TRANSIÇÃO POLÍTICA COMO CAUSA DAS MODIFICAÇÕES JURÍDICAS...
Por Leticia Leite Alves da Silva | 15/05/2013 | DireitoTRANSIÇÃO POLÍTICA COMO CAUSA DAS MODIFICAÇÕES JURÍDICAS MARANHENSES NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX
RESUMO
É realizado um estudo sobre os reflexos da política no Direito no âmbito maranhense, dando ênfase nos fatores governistas do vitorinismo e sarneysmo. Foram desenvolvidas relações de antecedência e posterioridade dos fatores já citados, destacando a forma como cada um afeta a jurisprudência maranhense. Por fim, é abordada a possibilidade de haver solução para estes dois problemas.
PALAVRAS-CHAVE
Política. Vitorino Freire. José Sarney. Maranhão.
No mesmo Relatório ficou dito que, em 1950, o Tribunal de Justiça do Maranhão julgara 106 processos, sendo 41 de competência do Pleno, 32 e 33 das turmas respectivas. Muitos estudantes de Direito passaram a exercer cargos de Promotores Públicos.
Milson Coutinho
INTRODUÇÃO
Começaremos o trabalho demonstrando a íntima relação entre Direito e Política pois a política sempre é questionada como principal fonte de intervenção no Direito. Se o Direito foi gerado pelo homem, é suposto que por este homem também não ser neutro e suas normas, portanto, serão impregnadas com suas ambições.
Analisamos, em seguida, o governo de Vitorino Freire e as conseqüências da sua hegemonia política no judiciário maranhense. Por fim, tratamos da eleição de 1965, o marco da transição de poder e palco de muitas disputas políticas e jurídicas, e suas conseqüências no âmbito político e no judiciário maranhense.
1. RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E DIREITO
Existia, em sua maioria no século XIX, uma teoria amplamente aceita na qual se afirmava que direito e política eram assuntos distantes. “ [...], direito e política ao menos não se relacionam, se não se quiser dizer que não se relacionam; a competência do jurista é uma, e a do político é outra.” [1] O modelo posto se modificou e, atualmente, podemos perceber que a teoria mais aceita é a da íntima ligação entre política e direito. Cabe, contudo, fazermos um recorte: política e direito positivo: “do direito como é entendido pelo positivismo jurídico, pela doutrina segundo a qual não há outro direito senão aquele estabelecido diretamente ou indiretamente reconhecido pelo poder político.” [2]
Quando por direito se entende o conjunto de normas, o sistema normativo, dentro do qual se desenvolve a vida se um grupo organizado, a política tem a ver com o direito sob dois pontos de vista: enquanto a ação política se exerce através do direito, e enquanto o direito delimita e disciplina a ação política. [3]
Do enunciado posto acima se extraem duas relações elementares entre direito e política. A primeira é: a existência de uma ordem jurídica depende da existência de um poder político, sendo a ordem jurídica o direito positivo e o poder político “o poder cujo instrumento característico de aplicação é a força física” [4]. Essa dependência é explicada através da necessidade inerente ao direito de uma força para fazê-lo valer contra qualquer membro do grupo. O poder político é caracterizado como instrumento de aplicação do direito.
A segunda relação pode ser, em verdade, definida como o inverso da anterior: o direito justifica o poder político. Essa relação surge quando analisamos a legitimidade do poder político.
Um poder é considerado legítimo quanto quem o detém, o exerce a justo título, e o exerce a justo título enquanto for autorizado por uma norma ou por um conjunto de normas gerais que estabelecem quem, em uma determinada comunidade, tem o direito de comandar e de ter seus comandos obedecidos. [5]
Após termos comprovado a estreita ligação existente entre direito e política é possível adentrarmos ao assunto a que nos propomos tratar: de que forma a alternância de poder entre Vitorino Freire e José Sarney repercutiu no sistema jurídico maranhense da época. De acordo com Bittar: “[...] a política é o lastro que subjaz às frias estruturas jurídicas. A política não é um mal para as estruturas do Direito; o mal decorre do uso que dela se faz para a manipulação dos interesses sócio-ideológico-econômicos.” [6]
- VITORINO FREIRE
Vitorino Freire nasceu em 28 de novembro de 1908 em Pernambuco, veio a falecer em 27 de agosto de 1977. Foi servidor público, proprietário rural e jornalista. Exerceu cargos públicos de secretário estadual, de secretário do governo do Maranhão e de oficial de gabinete do secretário de Agricultura de Pernambuco. Exerceu o mandato de deputado federal em 1946 e de senador entre os anos de 1947 e 1971.
Vitorino inicia sua ligação política como o Maranhão em 1933. Nesse ano foi nomeado secretário de governo e tinha a incumbência de organizar o Partido Social Democrático (PSD). Não conseguindo eleger seu candidato ao governo maranhense, Vitorino volta ao Rio de Janeiro. Com o fim do Estado Novo, contudo, Vitorino regressa ao Maranhão a fim de organizar a eleição de Eurico Gaspar Dutra à presidência. As eleições de 1945 foram promissoras para Vitorino. “O PSD obteve consagradora vitória [...] elegeu 2 senadores, 6 dos 8 deputados federais constituintes (entre os quais se contava o próprio Vitorino), além de influenciar na indicação do novo interventor estadual, Saturnino Bello.” [7] Esse foi o início ascensão de Vitorino ao comando político do estado.
A partir de 1950, quando Vitorino retomou o controle do PSD maranhense, seu período de total hegemonia política teve início. “O poder político era regulado de conformidade com os interesses do então Senador do Maranhão, Victorino Freire, que possuía ampla liberdade para manipular todo o sistema político do Maranhão.” [8]
A hegemonia política de Vitorino sofreu várias contestações, em sua maioria da oposição. Um dos maiores movimentos contra Vitorino foi a chamada Greve de 51. A Greve pode ser definida como “movimento articulado pelas oposições contra a posse do governador Eugênio Barros (PST), candidato ligado a Victorino Freire, “vitorioso” em eleições marcadas pelas denuncias de fraude.” [9]
O fim da hegemonia política de Vitorino se dá com as divergência quanto as indicações às eleições de 1965. Vitorino Freire (senador) e Newton Bello (governador) não entraram em acordo o que ocasionou um rompimento.
O rompimento entre o senador e o governador era mais uma conseqüência da Revolução que, depois de promover a revisão eleitoral e vetar a candidatura de Renato Archer, conseguia o impossível no Maranhão: dividir e enfraquecer, definitivamente, o imbatível PSD, que assim partiria para a eleição de outubro de 1965 literalmente esfacelado. Abriam-se, então, condições excepcionais às Oposições para, finalmente, alcançarem o poder. [10]
2.1. Marcos no Judiciário
A Constituição do Maranhão de 1947 só teve adaptação a partir de 1949 para o funcionamento do Tribunal de Justiça do Maranhão 51 como o dia “D”, pois após uma reunião a votação, Nelson Jansen foi proclamado o novo presidente do Tribunal e governador do Estado, efetuando o golpe.
Período conhecido como presentes dois governadores e dois presidentes do Tribunal de Justiça, pois Traiahú Moreira indicado pelo Poder Judiciário e o governador Eugênio Barros que havia sido indicado pela Justiça Eleitoral, não consideraram esse golpe.
Estando presente em São Luís o Ministro da Justiça, Negrão de Lima intervém como adversário de Vitorino Freire e, pelo poder Legislativo, afasta o governador Eugênio Barros e César Aboud assume temporariamente, enquanto Traiahú Moreira retoma a presidência. Após essa turbulência, em setembro de 1951 Eugenio Barros retorna ao governo.
A longa crise, marcada pela greve, por tiroteios, mortes, ferimentos e o metralhamento, por engano, de um ônibus governista que, inadvertidamente, atravessara o “paralelo 38”, linha demarcatória entre a Igreja da Sé e o Hotel Central, cessara afinal, com a subida do Sr. Eugênio Barros ao poder, a 18 de setembro de 1951.[11]
Em 1954 Nelson Jansen substitui Traiahú Moreira, sendo, após um golpe, substituído em seguida pelo vice-presidente Costa Fernandes. Em 1955 foi eleito Bento Moreira para presidente, sendo atacado na imprensa por Assis Chateaubriand. “Sem paz interna, a Corte iria até 1957, sempre abalada em sua estrutura jurídica e mesmo moral, por tantas crises, tantas incompreensões e tantos passos dados contra a própria lei.” [12]
No governo de Newton Bello, ao aumentar as gratificações dos secretários de Estado e essas não atingirem o Tribunal de Justiça, foi criado um conflito entre o legislativo e o judiciário, após várias reuniões secretas, foi enviada ao governador uma resolução aumentado também para o Plenário, que cumpriu disposições da Carta Magna do Estado que dizia que os membros do Tribunal de Justiça não poderiam receber menos que os secretários.
- 3. TRANSIÇÃO POLÍTICA
Não foi apenas o rompimento entre Vitorino Freire e Newton Bello o responsável pelo resultado das eleições de 1965. O golpe militar de 1964 foi de fundamental importância para a eleição de Sarney. “Forneceu-lhe condições materiais para implantar uma nova oligarquia que firmava-se frente ao vitorinismo decadente” [13]. Os militares perseguiram militantes de esquerda e até mesmo da oposição; enfraqueciam Vitorino e, conseqüentemente, o PSD. Mas o momento decisivo foi a indicação do sucessor de Newton Bello. Vitorino indicou Renato Archer que, no início, não foi aceito pelos militares. Newton Bello adiantou-se ao seu chefe político indicando Costa Rodrigues. E por isso foi expulso do PSD. Filiou-se, então, ao PDC, juntamente com o seu candidato. As eleições, após toda confusão, ocorreu com três candidatos: Sarney (Oposições Coligadas), Costa Rodrigues (PDC) e Renato Archer (PSD).
Sarney ganhou as eleições com 112.062 votos em um universo de 497 mil. Existem, contudo, alguns agravantes: “200.000 votos foram anulados onde cerca de 40% dos votos eram fantasmas ou municiavam a universidade da fraude.” [14]
Tantas e tão profundas mudanças introduzidas pelo regime militar na política maranhense surtiram o efeito desejado propiciando a vitória oposicionista em 3 de outubro de 1965. Dava-se mais um salto espetacular do “canguru”, de nacionalista e reformista transformou-se e subordinado civil do regime autoritário. Passados quase quinze anos da Greve de 1951, a bandeira oposicionista da “moralização dos costumes políticos” foi empunhada pela ditadura militar, que “do alto”determinou a mudança das regras do jogo na política maranhense, reestruturando o sistema de dominação oligárquica e provocando a alternância de grupos políticos no poder... [15]
Apesar do “legado político da Campanha de Liberação: o resgate das tradições cívicas e culturais dos maranhenses” [16], da “Queda da Bastilha Vitorinista” e do programa liberal de “moralização dos costumes políticos” Sarney manteve as práticas utilizadas por Vitorino. O que houve, realmente, foi uma “alternância de grupos políticos no poder”. Como disse o Padre Antônio Vieira “A verdade que vos digo é que no Maranhão não há verdade.” O exemplo mais claro foi a criação da SUDENE.
A SUDENE foi criada com o propósito de ajudar as pessoas afetadas pela seca da região árida: o órgão estadual teria posse de terras nas regiões úmidas do Estado e auxiliaria as famílias atingidas por secas. Sarney, contudo, promulgou a lei nº 2.979, de 17 de Julho de 1969 (Lei das Terras, como ficou conhecida), que visava camuflar o “real” objetivo SUDENE. O que, na prática, ocorria era a distribuição de terras para os empreendedores agropecuários, expandindo o processo de latifúndio no estado.
- 4. JOSÉ SARNEY
José Sarney nasceu em Pinheiro (MA) no ano de 1930. É bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Federal do Maranhão. Devido à influência política de seu pai ele estava perfeitamente bem posicionado em meio à política marcada por padrões patrimoniais de dominação, que era característica do Maranhão na época (década de 50).
Seu primeiro salto, como são chamados suas jogadas políticas, foi ocorreu 1954 na sua candidatura a deputado federal pelo PSD. Como o próprio Vitorino Freire relata em seu livro de memórias:
Seu pai, o desembargador Sarney, mantinha comigo relações pessoais há muitos anos. Nos idos de 1950, desejoso de ver seu filho lançar-se na política do Estado, solicitou-me que interferisse junto ao Governador Eugenio Barros no sentido de arranjar uma colocação para seu filho, José Ribamar Costa, ou José Sarney, como se assinava, no gabinete do governador... O salto de Sarney, de assessor do governador a candidato a deputado federal, contando com o meu apoio, gerou incompreensões de outros jovens políticos do PSD, que se consideraram marginalizados por mim. [17]
4.1. Marcos no Judiciário
Com o pretexto de combater o comunismo, os militares tiraram o presidente da República do poder e fortaleceram o Poder Executivo ao impor medidas para acabar com a corrupção. “Apoiada no discurso moralizante da UDN, a Revolução de 31 de março de 1964 se impôs por meio de atos punitivos contra os identificados e afinados com o sistema político deposto.” [18]. Por isso, ao apoiar o movimento revolucionário e combater o PSD representado pelo Vitorino Freire, José Sarney estava sendo beneficiado.
O presidente do Tribunal do Maranhão, Antonio Moreira foi pressionado para entregar nomes de juízes tidos como indignos para o cargo, mas este relutou e através do Ato Institucional n5 foi afastado com a aposentadoria.
Por temor ou por decisão própria, a Casa de nossa Justiça orientou-se, daí pra frente, para novos rumos, e, testemunha pessoal desses acontecimentos, folga o autor em declarar que, a partir de 1964, o Tribunal se afastou do Palácio, e passou a ditar suas decisões com base, única e exclusivamente, nos Códigos, na doutrina e na jurisprudência.[19]
CONCLUSÃO
A mudança no eixo político direcionaria a mudanças de objetivos para o exercício do coronelismo. Os partidos políticos exerceriam certa influência no Maranhão, porém com amenizações do poder em virtude dos acontecimentos políticos em âmbito nacional.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 4ª Ed. São Paulo: Atlas; 2006.
BOTELHO, Joan. Conhecendo e debatendo a história do Maranhão. São Luís: Fort Com. Gráfica e Editora, 2008.
BUZAR, Benedito B., O vitorinismo: lutas políticas no Maranhão de 1945 a 1965. São Luís: Lithograf - Indústria Gráfica e Editora Ltda., 1998.
COUTINHO, Milson. Memória dos 180 anos do Tribunal de Justiça:1912-1993. São Luís: SIOGE, 1993.
KOSHIBA,Luiz, PEREIRA, Denise Manzi Frayze. História do Brasil no contexto da história ocidental. 8 ed. São Paulo: Atual, 2003.
Raimundo Nonato Othelino Filho Parente Alves. Violência nos governos de Vitorino e Sarney. Abril. 2009. Entrevistadores: Bruno Martins, Filipe Eduardo e Letícia Alves. São Luís: UNDB, 2009.