administração Pública Indireta, estas conservam a personalidade jurídica de direito privado.

Destarte, o tratamento diferenciado é privativo daqueles que apresentam competência para dispor legalmente dos benefícios em exercício. Nesse sentido, o Código Civil em seu artigo 41 enuncia quais são as pessoas jurídicas de direito público interno, in verbis:

Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I - a União;

II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;

III - os Municípios;

IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;

V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

Para justificar a presença somente das Autarquias e fundações frente a Administração Pública Indireta neste artigo, o doutrinador Guilherme Freire de Melo Barros esclarece que:

Fora desse conceito estão às pessoas jurídicas de direito privado criadas para exercer atividade econômica, como as Sociedades de Economia Mista e Empresa Pública, já que não podem usufruir de prerrogativas processuais não extensíveis a seus pares no mercado. Entretanto, existe uma exceção, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), regida pelo Decreto-Lei nº 509 de 1969, no qual possui os “privilégios concedidos à Fazenda Publica”, como destacou o art. 12 dodecreto. (BARROS, 2014, p. 29).

Quanto à exceção prevista no Decreto-Lei nº509/69 que criou a ECT, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendem que esse decreto-lei foi recepcionado pela Carta Constitucional, e por isso é considerado uma empresa pública sob as condições e prerrogativas de Fazenda Pública.

Portanto, é importante esclarecer quais são os entes amparados por estas prerrogativas, bem como sua abrangência, já que estas prerrogativas equivalem a um benefício legislativo, amparados nos princípios constitucionais da isonomia, da supremacia do interesse público, indisponibilidade do interesse público e entre outros.

 

  1. PRERROGATIVAS E SUAS MODIFICAÇÕES NOVO CÓDIGO DE PROCESSO.

A segunda seção a princípio destaca-se que a normativa processual brasileira concede à Fazenda Pública algumas prerrogativas, a saber: prazos ampliados para contestar e recorrer; desnecessidade de adiantar despesas processuais; dispensa de preparo; prescinde de depósito prévio para ajuizamento da ação rescisória, duplo grau de jurisdição obrigatório, e pagamento de condenação por quantia mediante precatório.

Por consequência da inexistência de sintonia do Estado entre o agir e as imposições legais, os direitos dos cidadãos tem sido garantidos ineficientemente, o que tem gerado maciça judicialização desenfreada. E em virtude disso ocorre o acréscimo de serviço por parte dos Advogados público e a necessidade de observar todas as orientações legais exigidos ao ente público. Além do mais, o interesse do legislador em salvaguardar as prerrogativas da fazenda pública no novo CPC decorre da precária estrutura do órgão, e a falta de servidores, que muitas vezes detém a necessidade de trabalhar com inúmeras espécies de matérias, sem a faculdade de escolher ou dispensar qualquer situação.

Nesse sentido, é o entendimento do professor Allan Titonelli Nunes:

[...] uma vez que, sendo o Estado regulador das relações sociais, é natural que seja muito acionado em Juízo. Sendo o Estado um litigante contumaz, deveria possuir um número suficiente de advogados públicos para a defesa de seus interesses, bem como uma estrutura adequada para salvaguarda dos mesmos, o que não ocorre na prática. Logo, não há como tratar da mesma forma a advocacia privada e a pública, havendo justificativa plausível para as garantias materiais e processuais da Fazenda Pública. (NUNES, 2013)

Em consequência da real necessidade das prerrogativas o Novo Código de Processo Civil trouxe um apanhado de novidades em relação à Fazenda Pública, como à mudança de prazo processual juntamente com a prerrogativa de vista pessoal dos autos, à nova sistemática dos honorários advocatícios, à alteração envolvendo o reexame necessário, o surgimento do cumprimento de sentença contra o Poder Público e outras modificações que apresentam menor impacto em face do erário.

Diante disso, passa-se a análise das alterações trazidas pelo novo CPC, bem como os debates em torno de cada uma.

2.1. Prazo em dobro e vista pessoal dos autos

Na construção do novo Código de Processo Civil observa-se diversas novidades em relação à Fazenda Pública, uma delas é a modificação no prazo para a manifestação do seu representante processual. Como se conhece, no artigo 188 do CPC de 1973 foi concedido à Fazenda Pública prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer. Historicamente, o prazo em quádruplo para contestar (60 dias) foi alvo de diversas críticas e chegou a ser colocado por muitos como a principal causa da falta de celeridade do processo judicial.

O Art. 183 da lei nº 13.105/15 trouxe uma significativa alteração na contagem dos prazos para recorrer e contestar, in verbis:

Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal.

Nota-se, a nítida mudança quanto à diminuição dos prazos, unificando todos os prazos em dobro, assim como a alteração da contagem e o termo inicial virão a serem contados levando-se em consideração somente os dias úteis, conforme art. 219 do novo CPC, in verbis:

Art. 219.  Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis.

O fundamento de tais modificações sustenta-se na finalidade de acelerar os processos e simplificar a contagem dos prazos para favorecer a prestação da tutela jurisdicional.

Entretanto quem conhece o cotidiano das Procuradorias dificilmente considera exagerado o prazo conferido pelo CPC de 1973.O fato é que, via de regra, além do volumoso número de processos é corriqueira a dificuldade das procuradorias de obter informações necessárias da Administração para a realização da defesa judicial. Nesse sentido, observa-se a posição do Procurador Federal Daniel Gametti:

Como é cediço, as procuradorias fazendárias, além do elevado volume de trabalho a que estão sujeitas, dependem em regra, para a elaboração da defesa judicial do Ente Público, de informações e documentos que encontram-se distribuídos pelos órgãos da Administração Pública. Assim, a redução do prazo para a Fazenda contestar as ações judiciais por certo irá criar risco à qualidade de sua defesa, podendo inclusive inviabilizar o princípio da eventualidade (art. 300 do atual CPC), ou seja, a alegação na contestação de toda matéria defensória. (SANTOS, 2010).

Deste modo, este prazo se mostra muito curto, mesmo com todo o aparato tecnológico, por ser normalmente ofício árduo conseguir da Administração Pública as informações necessárias para fazer uma boa defesa judicial e digna em patrocínio judicial para perseguir na proteção ao erário.

Vale destacar que, o novo CPC em vez de prever o prazo em quadruplo trouxe outras novidades para a Advocacia Pública. Em primeiro lugar, o prazo é em dobro para todas as manifestações processuais, como, contrarrazões, especificação de provas, vistas, entre outras. Em segundo lugar, o início do prazo começa a partir das vistas pessoal dos autos. O que demonstra um ganho de prazos para os advogados públicos.

Destaca-se ainda, a previsão do início do prazo começar apenas com a vista pessoal dos autos pelos os Advogados Públicos que será de grande valia para a apresentação das defesas nos prazos legais, tendo em vista que um dos maiores obstáculos de todo e qualquer advogado público é a frequente impossibilidade de realização da defesa antes de ter vistas dos autos.

Desta forma, as novidade trazidas pela lei nº 13.105/15 ampliarão os prazos das outras manifestações e possibilitarão que a defesa feita em favor da Fazenda Pública sejam apresentadas com mais qualidade e nos prazos estabelecidos.

2.2. Do reexame necessário

Ordenado no artigo 475 do Código de Processo Civil de 1973, o reexame necessário funda-se na obrigatoriedade da remessa da decisão decretada contra a Fazenda Pública para o Tribunal ao qual o juízo que a proferiu está subordinado, para serem  submetidas a novo julgamento, mesmo que não tenha existido recurso voluntário das partes, para produzirem efeito, ou seja, para a sentença ter validade, há a imposição de uma nova análise por tribunal superior aquele em que se começou o litígio, independe dos advogados públicos requerer.

A lei 13.105/2015 manteve o instituto do reexame necessário, porém com algumas alterações no texto antigo. Senão vejamos:

Art. 496.  Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal.

  • 1oNos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á.
  • 2oEm qualquer dos casos referidos no § 1o, o tribunal julgará a remessa necessária.
  • 3oNão se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;

III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

  • 4oTambém não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I - súmula de tribunal superior;                                                                    

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

Observa-se que apenas algumas decisões proferidas contra a Fazenda Pública estão sujeitas ao reexame necessário. Com o novo CPC houve restrição quanto ao valor fixado em cada ente da federação e estabeleceu a desnecessidade da remessa quando a decisão proferida for baseada em súmulas e entendimentos dos Tribunais Superiores de decisões vinculantes, bem como as causas fundadas no entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Uma parte da doutrina considera o reexame necessário uma prerrogativa processual da Fazenda Pública temerária e protelatória que gera indignação, por impor ao judiciário a desconfiança da decisão do juiz a quo, sem nenhuma justificativa plausível, apenas porque num dos polos do litígio encontra-se a Fazenda Pública, situação que retarda o término do processo.

É válido ressaltar que nos artigos 520, VII, e 273, do CPC de 1973 existe a possibilidade do cumprimento provisório da tutela de urgência solicitada em face da Fazenda Pública em ação de primeiro grau sem a necessidade do reexame necessário. Nestes casos, o reexame necessário demostra-se cauteloso, pois assegura a proteção do interesse público, sem desconsiderar a real urgência e relevância do caso. Além do mais, esse instituto possui efeito devolutivo total determinando que a matéria analisada e julgada em primeira instância volta a ser examinada pelo Tribunal, conforme o entendimento da Súmula 325 do STJ.

Germano Bezerra Cardoso, em seu texto – O reexame necessário e a preservação do interesse público é complacente com este entendimento, afirmando que:

Justamente em razão do regime jurídico diferenciado da Fazenda Pública de tutelar e gerir o interesse público, cujo sistema lhe confere certas prerrogativas não extensíveis a esfera privada, denota-se a diversidade fática de tratamento entre aquela e o particular na relação jurídica processual, a ensejar o tratamento desigual, sem ferir, contudo, o princípio constitucional da isonomia. (CARDOSO, 2009, p. 289)

 

Por essa razão, o emprego do termo “privilégio” não se apresenta adequado para a instituição das prerrogativas processuais em prol da Fazenda Pública, e, principalmente, ao instituto do reexame necessário, por causa do seu regime jurídico que objetiva a supremacia do interesse público. Os privilégios consistem em vantagens sem fundamentos, gerando uma discriminação desarrazoada de forma injusta e arbitrária que não condiz com a origem do tratamento diferenciado conferido a Fazenda Pública.

Consta-se que, no instituto do duplo grau de jurisdição houve também algumas alterações. Uma delas foi à redução na consecução do instituto do reexame, afastando as sentenças que envolvem condenação ilíquida, em que, com a observância de cada caso, o reexame necessário só seria realizado na fase de liquidação. Foi alterado o valor mínimo que permite a reanálise em relação a remessa necessária, conforme o entendimento de Guilherme Freire de Melo Barros:

A União, autarquias e fundações de direito público superior a 1.000 (mil) salários-mínimos; os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados valor superior a 500 (quinhentos) salários-mínimos e os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público superior a 100 (cem) salários-mínimos. (2014, p. 121)

Observa-se que, o propósito da modificação é a busca da duração razoável do processo, pois diminuindo os casos de reexame necessário é factível não apenas desafogar os Tribunais como também assegurar que cada caso tenha uma decisão final mais célere nos casos em que a Fazenda Pública não tem interesse em recorrer. De forma que, a alteração da aplicação deste instituto justifica-se pela contenção de gastos públicos e a redução do potencial impacto da decisão judicial em relação ao erário, sendo que o litígio precisa ser levado ao Tribunal para fortalecer e consolidar o entendimento do juiz de primeiro grau em relação ao prejuízo sofrido pela Fazenda Pública.

2.3. Honorários em percentuais previamente definidos

A lei 13.105/15 alterou sistematicamente a fixação do valor de honorários advocatícios nas causas em que a Fazenda Pública é condenada. Nesse ínterim, houve muitos debates, de um lado a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apontava a necessidade de fixação de honorários advocatícios em valores dignos e do outro os Advogados Públicos e a Fazenda Pública argumentando o elevado custo aos cofres púbicos, principalmente nas ações que envolvem valores altíssimos. Em meio a esses debates democráticos acalorados, o texto aprovado pelo Senado procurou um meio termo. Senão vejamos alguns parágrafos do artigo 85 da citada lei:

  • 3oNas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2oe os seguintes percentuais:

I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;

II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;

III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;

IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;

V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.

  • 4oEm qualquer das hipóteses do § 3o:

I - os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;

II - não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;

III - não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa;

IV - será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação.

  • 5oQuando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3o, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.
  • 6oOs limites e critérios previstos nos §§ 2oe 3o aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.
  • 7oNão serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.

Posto isso, verifica-se que o texto do novo CPC permite a fixação de honorários advocatícios em valor superior a 10%, chegando até 20%, nas condenações nas quais a Fazenda Pública é sucumbente, porém submetendo-se ao valor econômico auferido, os percentuais serão modificados, de forma a reduzir os honorários milionários em prejuízo ao Erário e também mantendo os valores coerentes com o trabalho disponibilizado pelo advogado, sem qualquer surpresa posterior nos valores fixados em juízo.

  1. 3. PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA SOB A ÓTICA DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS DE DIREITO PÚBLICO

 No terceiro e último item, discorre sobre as prerrogativas da Fazenda Pública à luz dos princípios jurídicos do Direito Público, posto que são verdadeiros alicerces que se difundem sobre várias normas, delimitando a lógica e a racionalidade do sistema normativo. No Direito Administrativo, tecnicamente no regime jurídico-administrativo, os princípios são preceitos imprescindíveis para o entendimento da atividade de um representante público e do desempenho do ofício dos agentes públicos, assim como para a compreensão do exercício jurídico dos Advogados públicos, e suas prerrogativas, que significam requisitos legais e de grande valia para a atuação destes profissionais.

O alemão Robert Alexy define os princípios como mandamentos de otimização e são regras que exigem que algo seja realizado “na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. (MAZZA, 2013, p. 80)

No que concerne ao direito público, alguns princípios são relevantes para a atuação e orientação da função administrativa dos advogados públicos, o Princípio da Isonomia, (muito questionado quando o tema são as prerrogativas da Fazenda Pública) e os Princípios da Supremacia do Interesse Público Sobre o Privado e o da Indisponibilidade do Interesse Público.

3.1. Princípio da isonomia

A Constituição Federal em seu artigo 5º expõe que “todos são iguais perante a lei”. O argumento político-ideológico de tal princípio constitucional revela que “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”. O princípio da isonomia, distante de intencionar conferir tratamento substancialmente idêntico a todas as pessoas, entes, sujeitos e organismos, leva em conta as distinções de cada um, tomando como parâmetro a lição Aristotélica, segundo qual a igualdade baseia-se em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

As prerrogativas processuais dadas à “Fazenda Pública” são questionadas por parte dos doutrinadores, como Leonardo Carneira da Cunha e Nelson Nery Junior (1999), que as julgam como legítimos privilégios sustentando que elas deixaram seu fundamento e legitimidade como idônea prerrogativa com o surgimento da Constituição Federal de 1988, que enaltece o princípio da igualdade ao patamar central de atividade jurídica brasileira.

Em contrapartida, a outra parte da doutrina defende a existência de prerrogativas como fontes legítimas do direito e conforme entendimento a seguir do doutrinador Leonardo Carneiro da Cunha o princípio da isonomia é fonte basilar dessas prerrogativas:

O que se deve aquilatar, contudo, são os critérios eleitos para separar pessoas em grupo para fins de tratamentos jurídicos diversos. É elementar que a função dos textos normativos consiste, basicamente, em discriminar situações para em discriminar situações para, então, enquadrá-las em hipóteses específicas. O fator de discriminação está como se vê presente – e é até inerente – na elaboração dos textos normativos. Daí a razão pela qual se faz necessário indagar quais as discriminações juridicamente intoleráveis, pois essas não podem ser admitidas, eis que atentatórias ao princípio da igualdade. (CUNHA, 2013, p.30)

Seguindo o mesmo pensamento acima, o professor Alexandre Mazza afirma que:

O princípio da isonomia é preceito fundamental do ordenamento jurídico que impõe ao legislador e à Administração Pública o dever de dispensar tratamento igual a administrados que se encontrem em situação equivalente. Exige, desse modo, uma igualdade na lei e perante a lei, atos administrativos e leis não podem desatender a esse imperativo de tratamento uniforme.

[...]

Entretanto, o dever de atendimento a isonomia não exige um tratamento sempre idêntico a todos os particulares. Pelo contrário. Há diversas situações práticas que o princípio da isonomia recomenda uma diferenciação no conteúdo das providências administrativas conforme a peculiar condição de cada administrado. É o que se extrai da famosa máxima aristotélica segundo a qual respeitar a igualdade é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”. (MAZZA, 2013, p.130)

Nesse intento, observa-se que o princípio da isonomia não pode acatar discriminações desarrazoadas, devendo decorrer de razões justificáveis. E quanto às regras especiais conferidas à Administração Pública, sobressaem-se as prerrogativas de prazos diferenciados, com o intuito de acatar à sua situação no processo, que se mostra diverso da condição dos particulares ou dos entes privados.

Posto isto, observa-se que o tratamento diferenciado conferido à Fazenda Pública em juízo não ofende o princípio da igualdade, pois o mesmo suscita a existência de prerrogativas necessárias e justificáveis de diferenciação, entre as categorias de advogados.

3.2. Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público

Os entes públicos operam com personalidade jurídica própria, porém organizam-se apenas como representantes do interesse público, ou seja, do interesse coletivo.

 Alexandre de Mazza conceitua o princípio da supremacia de interesse público como:

“A supremacia do interesse público sobre o privado, também chamado simplesmente de princípio do interesse público ou da finalidade pública, princípio implícito na atual ordem jurídica, significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais, razão pela qual a Administração, como defensora dos interesses públicos, recebe da lei poderes especiais não extensivos aos particulares. A outorga dos citados poderes projeta a Administração Pública a uma posição de superioridade diante do particular. Trata-se de uma regra inerente a qualquer grupo social: os interesses do grupo deve prevalecer sobre os dos indivíduos que o compõem”.(MAZZA, 2013, p. 81)

Nesse sentido, Jose Roberto de Morais, também esclarece muito bem o conceito de defesa do interesse público, quando explana que:

A Fazenda Pública quando está em juízo, está defendendo o erário. Na realidade aquele conjunto de receitas públicas que possam fazer face as despesas não é de responsabilidade na sua formação, do governante do momento. E toda a sociedade contribui para isso.

[...]

Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, no momento em que a Fazenda Pública sofre um revés, no momento em que a fazenda pública tenha que contestar uma ação ou recorrer de uma decisão, o que se estará protegendo, em ultima analise, é o erário. É exatamente essa massa de recursos que foi arrecadada e que evidentemente supera, ai sim, o interesse particular. Na realidade, a autoridade pública é mera administradora (MORAIS, 2007).

É vetusta a ideia de que o interesse individual se subordina ao interesse coletivo e a Administração Pública como guardiã do interesse público deve atender à finalidade da lei alcançando as metas de manter a boa convivência dos indivíduos que compõe a sociedade.

Em complemento ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado foi criado o princípio da indisponibilidade do interesse público para enunciar que os agentes públicos devem atuar segundo os fundamentos legais, sem renunciarem os poderes legais conferidos ou que disponibilizem os interesses públicos.

Neste sentido, expõe-se o entendimento da professora Fernanda Marinela sobre o princípio da indisponibilidade do interesse público:

Embora o princípio da supremacia do interesse público favoreça a Administração com um patamar de superioridade em face dos administrados, também lhe exige maiores cuidados e obediência a inúmeras formalidades, tendo em vista que essa atuação deve ocorrer nos limites da lei, não podendo este interesse ser livremente disposto pelo administrador. Assim o princípio da indisponibilidade serve para limitar atuação do agente público, revelando-se um contrapeso á superioridade descrita no princípio da supremacia, podendo se afirmar que, em nome da supremacia do interesse público, o Administrador pode muito, pode quase tudo, mas não pode abrir não do interesse público. (MARINELA, 2012, p. 98).

 Em razão da própria função de defender o interesse público, a Fazenda Pública apresenta uma posição diferenciada das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Ademais,

“quando a Fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade, aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda a sociedade que contribui para isso. (...) Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, sofre um revés, contesta uma ação ou recorre de uma decisão, o que se estará protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso que foi arrecadada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular.” (MORAES, 2007)

Assim, a questão da necessidade de prerrogativas consiste na função primordial do ente público, a saber, o interesse público. Com isso, verifica-se que os representantes públicos executam uma atividade bem mais extensa e complexa do que a análise individual das questões que envolvem um advogado privado, pois agem como autênticos defensores do direito coletivo, no qual configura-se um direito mais abrangente, vasto e burocrático.

Diante dos argumentos apresentados, percebe-se que o tratamento diferenciado, como o prazo dilatado, o duplo grau de jurisdição, honorários advocatícios entre outros, foi conferido à Fazenda Pública para a defesa do interesse público em detrimento do interesse privado.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo, observa-se que as maiores vantagens para a Fazenda Pública, principalmente quanto a atuação da Advocacia Pública, foram as simplificações de procedimentos e sistematização dos dispositivos no novo CPC, que facilitará o trabalho do advogado público e otimizará o estudo da matéria processual.

Destaca-se ainda como ponto positivo do novo CPC, quanto às disposições procedimentais uma forma mais enxuta, mais leve, com reduzidas possibilidades de recursos ou incidentes desnecessários ou protelatórios. Isso refletirá num ofício de melhor qualidade pelo Poder Judiciário, com os Tribunais Superiores desafogados gradualmente, bem como menor dispêndio financeiro para a Fazenda Pública quanto ao pagamento de juros, multa e correções monetárias.

As desvantagens para a Fazenda Pública são específicas, como a eliminação do prazo em quádruplo para contestar, a questão dos honorários advocatícios em percentuais fixados e com a redução dos casos de reexame necessário. Tais mudanças terão impactos significativos ao erário, no exercício diário dos advogados públicos entre outros.

A discussão ora analisada compreende a razão da existência das prerrogativas, sendo ferramentas jurídicas indispensáveis ao bom funcionamento da máquina estatal em juízo, ou seja, o tratamento diferenciado é necessário não somente para mostrar as diferenças de atuação do advogado público frente ao advogado privado, como também para demonstrar que foi conferido a Fazenda Pública o regime jurídico diferenciado no qual toma por base os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, a indisponibilidade do interesse público e o da isonomia.

Desta maneira, a Fazenda Pública para ter uma atuação compatível, e da forma mais ampla possível é necessário o estabelecimento de condições suficientes e dignas para tanto, haja vista que defende o interesse da coletividade, juntamente com a burocracia intrínseca a função pública. Isso para facilitar e melhorar o sistema administrativo na atividade, permitindo a agilidade e desenvolvimento no sistema judiciário brasileiro, mantendo-se a qualidade e a obediência às normas de direito público.

Portanto, verifica-se que as prerrogativas são particularidades de existência que dão capacidade, efetividade e eficiência aos agentes públicos, mesmo com as inúmeras críticas e censuras de alguns doutrinadores que permanecem acreditando que elas são privilégios desnecessários.

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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