Tratamento da Fibrilação Atrial e das Doenças Associadas

Por Dalmo Antonio Ribeiro Moreira | 04/03/2010 | Saúde

A fibrilação atrial é uma arritmia de causa multifatorial, o que torna sua terapêutica as vezes complexa, envolvendo diferentes classes de medicamentos, cujos efeitos se somam. Essa observação ressalta a importância da heterogeneidade de mecanismos envolvidos na gêneses da fibrilação atrial, com óbvias implicações em distintos modos de tratamento, indicando que uma mesma forma de tratar não deve apresentar o mesmo resultado para todas as diferentes causas desta arritmia. Frequentemente a fibrilação atrial está associada à outras condições clínicas cuja identificação e abordagem farmacológica, se tornam necessárias quando se pretende também corrigir o distúrbio do ritmo. Tais entidades não somente facilitam o seu surgimento, como agravam sua evolução tornando-a algo mais grave do que seria se a mesma se apresentasse isoladamente. Nesta apresentação serão discutidas as principais co-morbidades associadas à fibrilação atrial e de que maneira o tratamento destas condições influencia os resultados do tratamento da arritmia especificamente.

Causas cardíacas e não cardíacas de Fibrilação Atrial

A hipertensão arterial e insuficiência cardíaca são as causas mais frequentemente associadas ao surgimento de fibrilação atrial e, dentre as causas não cardíacas destaca-se pela sua frequência, a síndrome metabólica. Embora alguns pacientes com hipertireoidismo possam evoluir com fibrilação atrial, esta não é uma causa frequente na clínica. É muito pouco provável a manutenção de um ritmo cardíaco normal se estas co-morbidades não forem identificadas e removidas.


Insuficiência Cardíaca

Existe associação freqüente de insuficiência cardíaca (50% dos casos) com fibrilação atrial, a ponto de não se saber na clínica, qual entidade se manifestou primeiro1. Por outro lado, o sucesso terapêutico de uma condição com certeza traz impacto nos resultados do tratamento da outra. Em outras palavras, para que haja compensação de um quadro de insuficiência cardíaca, é fundamental que a freqüência cardíaca na fibrilação atrial seja controlada ou o ritmo sinusal restabelecido. O mesmo deve ser dito com relação à fibrilação atrial, dificilmente consegue-se o restabelecimento do ritmo cardíaco normal se o paciente não estiver com suas condições hemodinâmicas normalizadas.

Pacientes com insuficiência cardíaca apresentam elevação da pressão diastólica ventricular, aumento da pressão intra-atrial, aumento da pressão pulmonar, fatores estes que intensificam o surgimento de ectopias atriais, particularmente no átrio esquerdo próximo ao território das veias pulmonares. Tais focos ectópicos talvez funcionem como um mecanismo para acelerar o esvaziamento atrial permitindo, deste modo, a redução da pressão no interior das veias pulmonares. A conseqüência deste fato é que a ativação atrial rápida e irregular, favorece ao remodelamento elétrico e histológico atriais que facilita o surgimento e manutenção de fibrilação atrial. Além disso, já se demonstrou experimentalmente que animais com insuficiência cardíaca provocada pela estimulação ventricular rápida por mais de duas semanas consecutivas, apresentam maior possibilidade de aparecimento de áreas de fibrose nos átrios, outro fator que favorece a condução lenta e bloqueios unidirecionais na propagação da ativação elétrica atrial. Estes efeitos são fundamentais para o desencadeamento da reentra atrial.

Na prática clínica, a terapêutica de pacientes com fibrilação atrial inclui a utilização de um antiarrítmico. Segundo as diretrizes internacionais2 o único fármaco com sucesso  comprovado na manutenção do ritmo sinusal em pacientes com insuficiência cardíaca é a amiodarona. Este agente é seguro pois apresenta baixo risco para efeitos pró-arrítmicos, além de ser eficaz na prevenção de recorrências. Em muitos casos consegue-se, com doses baixas, 100 a 200 mg ao dia, a manutenção do ritmo cardíaco normal. Por outro lado, é fundamental que estes pacientes sejam tratados com um esquema que envolve diuréticos, inibidores de enzima de conversão (IECA) ou bloqueadores de receptor de angiotensina (BRA) e a espironolactona. Os diuréticos reduzem a volemia e a pressão intra-atrial, favorecendo a redução da freqüência de ectopias; IECA ou BRA reduzem o grau de fibrose atrial e aliviam a pressão intra-atrial. Os beta-bloqueadores, como o carvedilol ou o metoprolol estão indicados nesta população pois os estudos demonstram uma redução significativa das recorrências de fibrilação atrial, bem como redução da mortalidade total e cardiovascular. Ação anti-apoptose atrial, anti-oxidante e efeito redutor a resistência periférica (vasodilatação sistêmica), seriam os principais mecanismos de ação desta classe de fármacos em pacientes com fibrilação atrial associada à insuficiência cardíaca3.

Em casos de recorrências da arritmia, vale salientar que as causas envolvidas devem ser pesquisadas. Dentre elas o uso incorreto da medicação se destaca. Além disso, o consumo excessivo de sal, processos infecciosos, atividade física excessiva, ou seja, fatores de estresse cardiovascular, devem ser identificados e corrigidos. Em se tratando de consumo excessivo de sal, em muitos casos somente o aumento da dose de diuréticos pode restabelecer o ritmo cardíaco normal.


Hipertensão Arterial

A hipertensão arterial, que evolui com hipertrofia ventricular e sobrecarga atrial esquerda, é um outro fator de risco que aumenta a possibilidade de fibrilação atrial. É uma das mais freqüentes co-morbidades em indivíduos com esta arritmia. O incremento da pressão diastólica final ventricular esquerda que repercute no átrio esquerdo, distende essa câmara e facilita o surgimento de ectopias atriais. Estas ectopias podem facilitar o surgimento de remodelamento elétrico e histológico do miócito atrial e predispor o paciente a taquicardias atriais e finalmente a fibrilação atrial. Outro fator agravante nesta condição clínica é o aumento da massa ventricular esquerda, fundamental na perpetuação do aumento da pressão diastólica final4.

Medicamentos que reduzem a sobrecarga ventricular esquerda, bem como o grau de fibrose miocárdica, diminuem a possibilidade de recorrências de fibrilação atrial. Os inibidores de enzima de conversão da angiotensina bem como valsartan e ramipril diminuem a incidência de fibrilação atrial em hipertensos5,6. A fibrilação atrial tem sua frequência de manifestação acentuadamente reduzida quando a hipertensão arterial é controlada de maneira eficaz, associadamente a redução da sobrecarga atrial e a hipertrofia ventricular esquerda, achados freqüentes na doença hipertensiva.


Síndrome Metabólica

Tanto o diabetes como a hipertensão arterial, identificados como fatores independentes de risco cardiovascular, podem estar associados a obesidade, apnéia do sono e dislipidemia, formando, assim, um outro grupo de co-morbidades conhecido como síndrome metabólica. A síndrome metabólica é reconhecida na atualidade como um fator de risco independente para o surgimento da fibrilação atrial7. Especificamente a produção de citocinas que causam inflamação cardíaca (interleucina 6, fator de necrose tumoral, proteína C reativa ultrassensível e outros) está associada ao surgimento de fibrilação atrial, particularmente em indivíduos com coração normal. Pode-se comprovar a importância da inflamação na síndrome metabólica pela redução da incidência de fibrilação atrial quando os pacientes são tratados com anti-inflamatórios ou até mesmo com estatinas. De maneira geral, entretanto, o tratamento de cada um desses fatores, de maneira objetiva, pode reduzir o risco de fibrilação atrial e melhorar a evolução dos pacientes de risco.

Concluindo, esta apresentação indica que o tratamento da fibrilação atrial não deve ficar restrito somente ao antiarrítmico, reforçando a idéia de que a fibrilação atrial é uma arritmia de causa multifatorial. A medicação coadjuvante exerce papel importante e é possível que as falhas do tratamento estão relacionadas a não utilização racional desses agentes. Além disso, as influências sistêmicas, não cardíacas, que facilitam o surgimento de fibrilação atrial, podem ser abordadas com essa terapia auxiliar, que juntamente com os antiarrítmicos, deverão conferir  maior estabilidade elétrica ao tecido atrial e redução das recorrências.


Referências Bibliográficas

1 - Boyle NG, Shivkunar K. Atrial fibrillation in congestive hert failure:current management. Cardiol Clin 2009; 27:79-93
2 - Fuster V, Ryden LE, Cannom DS, Crijins HJ, et al. ACC/ AHA/ESC guidelines for the management of patients with atrial fibrillation: a report of the American College  of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the European Society of Cardiology Committee for Practice Guidelines and Policy Conferences. Circulation 2006; 14:700-52.
3 - Kukin ML. Beta blockers in chronic heart failure:cosniderations for selecting na agent. Mayo Clin Proc 2002; 77:1199-1206.
4 - Vedechia P, Reboldi G, . Gattobigio R, ET al. Atrial fibrillation in hypertension. Predictors and outcome. Hypertension 2003; 41:218-223.
5 - L’Allier PL, Ducharme A, Keller PF, Yu H, Guertin MC, Tardif JC. Angiotensin-converting enzyme inhibition in hypertensive patients is associated with a reduction in the occurrence of atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol 2004;44:159–64.
6 - Fogari R, Derosa G, Ferrai I, et al. Effect of valsartan and ramipril on atrial fibrillation recurrence and P-wave dispersion in hypertensive patients with recurrent symptomatic lone atrial fibrillation. Am J Hypertension 2008; 21:1034-1039.
7 - Korantzopoulos P, Kokkoris S, Papaioannides D. The association of metabolic syndrome with atrial fibrillation: an emerging epidemiological and pathophysiological hypothesis. Cardiology. 2005;104:148–149.